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Análise: Void Bastards (Multi) abusa da repetição, mas é uma ótima experiência roguelite

Dos criadores de BioShock e System Shock 2, o shooter com elementos de roguelike agora também está disponível para outras plataformas além de PC e Xbox One.

Jogos de tiro em primeira pessoa costumam ser sempre mais do mesmo. Indo além do clichê de mirar e atirar, Void Bastards traz interessantes elementos de roguelike em sua experiência, algo que pode espantar quem já é um veterano de longa data do gênero FPS. Aqui, o menos recomendado é justamente “partir pra cima”, dando foco para a exploração, a estratégia e elementos de sobrevivência para o jogador, pelo menos até que morra e seja substituído pelo próximo cliente.

A Nebulosa Sargasso

Em Void Bastards temos objetivos bem simples, pelo menos na conversa. Uma nave prisional quebrou e, sob o controle de cada um dos detentos, devemos coletar peças para criar equipamentos específicos para progredir na narrativa, enquanto atravessamos a conturbada Nebulosa Sargasso, um local recheado de fragatas espaciais abandonadas e infestadas de seres nascidos das estranhas energias de Sargasso, desde piratas a baleias gigantescas que podem engolir naves espaciais sem nenhuma dificuldade.


Na pele de prisioneiros condenados por crimes cruéis e hediondos, como não pagar impostos, esquecer de baixar a tampa da privada ou pisar na grama, somos constantemente desafiados enquanto exploramos naves espaciais flutuando a esmo pela imprevisível Nebulosa Sargasso, em busca de itens-chaves em nossa exploração para criação e melhoria de equipamentos que nos auxiliarão nesta verdadeira jornada suicida, perigosa e cheia de piadas com um humor ímpar e sarcástico que aliviarão sua tensão depois de quase morrer, de novo.

Somando-se isso a uma direção de arte caprichada, que apresenta o game com um visual que remete muito a histórias em quadrinhos, e um design de som igualmente bem feito, só aí já temos dois ótimos motivos para assumir a missão dos detentos da Arca do Vazio.

Tente outra vez, mas não desista

O jogador controla um prisioneiro por vez. Sempre que um morre, ele é imediatamente substituído por um novo detento. Cada um possui características únicas, herdadas de forma aleatória, que influenciam diretamente a jogabilidade. Como exemplo, temos os “fumantes”, que tossem em momentos aleatórios fazendo com que os inimigos os encontrem mesmo quando estiverem escondidos; os “pés ligeiros”, que permitem que a corrida seja mais veloz; os “altos demais”, com dificuldades de autorizar equipamentos eletrônicos, e até “esquizofrênicos”, que ouvem vozes aleatórias durante a missão, além de outras particularidades de cada novo detento.


Como mencionei, fugindo do principal aspecto do tiro em primeira pessoa, atacar em Void Bastards é a última opção. As munições costumam ser escassas e durante a progressão na exploração das naves abandonadas na nebulosa os inimigos se fortalecem a tal ponto em que gastar balas contra os mais variados e exóticos deles pode ser inútil. Sua missão não é lutar. A prioridade é encontrar componentes para construir os equipamentos necessários para concluir a missão e, paralelamente a isso, criar e aprimorar itens para facilitar, ou melhor dizendo, dificultar menos sua investida nas naves. As etapas iniciais do game podem muito bem enganar o jogador desavisado, fazendo com que ele “caia matando” todo mundo à sua frente. Isso é um erro. Avançando um pouco mais no jogo faz com que os inimigos se tornem cada vez mais trabalhosos para serem derrotados.


Armamentos, armadilhas, coletes que aumentam seus pontos de vida e acessórios que expandem o seu tempo de oxigênio são alguns dos vários equipamentos que auxiliam o jogador na exploração pela nebulosa. Se sentir necessidade de algum em específico, ao criar o rastreador é possível seguir diretamente locais com as peças necessárias para o equipamento que deseja criar com mais urgência. Além disso, alguns compartimentos necessitam ser pagos com “Méritos”, o dinheiro do jogo, para destrancá-los. Estes são uma garantia de obter itens mais valiosos de uma maneira mais rápida, então é sempre bom manter alguns trocados no bolso.

Durante as abordagens às naves, peças para construção de novos equipamentos são coletadas e usadas para criação e aprimoramento destes pelos detentos. Quando o jogador morre durante a investida, todo o equipamento construído pelo detento é herdado pelo próximo juntamente com um pacote básico de sobrevivência contendo algumas unidades de comida, combustível e peças para que possa, pelo menos, progredir minimamente no jogo. Eis a importância de ter um certo foco sobre o que pretende buscar em cada investida, pois o combustível e a comida disponível para a viagem é escasso e cada abordagem tem que realmente valer a pena.


Além de sua munição e habilidades, de certo modo regradas pelo jogo, outro fator que o jogador deve prestar atenção é o oxigênio. Algumas das naves fazem com que o consumo seja elevado, ou simplesmente reduza drasticamente a quantidade inicialmente disponível na investida. Não há um limite de quantas vezes o jogador pode morrer, mas nunca se sabe que particularidades o próximo detento pode ter e o quanto isso vai alterar o planejamento do jogador no progresso em Void Bastards.

Navegando pela nebulosa

A Nebulosa Sargasso está repleta de naves abandonadas, cada uma com suas características fundamentais, garantindo que sejam encontradas unidades de combustível, comida, munições, dinheiro, estações de cura e aprimoramentos, respectivamente. Há também as específicas para compra de itens. Além disso, ainda na tela de mapa, é possível checar que particularidades há em cada módulo antes de invadi-lo: os tipos e quantidades de inimigos e de itens disponíveis e, se naquele módulo em específico há algum item de missão ou peça para construção ou aprimoramento de equipamento.


