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Análise: Cloudpunk (Multi) entrega uma imersiva atmosfera futurista em um pacote frágil

Realize entregas e descubra os segredos de uma cidade assombrada pela tecnologia e pela desigualdade.

Lançado originalmente para PC e recentemente para PlayStation 4, Xbox One e Nintendo Switch, Cloudpunk é um jogo com estética cyberpunk baseado em histórias que foi desenvolvido pela ION Lands e publicado pela Merge Games. O título mescla elementos em pixel art com o estilo visual 3D para mostrar uma distopia intrigante ambientada em uma metrópole chuvosa, cheia de neon e com uma variedade de personagens, incluindo androides, inteligências artificiais e humanos inescrupulosos.

Imersão cyberpunk

Cloudpunk apresenta uma atmosfera cyberpunk imprevisível que evoca inúmeras sensações no jogador. Mesmo que você nunca tenha assistido Blade Runner, com certeza se apaixonará por Nivalis, uma metrópole complexa e deslumbrante de se olhar repleta de letreiros em neon, outdoors em movimento e carros voadores indo de um lado para o outro entre os edifícios. É tudo muito lindo visualmente e fazer parte dessas áreas fascinantes dirigindo um carro e entregando pacotes é uma experiência um tanto quanto instigante.

Visualmente o título conta com um estilo de arte 3D e de pixel art, muito semelhante aos gráficos de Minecraft (Multi), mas com uma pegada noir. Você pode explorar as áreas da cidade a pé ou se deslocando no ar com um carro, mas tudo é sempre muito imersivo e contemplativo. No chão haverá pedestres circulando, vendedores ambulantes, membros de gangues, boates efervescentes e muitos outros elementos interessantes. Já no céu, dirigíveis publicitários, trens passando por trilhos suspensos e por aí vai.

A trilha e os efeitos sonos mesclam sonoridades de música eletrônica com dance alternativo. Durante suas viagens por Nivalis, você vai ouvir o rádio, o tráfego, o barulho interminável da chuva e as vozes ecoando dos outdoors, criando uma paisagem sonora extraordinária. O resultado disso é uma experiência atmosférica absolutamente sensitiva.

Uma noite em Nivalis

Nivalis é uma metrópole futurista marcada pela evolução tecnológica acelerada que alterou todo um sistema e criou um novo estilo de vida para a população. Neste mundo pós-contemporâneo, os androides receberam os mesmos direitos que os seres humanos, enquanto as corporações mais ricas dominaram toda a sociedade e decidiram substituir a mão de obra humana por inteligências artificiais, resultando em um declínio social assustador. As pessoas que sobraram tiveram que se adaptar; excluindo os executivos de alto escalão e as celebridades, a maioria foi trabalhar no vazio da cidade, um lugar frio e com condições de vida muito abaixo da média.

O jogo se passa durante uma noite chuvosa e acompanha uma musicista da Península do Leste chamada Rania, que decidiu ir até a cidade grande em busca de oportunidades e dinheiro para conseguir quitar todas as suas dívidas. Para isso, ela se torna motorista de entregas de uma empresa semilegal chamada Cloudpunk, que tem como lema "nenhuma entrega é difícil demais, e ninguém é mais rápido que um motorista da Cloudpunk". Seu trabalho é simples: coletar pacotes, entregá-los e não fazer perguntas.

Na primeira e única noite de trabalho, Rania é empossada do HOVA, um carro voador equipado com um carismático assistente artificial chamado Camus, que nada mais é que um drive com as memórias de seu antigo cachorro de estimação. Enquanto ainda vivia na Península do Leste, Rania teve que vender o cãozinho para pagar dívidas, mas pôde transferir a memória dele para um dispositivo externo e mantê-lo consigo.

Durante as constantes viagens de Rania e Camus pela cidade, é fácil notar os sentimentos de união e de companheirismo entre eles. Mesmo que o bichinho não esteja mais em um corpo comum, a protagonista ainda tem um laço fraterno com a doce e amável criatura, talvez por já estar familiarizada com a exorbitante vida artificial à sua volta.

Além de Camus, Rania também vai encontrar outros personagens espalhados por Nivalis, desde pessoas normais até IAs e androides. Alguns serão ruins e complicados; outros contarão histórias tristes que vão mudar a concepção do jogador sobre muitas coisas.

Entregando pacotes e ouvindo histórias

A jogabilidade de Cloudpunk é dividida em dois modos principais: narrativa e exploração. O objetivo do jogador é viajar entre dois pontos de Nivalis para concluir diferentes tarefas, seja levando pacotes ou servindo como uma espécie de Uber. Conforme você faz entregas, encontrará uma variedade de personagens, incluindo hackers, proprietários de boates, detetives e policiais que muitas vezes precisam da sua ajuda - ou querem te matar. Temos, por exemplo, um detetive chamado Huxley, que envolve Rania em um trabalho quase suicida de investigar o desaparecimento de Pashta, uma menina com um implante cibernética na cabeça que traz segredos obscuros sobre seu pai.

Como qualquer jogo ou mídia com ambientação cyberpunk, uma série de assuntos pertinentes são tratado em cada uma de suas narrativas. Em Cloudpunk, são temas muito diversos como machismo estrutural, desigualdade social causada pela substituição de humanos por máquinas, dentre outros temas delicados, mas tratados de uma forma instigante. Também há uma história principal a seguir, em que Rania aprende mais sobre a Cloudpunk e a administração de Nivalis. À medida que esta campanha vai se desenvolvendo, novos indivíduos inusitados aparecem para oferecer trabalhos melhores à protagonista.

