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Análise: Ikenfell (Multi) é um charmoso e mágico RPG com ares retrô

Personagens carismáticos, um bom sistema de batalha e ótima ambientação audiovisual são os destaques deste RPG que escorrega em alguns aspectos.


Em Ikenfell exploramos uma escola de magia em um RPG conservador e inspirado em títulos clássicos. A exploração é básica, já o combate se destaca ao apresentar elementos de posicionamento e comandos de ação. Além disso, uma trama envolvente, personagens carismáticos e ambientação bem construída nos convidam a acompanhar a jornada até o fim. A despeito de alguns problemas de balanceamento e alguns conceitos simples demais, Ikenfell oferece uma experiência divertida.

Desvendando mistérios em um universo mágico

Safina é uma estudante em Ikenfell, uma prestigiada escola de magia. Estranhamente, a garota não volta pra casa nas férias, logo sua irmã Maritte, que não tem poderes mágicos, decide ir até a instituição para descobrir o que houve. Chegando lá, misteriosamente Maritte adquire poderes de fogo e descobre que Ikenfell está sendo assolada por inúmeros eventos estranhos. Para piorar, tudo indica que tais acontecimentos têm envolvimento com o sumiço de Safina. Com a ajuda de outros estudantes, Maritte vai procurar o paradeiro da irmã enquanto investiga a origem de seus poderes e a fonte do caos espalhado pela escola.

A premissa de Ikenfell é simples, mas o desenvolvimento da trama e dos personagens é cativante. Assim como a protagonista, vamos descobrindo aos poucos como funciona o mundo mágico da escola e é deslumbrante conhecer a mitologia do local (mesmo que alguns aspectos sejam clichês). A ambientação é acertada com um universo bem construído, enquanto o visual tem certo charme com seu pixel art que lembra um título de Game Boy Color — os cenários apresentam vários detalhes mesmo com a resolução propositalmente reduzida dos elementos. A trilha sonora suave, que foi produzida pelos artistas responsáveis pela música da série Steven Universe, combina violão, piano e chiptune, trazendo um ar retrô-moderno ao jogo.


Os personagens se destacam com seus dilemas e personalidades verossímeis. Maritte precisa lidar com seus novos poderes ao mesmo tempo que descobre informações desconcertantes sobre sua irmã; Petronella é uma garota chorosa que aos poucos se torna corajosa; Pertisia não gosta da irmã de Maritte, mas relutantemente se junta ao grupo e muda de opinião; Gilda é uma estudante insegura que subitamente recebe muito poder e tenta se provar melhor que todos (e falha constantemente). A mais curiosa é Safina, a impulsiva irmã desaparecida: a conhecemos por diferentes pontos de vista em memórias, o que a torna uma personagem complexa.

O grupo de heróis é diverso e desajustado, e gostei de acompanhar sua evolução pela aventura. Inúmeros temas contemporâneos são explorados no jogo, como insegurança, a dor da perda, traição, superação de traumas, a força que vem de laços de amizade e muito mais. Às vezes as cenas não interativas se arrastam e alguns personagens não são desenvolvidos o suficiente, mas não deixa de ser interessante.
 

Progressão inspirada no passado

Estruturalmente, Ikenfell é um RPG nos moldes clássicos. Em cada um dos oito capítulos do jogo, o grupo de heróis explora diferentes locais da escola (como a biblioteca, os dormitórios, o grande salão e o laboratório de alquimia), que funcionam como pequenos calabouços com inimigos, puzzles e segredos. Os desafios que aparecem pelo caminho, no geral, são simples, como empurrar caixas para cima de botões no chão, manipular alavancas para criar caminhos e encontrar chaves para abrir portas.

O andamento é estritamente linear e direto, com indicação explícita do próximo passo, mas há um pouco de conteúdo opcional que incentiva a exploração, mesmo que as recompensas e tarefas não sejam lá muito interessantes. É uma fórmula que funciona, mas achei um pouco conservador demais: o jogo se resume a explorar masmorras, e o mundo é meio vazio, quase uma escola-fantasma. Acredito que mais missões opcionais e NPCs ajudariam a tornar o mundo mais rico.
 


