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Análise: The Falconeer (Multi) e a arte de alçar voos cada vez mais altos

Jogo desenvolvido por Tomas Sala impressiona por seu mundo aberto e pela jogabilidade divertida, apesar de escolhas de design ocasionalmente confusas.

Até onde pode ir a criatividade na criação de mundos virtuais? No caso de The Falconeer, título do desenvolvedor independente Tomas Sala, a resposta é bem clara: o céu é o limite. Neste jogo publicado pela Wired Productions, o jogador encara a interessante missão de ser um falcoeiro em um mundo singular — belo, mas dominado por distintas facções. Dotado da companhia de seu falcão, não faltarão atividades e desafios, mas será que este é um voo que vale a pena realizar? Confira conosco a seguir em nossa análise.

Até onde os olhos podem ver

The Falconeer se passa na localidade conhecida como The Great Ursee, na qual um grande e quase infinito volume de água cobre praticamente tudo que existe, incluindo as memórias do passado. O poder aqui reside basicamente nas mãos das Imperial Houses (tradicionalmente detentoras do império) e da Mancer Order, responsável por pesquisar, manter e controlar a tecnologia.

Às pessoas comuns que não se tornam piratas ou foras da lei, restam as tarefas triviais de trabalhar, pescar e negociar entre localidades, sempre sofrendo as primeiras consequências de quaisquer tensões entre os poderes regentes de Ursee. Neste difícil panorama, os falcoeiros são especialmente importantes por sua capacidade de domar e controlar aves gigantes e de se locomover com facilidade e agilidade, fazendo com que comumente sejam vistos como mensageiros e guardiões — uma luz no meio da escuridão.

Porém, conforme a história do jogo se desenrola, é possível ver que muitas vezes as coisas não são bem o que parecem ser. Sem entrar no terreno dos spoilers, afirmo com segurança que, ao contrário do que um olhar desatento poderia supor, The Falconeer possui uma narrativa e um universo que merecem ser explorados. Ao longo dos quatro capítulos principais da história, é possível montar um grande quebra-cabeça a partir de diversos pontos de vista, e localidades e acontecimentos descobertos no mapa também podem contribuir para a interpretação do jogador, com curiosidades e menções. 

Esse aspecto é algo natural se levarmos em conta que um dos principais trabalhos anteriores de Tomas Sala foi a criação do mod de Skyrim (Multi) Moonpath to Elsweyr. A DLC não-oficial sempre se destacou por ser lore-friendly, termo em inglês utilizado principalmente para denominar modificações que não subvertem ou modificam a história original do jogo, reforçando a atenção do desenvolvedor ao enredo e aos pequenos detalhes. 

Alçando voo... ou não?

“Somente nas asas de um falcão somos livres das águas que nos prendem”. É com esta frase, seguida de uma bela cutscene, que The Falconeer inicia. Levando em conta a introdução e os belos gráficos — que me lembraram Sea of Thieves (PC/XBO) e The Legend of Zelda: The Wind Waker HD (Wii U), dois de meus jogos favoritos da geração passada —, meu primeiro contato com a obra de Sala não poderia ser mais positivo. Como um jogador que tem certo fascínio por falcões e pela aviação de modo geral, mal pude esperar para voar e me aventurar por Ursee.

Infelizmente, porém, os minutos que se seguiram não foram nada animadores: o tutorial inicial se passa na localidade de Dunkle, onde você é encarregado de realizar tarefas simples acompanhado de outro falcoeiro. No entanto, o que teoricamente serviria para o jogador se familiarizar com os controles e mecânicas do título acaba, na prática, não funcionando nada bem. 

Dominar o vôo e a dinâmica do falcão não é tão simples de início, embora felizmente se torne natural com o tempo de jogo. Como um título de lançamento do Xbox Series X/S e que foi anunciado inicialmente para Xbox One, The Falconeer foi otimizado para controles e flight sticks, o que torna o uso de mouse e teclado levemente mais complicado do que o esperado. Mas a verdade é que, mesmo com um joystick em mãos (esta análise foi feita com um controle de Xbox), há uma curva de aprendizado baseada em dois elementos principais que não é facilitada em nada pelos ensinamentos iniciais.

O primeiro elemento é a energia. Uma vez em voo, é altamente necessário manusear este recurso, que é visível no inferior da tela por meio de um medidor azul e funciona como uma espécie de barra de stamina. A energia é necessária para acelerar e fazer os clássicos barrel rolls, e é recuperada por meio de mergulhos, tufões de vento ou simplesmente com o tempo. 