As histórias não são nada extraordinárias e o roteiro vago deixa a desejar em algumas delas, mas ainda assim elas conseguem mexer com a curiosidade do jogador, principalmente por conta de um breve sistema de escolhas morais acoplado ao jogo que muda o destino de alguns personagens. Em um dado momento da campanha, por exemplo, encontrei um cartão bancário no chão e tive que optar por devolvê-lo ao dono ou ficar com o dinheiro; foi uma escolha difícil por conta da atual condição financeira de Rania, mas por outro lado havia questões éticas envolvidas. Infelizmente nesse caso, quando escolhi pegar o dinheiro da conta, nada aconteceu, tornando a experiência meio frustrante. Existem poucas dessas situações de escolhas e algumas delas pecam em não fornecer uma conclusão devida.

Cloudpunk se resume a ouvir uma história em um ponto A e em seguida levar encomendas ou pessoas até um ponto B com a ajuda de seu HOVA. Transitar entre os diferentes pontos da cidade é empolgante enquanto vemos as janelas iluminadas dos prédios, mas depois de um tempo toda a magia é ofuscada.

A jogabilidade do título é, na maior parte do tempo, repetitiva, limitada e pouco desafiador. Até existem postos de combustível e centros de reparos de veículos especializados para você interagir e comprar peças, mas ainda assim é decepcionante não ter nenhum diferencial como opções de customizações externas ou semelhantes. É uma experiência de exploração que só serve para visualizarmos a excelente estética cyberpunk e nada mais, pois se concentra somente em andar entre dois pontos do mapa.

A exploração em terra firme também não empolga como deveria. Você pode conversar com pessoas, comprar comida e coletar chips ou objetos perdidos, mas dificilmente eles têm alguma utilidade depois. A única coisa que você pode fazer é customizar seu apartamento com objetos que foram desenhados para aparecer em lugares pré-definidos da moradia, além de recolher cartões perfurados espalhados por Nivalis e levá-los para uma mulher.

Ainda que você se instigue com algumas narrativas, a falta de dublagem em português também incomoda durante o vôo, pois você precisa ficar de olho no ambiente que está à sua volta enquanto dirige, ao mesmo tempo que precisa ler as legendas, caso não saiba inglês. O principal desafio é permanecer ativo no game por conta da jogabilidade, e tudo se torna ainda mais frustrante com as inúmeras telas de carregamento presentes.

Nivalis é dividida em vários distritos, como Little China, Ala do Cadafalso, Ochuba, Caledon e Avalon, e para transitar entre eles é preciso atravessar essas zonas que carregam separadamente. Cada tarefa exige que você passa por ao menos uma delas, que leva em torno de dez a quinze segundos para carregar. Levei em torno de doze horas para finalizar a campanha, mas posso adiantar que boa parte dela foi em telas de carregamento.

O túnel a frente é uma das muitas zonas de carregamento do jogo.
Depois de ultrapassar essas zonas, outro problema frequente acontece: travamentos indesejados. O controle fica totalmente maluco e para de responder por alguns segundos. Nesse meio tempo vários HOVAs atingem o seu veículo, causando danos e jogando ele para longe da estrada principal. No PlayStation 4 também houve momentos em que o jogo parava de funcionar e era necessário reiniciar toda a fase do zero.

Muitos jogadores vão acabar desistindo no meio da experiência por conta da jogabilidade nada amigável, que acaba transformando a excelente atmosfera inicial em algo completamente cansativo. Se você conseguir manter a paciência e chegar ao final do jogo, terá uma bela surpresa com muitos segredos revelados, mas ainda assim nada tão exuberante.

Um frágil pacote jogável

Cloudpunk é sensitivamente impecável e apresenta uma imersiva atmosfera futurista com visuais e paisagens sonoras de alta qualidade, desenhadas exclusivamente para encantar os olhos e os ouvidos dos jogadores. É um título com foco em exploração e narrativa com algumas histórias instigantes e outras tristes, quase como um autorretrato da nossa própria realidade, onde os personagens são vítimas da desigualdade de um sistema corrompido por organizações mais ricas. É uma pena que boa parte disso se perde em uma estrutura jogável frágil, onde a repetição e as inúmeras telas de carregamento corrompem o pacote completo, resultando somente em uma jornada exaustiva e pouco desafiadora.

Prós

  • Impressionante atmosfera cyberpunk em pixel art;
  • Trilha e efeitos sonoros excelentes;
  • Histórias instigantes com escolhas morais;
  • Protagonista e personagens secundários carismáticos.

Contras

  • Inúmeras telas de carregamento e travamentos indesejados;
  • Jogabilidade repetitiva, limitada e pouco desafiadora;
  • Poucas opções de escolhas narrativas e roteiro vago em alguns pontos;
  • Ausência de dublagem em português.
Cloudpunk - PC/PS4/XBO/Switch - Nota: 6.0
Versão utilizada para análise: PS4

Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Merge Games

é entusiasta e apreciador de jogos com conceito artístico minimalista e narrativas de significado profundo. Acredita na potencialidade de cada experiência interativa e tenta extrair delas sentimentos humanos e existenciais. No GameBlast também escreve notícias, análises e especiais; no tempo livre produz roteiros autorais de séries e filmes. Criatividade, imaginação e curiosidade são algumas de suas características marcantes.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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