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Análise: Ring of Pain (PC/Switch) é um dungeon crawler impiedoso e desconcertante

Este título indie combina cartas, elementos de roguelike e uma ambientação macabra em uma experiência ágil e de desafio acentuado.

Ring of Pain
pega alguns dos conceitos muito utilizados ultimamente em títulos indie, como aspectos de roguelike e cartas, e os aplica em um dungeon crawler intrigante. As mecânicas principais são simples e ágeis, mas é necessário aprender suas várias nuances para sobreviver. Uma atmosfera tensa, repleta de elementos desconcertantes e vagos, em conjunto com a dificuldade alta (mas recompensadora), resultam em uma experiência estranhamente envolvente.

Preso em um calabouço sombrio

Você acorda em um local estranho e escuro que parece uma espécie de ninho, sem se lembrar como foi parar ali. Momentos depois, uma criatura-coruja bizarra aparece e diz que você deve seguir em frente para encontrar a verdade. Sem outra opção, o jeito é enfrentar monstros e desbravar o local.

Ring of Pain é um dungeon crawler em primeira pessoa por turnos em que cada andar é composto de cartas organizadas na forma de um anel. O objetivo é explorar o local em busca de uma saída e, para isso, precisamos lidar com inúmeros perigos, como monstros e armadilhas. Além de inimigos, há também equipamentos, poções e melhorias de atributos. As cartas só são reveladas quando elas chegam no centro da tela, mas seu verso dá uma dica de seu conteúdo.


Os andares são organizados como círculos e só podemos interagir diretamente com as duas cartas que estão no centro da tela. O cartão desaparece após a conclusão do seu evento (como combate ou escolha de tesouros) e, após isso, o calabouço se reorganiza, ou seja, o estágio diminui conforme o exploramos. É possível se mover lateralmente pelo anel, porém monstros podem atacar ao tentar fazer essa ação — atributos como furtividade e defesa ajudam a evitar o dano. O resultado de cada movimento é explicitado na interface, o que permite fazer escolhas conscientes.

Pelo caminho, encontramos equipamentos que alteram atributos, como vida, força ou defesa. Alguns itens também apresentam características especiais: uma faca é capaz de envenenar inimigos; um escudo protege de explosões, mas diminui a chance de esquiva; uma máscara bizarra aumenta a potência das poções; uma armadura de vidro lança um raio em um monstro aleatório quando levamos dano. A variedade de equipamentos é grande, possibilitando a montagem de combinações que permitem diferentes abordagens.


O ninho estranho está repleto de monstros, logo a morte é praticamente inevitável. Ring of Pain é um roguelike, ou seja, ao sermos derrotados perdemos todos os itens e atributos e precisamos recomeçar a jornada desde o início. Como é de praxe, as rotas e equipamentos mudam, fazendo com que cada partida seja uma experiência única. Cumprir tarefas, como derrotar inimigos de maneiras específicas ou ou alcançar certos locais, desbloqueia cartas que podem aparecer em partidas futuras.

Uma simplicidade repleta de complicações e variedade

Ring of Pain me conquistou com sua interpretação única de um dungeon crawler. Os conceitos básicos e os comandos são bastante simples, mas há grande complexidade em seus vários sistemas. Toda a ação acontece por turnos, porém o ritmo é ágil por causa dos andares de tamanho reduzido, e uma partida média dura por volta de 20 minutos (isso se você conseguir chegar longe).

Explorar os anéis repletos de perigos é uma experiência que mistura estratégia, RPG e puzzle com algumas pitadas de imprevisibilidade. A jornada começa com alguns inimigos estáticos simples, mas rapidamente as coisas se complicam com monstros que andam pelo calabouço, estados negativos (como veneno), criaturas que nos perseguem e explodem, bestas que impedem o movimento lateral, e mais. A combinação de elementos traz constantes dilemas: sacrifico um pouco da minha vida para matar um inimigo e conseguir mais almas para obter equipamentos, ou é melhor arriscar passar furtivamente por um monstro em busca da saída? Saber quando atacar ou quando fugir é imprescindível para chegar longe.



O jogo provê várias ferramentas para permitir escolhas conscientes. A interface mostra com exatidão o resultado de cada ação, como vida perdida, dano infligido, próximos movimentos dos inimigos e possíveis estados negativos, assim como explicações de termos importantes. Já as saídas contam com um ícone que indica o próximo destino, logo é possível influenciar a rota da partida. Mesmo assim, há imprevisibilidade: boa parte das cartas estão ocultas quando entramos em um andar, logo é difícil saber que tipo de situação virá a seguir.

Tensão e vitória em um mundo bizarramente belo

Você vai precisar de todos esses recursos e mais um pouco pelas partidas: avançar de qualquer jeito em Ring of Pain é sinônimo de morte, pois a dificuldade é brutal e até mesmo um simples rato pode te matar com facilidade. É essencial pensar cuidadosamente como equilibrar os equipamentos e atributos, assim como escolher uma tática para lidar com os perigos — é muito difícil ter um herói balanceado capaz de resolver qualquer situação, normalmente é melhor se focar em algumas poucas características.