O segundo elemento diz respeito ao combate em si. The Falconeer usa uma espécie de auxílio de mira para auxiliar o jogador nos duelos aéreos, mas sua aplicação não é tão simples: é possível travar a mira em adversários, mas é preciso ajustar o segundo indicador para disparar os tiros com precisão. O esquema pode ser visto na imagem a seguir (em inglês), extraída do manual do jogo disponível no Steam:

Como no tutorial essas mecânicas não são explicadas a fundo e há o auxílio de outro falcoeiro, é comum que ele derrote os inimigos iniciais enquanto o jogador ainda está aprendendo a se movimentar e realizar um barrel roll. Como resultado, ao término da minha primeira missão, eu ainda estava lutando com os controles e não fazia ideia de como os inimigos haviam sido vencidos. 

Na hora de voltar para a base inicial em Dunkle, outro problema: qual o botão de pousar em uma localidade? Uma ação extremamente simples se tornou complexa pelo fato de o título não dar nenhuma pista (nem na lista de comandos) sobre como realizá-la. Por longos minutos achei que o pouso era realizado automaticamente e fiquei sobrevoando a ilha sem sucesso (e sem paciência). 

Tendo em vista que simuladores de voo não são comuns como jogos de plataforma ou first person shooters, presumir que o jogador já saiba a maneira de realizar tarefas nunca será o melhor caminho. Porém, cabe ressaltar que desde o último patch, há agora um aviso no canto inferior esquerdo da tela quando é possível pousar — parece que eu não fui o único a ter problemas, afinal.

Saindo da turbulência

Após a turbulência com o tutorial, aos poucos The Falconeer volta a mostrar seus méritos. A história base é dividida em quatro capítulos principais que ocorrem em diversas localidades do mundo aberto de Ursee, e é possível escolher a ordem de exploração livremente, posto que são quatro arcos distintos, mas conectados. Embora eu particularmente prefira narrativas mais fechadas, há um apelo inegável que reside no fato de conferir liberdade ao jogador que queira se desafiar desde o início e escolher a ordem de sua experiência.

Como um falcoeiro, o jogador sempre será requisitado para diversas atividades pelos personagens e facções espalhados pelo mapa; estas podem variar desde missões de combate até entregas e escoltas, e as recompensas variam desde dinheiro até cartas de permissão, que possibilitam contato e tratativas com novos grupos e organizações.

Dinheiro é algo extremamente importante, pois é com ele que se adquire novas aves, novas armas e mutagens. Estes últimos, ao serem aplicados, potencializam características de cada falcão, como a velocidade ou a capacidade de se regenerar. Em um toque bem interessante, com frequência é possível ver alterações visuais nos olhos dos bichos após a aplicação, ao melhor estilo The Witcher III: Wild Hunt (Multi).

Investir em tais melhorias é fundamental para sobreviver em situações mais difíceis. Embora o primeiro capítulo raramente lhe coloque em situações com mais de um inimigo, tais ocasiões se tornam bem mais frequentes conforme se avança na história, de modo que os combates rapidamente se tornam mais dinâmicos e interessantes.

Também é preciso ressaltar o quão divertido é realizar upgrades em seu falcão. Armas mais poderosas realmente fazem a diferença em combate, e combinadas com o clássico sistema de experiência e níveis, fornecem a valorosa sensação de progressão com o tempo de jogo. 

Vale ressaltar, porém, que como cada capítulo se dá com um personagem distinto, mutações e aves não são compartilhadas entre os mesmos, sendo reembolsadas na ocasião da mudança. O nível geral, armas e inventário, porém, são compartilhados entre as histórias.

Mistérios do além-mar

Falando da estrutura das missões, minhas preferidas foram as que envolviam combates. Uma vez dominadas as mecânicas de voo e de mira, é possível fazer manobras cada vez mais ousadas, e em cenários onde há diversos tipos de adversários, como navios e outros falcoeiros, rapidamente os embates se tornam repletos de adrenalina. Se no início demorei a pegar o jeito, com oito horas de jogo eu já procurava batalhas cada vez mais complexas — uma pena que não haja opções multiplayer.

Ainda assim, cabe aqui um elogio, pois em nenhum momento me cansei dessas situações, e atualmente planejo voltar ao jogo em dificuldades mais elevadas para obter um desafio ainda maior, algo que raramente faço. Vale ressaltar que jogadores que não sejam particularmente atraídos por instâncias de combate podem abaixar a dificuldade: há três níveis (easy, normal e hardcore), e estes podem ser alterados a qualquer momento para assegurar um caminho apropriado. Além disso, há as missões mais tranquilas (e igualmente recompensadoras) de escolta ou de entrega, que acabam sendo uma boa oportunidade caso o jogador queira passar mais um tempo neste universo e explorar as localidades apresentadas.