O jogador precisa constantemente estar atento ao quanto de combustível e comida possui. Cada trecho consome uma unidade de cada recurso e ficar sem um deles é um problema sério. Ao tentar avançar um trecho sem combustível, a nave flutua por 5 dias e, consequentemente, cinco unidades de comida são consumidas nesse tempo. Já ao tentar avançar um trecho sem comida faz com que o jogador perca vida, pois a viagem dura um dia e o detento vai ficar com fome durante o trajeto. Some as penalidades das duas ocasiões e você já sabe o que acontece ao tentar avançar um trecho sem combustível e sem comida.


Outros elementos externos existentes no mapa também afetam o planejamento do jogador pela nebulosa. Piratas espaciais podem aportar nas naves e cruzar o caminho deles é uma péssima ideia, pois são muito resistentes e altamente ofensivos. Unidades de comida, combustível e materiais ou munições também podem ser coletados, flutuando a esmo pelo espaço, fornecendo uma ajuda extra ao jogador. Baleias gigantes e corpos celestes são um problema, pois podem causar a morte instantânea do jogador ou danos severos de forma imediata. Buracos de minhoca transportam a nave para um local aleatório no mapa, podendo ajudar ou não na viagem.


As investidas nas naves depois de um tempo passam uma sensação estranha ao jogador, pois se mostram muito repetitivas, principalmente por conta da reciclagem dos cenários. Digo isso pois por mais de uma vez eu andei por elas com a sensação de “mas eu já passei por aqui antes”. E realmente, todas são bem semelhantes, diferindo no tipo de inimigos contidos nelas, a disposição dos principais itens e presença ou não de armadilhas, como cabos de eletricidade, pequenos incêndios e pontos de vazamento de radiação que causam dano.

A exploração é altamente favorecida pela direção de arte e o som. A temática de história em quadrinhos possibilita que o jogador se aproveite disso nos momentos em que precisa se esgueirar para avançar na incursão. Onomatopeias são exibidas na tela, facilitando a indicação do que ou até que tipo de inimigo está na próxima sala, dando a chance de elaborar uma estratégia para avançar. Jogar com fones de ouvido aumenta ainda mais a imersão devido o excelente trabalho de design de som do game realizado com o áudio do ambiente. As mensagens de aviso passam a impressão de que você realmente está usando o capacete do traje espacial e, os avisos sonoros da nave são melhor compreendidos também.



Ainda há casos curiosos, como o que aconteceu comigo durante uma das sessões de jogo para esta análise, e a sorte é a protagonista. Podem surgir casos em que você já está no limite dos seus recursos e, ao investir para coletar o último item-chave de uma etapa, você pode ser agraciado com a descoberta dele pouco depois de entrar na nave, permitindo que você não precise mais ficar lá, podendo retornar à sua nave. Mas também há casos em que pode simplesmente adentrar em um módulo sem inimigos, pelo menos inicialmente, e revirar tudo para encontrar o que foi procurar e ainda se dar mal, perdendo parte do seu progresso.

Uma dica de ouro para esse jogo é: você não precisa entrar em todas as naves. Entre somente nas que precisar ou nas mandatórias, que são as que possuem os itens-chaves da missão. Tente ir direto para o setor de manche, onde você baixa os dados do mapa e encontra com mais facilidade o principal item no local. Entrar em todas as naves, lutar contra todos os inimigos, explorar até o último canto de cada nave não é impossível, mas há ocasiões em que isso é insustentável, principalmente aos jogadores que optarem em se aventurar com o nível de dificuldade elevado. Foco na missão, cara! Improvisar também é uma alternativa muito válida.

O importante é sobreviver, e se divertir

Void Bastards tem muitos méritos, apesar de pecar em um ou outro aspecto. É um título excelente para quem curte um bom roguelike. Quem é mais adepto da ação característica de outros FPS pode se decepcionar um pouco, pois o foco aqui é maior na estratégia e gestão de itens que garantem a sobrevivência do jogador por mais tempo com um único personagem.


Apesar dos aspectos repetitivos, como a similaridade dos cenários e os elementos de exploração, o título pode ser pouco convidativo para jogadores do gênero que não estão familiarizados com o nível de desafio proporcionado por um roguelike. Já aos adeptos, é uma ótima adição ao gênero e vai render boas horas de jogo, somando a campanha principal com os desafios extras liberados após finalizar o game.

Além disso é bem humorado, com uma apresentação muito interessante e um fator replay alto. É um título que vai render bastante na mão de quem curte um desafio, que ao ser elevado no menu de opções do jogo, o torna um jogo deveras formidável.

Prós

  • Direção de arte excelente, apresentando carisma e personalidade;
  • Narrativa simples e bem-humorada;
  • Design de som caprichado, possibilitando uma ótima imersão ao jogar com fones de ouvido;
  • Elementos de roguelite bem explorados e executados dentro do gênero FPS;
  • Liberdade de improvisação em muitos momentos;
  • Ótima localização para o idioma português brasileiro.

Contras

  • Muita repetição de cenários;
  • Sorte é um fator que pode ser determinante;
  • Sem customização de controles.
Void Bastards – PC/PS4/Xbox One/Switch – Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PS4
Análise feita com cópia digital cedida pela Humble Bundle
Revisão: Thiago Monte

Fã de Castlevania, Tetris e jogos de tabuleiro. Entusiasta da era 16-bit e joga PlayStation 2 até hoje. Jogador casual de muitos e hardcore em poucos. Nas redes sociais é conhecido como @XelaoHerege
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