Estratégia e toques de ação em duelos táticos

Os pequenos feiticeiros enfrentam os inimigos em um combate tático por turnos, que combina diferentes aspectos consagrados. O campo de batalha é dividido em uma grade retangular, o que exige mover os personagens durante os turnos para poder executar os ataques. É possível executar a maioria dos feitiços livremente, pois não há custo nem pontos de magia, mas cada habilidade tem requerimentos de posicionamento e alcance: um círculo flamejante golpeia inimigos próximos, um ataque com páginas de livros acerta um padrão em x, uma poção venenosa afeta uma grande área distante, e assim por diante. Aliados também podem ser acertados, logo é importante ficar atento.

O sistema de combate conta também com uma mecânica de apertar botões na hora certa para melhorar o efeito de ataques ou reduzir o dano recebido. Cada movimento tem uma janela diferente para o comando, sendo assim, precisamos prestar muita atenção para executá-lo corretamente. Dominar esse recurso é essencial: errar significa receber grande quantidade de dano ou não conseguir ativar efeitos especiais dos feitiços. O jogo conta com opções de acessibilidade que permitem ajustar o tempo de resposta ou até mesmo vencer instantaneamente o combate.
 

A variedade da magia e os seus defeitos

Os embates de Ikenfell me divertiram com seus elementos de posicionamento e de ação em tempo real. Ele exige pensar a movimentação dos personagens com cuidado e também agir com destreza na hora de atacar e defender. Heróis com especialidades diferentes trazem diversidade: Petronella lança fórmulas alquímicas à distância para envenenar oponentes e curar aliados; Ima usa um pincel mágico para desenhar espadas, lanças e mísseis; Rook consegue criar armadilhas, além de usar livros como arma; Pertisia é capaz de mover inimigos e aumentar a defesa dos aliados.

Infelizmente, o sistema de batalha tem algumas escolhas duvidosas. Para começar, as mecânicas de apertar botões no momento exato são punitivas demais. Ao atacar, errar o comando do feitiço faz com que o dano infligido seja mínimo e impede que efeitos adicionais (como veneno) sejam aplicados. Já na hora de defender, cometer erros faz com que o dano recebido seja massivo, às vezes chegando a 40% da vida do personagem. Eu entendo que essa é uma escolha de design para deixar desafiadores os confrontos, o problema é que muitos dos movimentos são bastante rápidos e contam com animações difíceis de entender, o que torna difícil saber quando é a hora de apertar o botão, e a janela para fazer a melhor classificação é curta e inconsistente. Para piorar, não há uma opção de treino ou ao menos uma descrição básica dos comandos de cada feitiço.


Por causa desses problemas, até uma batalha básica pode se arrastar por um longo tempo, e, como a variedade de inimigos é reduzida, estes encontros ficam meio repetitivos. O resultado é um combate difícil, às vezes frustrante, pelos motivos errados. As opções de acessibilidade ajudam a amenizar os problemas dos embates, até mesmo tornando-os triviais. São boas opções para tentar agradar diferentes tipos de jogadores, mas, particularmente, preferiria que esses aspectos fossem balanceados a ponto de não existir a necessidade de tais opções.

Uma aventura simples e cativante

Ikenfell é um RPG que envolve com seu carisma. A jornada do grupo de estudantes de magia é pontuada por ótimos momentos de história e bom desenvolvimento de personagens, e a atmosfera retrô dá um charme único ao seu universo. Estruturalmente, o jogo apresenta conceitos de exploração clássicos e um combate tático interessante — misturar posicionamento e comandos de ação foi bem acertado. No entanto, o título é comprometido por aspectos conservadores e por questões de balanceamento que podem deixar as coisas frustrantes. No fim, Ikenfell é uma experiência agradável, mesmo não sendo muito especial.

Prós

  • Ambientação, história e personagens cativantes;
  • Sistema de combate criativo que mistura posicionamento e elementos de ação, com muitos feitiços de efeitos variados;
  • Visual retrô charmoso e ótima trilha sonora;
  • Presença de opções para facilitar o combate torna o jogo acessível.

Contras

  • Estrutura extremamente básica e linear da aventura deixa a exploração um pouco desinteressante;
  • Sistema de atacar ou defender com a ajuda de comandos de ação é bastante punitivo e mal balanceado;
  • Muitas das batalhas são repetitivas e levam tempo demais para serem concluídas.
Ikenfell — PC/PS4/XBO/Switch — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital cedida pela Humble Games

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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