Uma ausência que senti e que precisa ser citada é a de um sistema de marcação de pontos de interesse, como é de praxe em todo jogo de mundo aberto que se preze nos dias de hoje. Por algum motivo, aqui não há a opção de marcar um ponto no mapa para referência ou viagem rápida, o que faz com que viajar por Ursee seja por vezes mais trabalhoso do que o necessário. 

Entendo que o desenvolvedor provavelmente tenha favorecido a exploração natural, orgânica (é possível desativar o hud, por exemplo), mas, assim como no caso dos tutoriais, devo ressaltar que fornecer opções com frequência significa ser mais acessível a diferentes públicos, que podem por sua vez escolher a melhor maneira de prosseguir. Este era claramente um desses casos.

É uma escolha particularmente estranha pelo fato de que desde o último patch é possível voltar para a base instantaneamente após completar uma missão. Ainda assim, e felizmente, não é o bastante para tirar o brilho da aventura: viajar com seu falcão por este mundo virtual é tão ou mais divertido quanto parece. É só mesmo uma pena que haja certas inconveniências ao longo do processo.

No que tange à apresentação como um todo, The Falconeer certamente impressiona, e o modo foto do jogo pode ser encarado como um belo gerador de papéis de parede para seu console ou computador. A otimização também merece aplausos — em minha RX 5500 XT de 4GB não tive nenhum problema para rodar o jogo a 1080p e 60 quadros por segundo nas configurações máximas. Há até suporte a ultrawide caso você possua um monitor compatível e uma placa de vídeo que dê conta do recado. 

No caso dos novos consoles da Microsoft, destaca-se o suporte a 4K nativo e à taxa de atualização de 120hz, algo que espero se tornar comum ao longo da nova geração. Sempre bom informar que também não foram encontrados bugs ou crashes durante o período de análise. Entretanto, em uma nota menos positiva, não há suporte a português brasileiro.

O caminho e a chegada

Apesar de minhas frustrações iniciais, ao aterrissar de fato em Dunkle e prosseguir com a história, The Falconeer progressivamente passou a fazer sentido pra mim. Conforme realizei as missões subsequentes do jogo, aprendi a controlar melhor meu falcão, parei de me preocupar tanto com a energia e com os controles, e passei a aproveitar melhor os belos cenários com seus excertos de narrativa aqui e ali, me divertindo bastante no processo.

Como dito anteriormente, The Great Ursee é um grande mundo aberto, o que significa que tão logo se está livre do raso tutorial, é possível explorar os arredores. E descobrir santuários, ilhas e mercadores é tão satisfatório aqui quanto em outros grandes jogos do gênero, especialmente pela liberdade inerente ao ato de voar. Até mesmo o combate, que no início é apresentado de modo confuso, passou a ser um dos pontos altos do título pra mim. 

Assim sendo, temos em The Falconeer um daqueles casos em que os aspectos positivos são muito mais numerosos que as eventuais faltas, facilmente ignoradas caso se possua apreço pela proposta. Na vida real, pássaros aprendem a voar caindo e tentando novamente até que o processo logo se torne natural. Talvez a curva de aprendizado aqui demande um esforço inicial comparável, mas a boa notícia é que esta é uma aventura que merece ser experimentada, nem que seja no modo fácil. Recomendado.

Prós

  • Narrativa interessante, contada através de capítulos interligados e excertos opcionais;
  • Jogabilidade divertida;
  • Direção de arte destacada e gráficos impecáveis;
  • Os combates são frenéticos e empolgantes;
  • A presença de níveis de dificuldade assegura que a experiência possa ser vivida por jogadores menos experientes;
  • O modo foto pode gerar ótimos papéis de parede;
  • Otimização competente, no que tange à versão de PC.

Contras

  • Pode levar certo tempo para se acostumar com os controles;
  • O tutorial não é claro no ensino de mecânicas;
  • Algumas atividades podem se tornar repetitivas depois de um tempo para alguns jogadores;
  • O mapa não possui sistema de marcações;
  • Sem suporte a português brasileiro.
 The Falconeer - PC/Xbox One/Xbox Series X - Nota: 8.0 
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Wired Productions

é bacharel em Produção Cultural pela UFF e estudante de Comunicação Social pela FSMA. Na infância, ganhou um Super Nintendo dos pais e, desde então, nunca mais deixou o mundo dos games. Ainda sonha em ser um Mestre Pokémon.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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