No começo eu morri bastante ao ser encurralado por inimigos poderosos enquanto tinha pouca vida, já em outras vezes fui derrotado por ter feito escolhas ruins de equipamentos. Com o tempo fui entendendo as nuances, consegui fazer escolhas mais conscientes e, consequentemente, cheguei mais longe. A dificuldade é implacável, mas é bastante recompensador conseguir montar uma combinação de equipamentos com habilidades notáveis. A derrota é frustrante, porém, mesmo assim, continuei tentando novamente.


Um ponto notável é a ambientação Ring of Pain. Em nenhum momento é abordada de forma clara a motivação do protagonista — a única instrução é “mate e sobreviva”. Pelo caminho, uma criatura-coruja de olhar assustador e uma massa negra disforme dão dicas do que está acontecendo, mas sempre de forma vaga, com falas rimadas (que estão em português brasileiro). Além do texto críptico, uma criatura tira o crédito da outra, e no fim não sabemos muito bem quem está falando a verdade. É um pouco confuso e ambíguo, mas é também instigante.

A sensação bizarra é reforçada pelo audiovisual. Os cenários são simples, mas claustrofóbicos; leves distorções de cor trazem um ar de estranheza constante; os monstros são ao mesmo tempo belos e grotescos, e até mesmo as criaturas mais normais têm um toque de excêntrico; a trilha sonora soturna e com sons esquisitos evoca momentos de tensão. A ambientação é bem acertada e fiquei hipnotizado pela estranheza desse mundo desconcertante. 
 


Dor e complicações

Ring of Pain deixa claro desde o início que é um jogo difícil e impiedoso, porém são oferecidas ferramentas e opções para enfrentar os desafios de forma justa. Mesmo assim, o dungeon crawler tem algumas arestas que me incomodaram.

Para começar, o jogo tem curva de dificuldade acentuada e com vários picos aleatórios. As primeiras fases são bem tranquilas, aí de repente monstros muito poderosos aparecem, deixando as coisas bastante complicadas. Além disso, o espaço para se recuperar de deslizes é bem restrito e muitas vezes basta um simples erro para ser derrotado, às vezes até mesmo na primeira sala.  


Elementos aleatórios também influenciam bastante o andamento das partidas a ponto de atrapalhar. Em muitas das minhas tentativas, eu tive uma jornada condenada por causa da presença de inúmeros itens fracos e poucos itens de aumento de atributos. Já em outras eu até estava bem equipado, mas topei com alguma configuração ruim de calabouço, o que resultou no meu fim. Com o tempo e com muitas derrotas você aprende como lidar com os desafios e possibilidades, mas não deixa de ser frustrante a influência da sorte.

Por fim, o conteúdo se mostra de pouca variedade a longo prazo. Depois de muitas partidas você vai ter visto boa parte dos inimigos, salas e cartas, o que pode trazer uma sensação de repetição. Opções ajudam a amenizar essa questão, como dificuldades adicionais que alteram sensivelmente a seleção de monstros e a modalidade Masmorra Diária, que oferece desafios com regras distintas disponíveis por tempo limitado. Felizmente os desenvolvedores prometem que mais conteúdo será adicionado no futuro.
 


Tenso e envolvente

Ring of Pain consegue proporcionar uma experiência única de exploração de calabouços ao combinar cartas, RPG e roguelike. É empolgante explorar pequenos andares na forma de anéis, principalmente por causa das várias situações que evocam puzzles, posicionamento e estratégia. As mecânicas básicas são simples, porém há várias nuances e possibilidades para dominar, o que incentiva a experimentação constante. Muitos recursos permitem lidar com a dificuldade brutal, mas algumas inconsistências atrapalham um pouco as partidas. A ambientação macabra e desconcertante é acertada, trazendo uma atmosfera de tensão e estranheza o tempo todo. No mais, Ring of Pain é para aqueles que buscam um bom desafio — continuo tentando entender seu universo críptico, mesmo que isso exija morrer bastante.

Prós

  • Mecânicas principais que combinam cartas, RPG, dungeon crawling e roguelike em situações interessantes;
  • Conceito base fácil de entender, mas com nuances difíceis de dominar;
  • Partidas ágeis que duram poucos minutos;
  • Ótima ambientação macabra criada por belas ilustrações 2D, música tensa e texto críptico em português.

Contras

  • Curva de dificuldade acentuada e com picos estranhos;
  • Elementos aleatórios têm forte impacto nas partidas;
  • Variedade de conteúdo limitada, principalmente a longo prazo.
Ring of Pain — PC/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: José Carlos Alves
Análise produzida com cópia digital cedida pela Humble Games

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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