Discussão

O RPG Japonês está saturado?

Um debate sobre um dos gêneros de videogames mais populares na Terra do Sol Nascente.


O RPG japonês ou JRPG é uma denominação que na sua própria etimologia consegue despertar o debate. Alguns defendem que para um jogo encaixar-se ao termo basta ser um RPG criado no Japão, nada mais que isso. Entretanto, outro grupo também bastante vocal defende que existem características não relacionadas meramente ao país de origem que são essenciais para a classificação desses jogos, como uma estrutura narrativa mais linear, por exemplo. Neste artigo, ficaremos com a primeira definição para que possamos abordar um número maior de títulos.


Uma coleção de formas de se subir de nível

A princípio, vamos analisar a distribuição de subgêneros sob o ponto de vista de seus respectivos sistemas de combate. Na atual conjuntura, temos um equilíbrio satisfatório dos RPGs de turno e de ação, contando tanto com títulos de maior investimento e que apelam ao mainstream, quanto de séries um pouco mais obscuras. Exemplos recentes de RPGs de turno que receberam maior atenção pelo público geral nesta geração são Persona 5, Dragon Quest XI: Echoes of an Elusive Age, Pokémon Sword & Shield, Octopath Traveler.


Já o RPG de ação teve títulos como NieR: Automata, Final Fantasy XV, Kingdom Hearts III e Tales of Berseria. Além disso, existem outros subgêneros com menos apelo ao mainstream, como os RPG táticos e os dungeon crawlers. Fire Emblem: Three Houses é um dos poucos títulos táticos que conseguiram atenção fora da comunidade, e pode servir como porta de entrada para outras empresas se arriscarem no futuro. 

O caso dos dungeon crawlers é mais delicado, no entanto. Talvez por serem muito assombrados pelo estigma de serem obsoletos, graças à grande maioria deles possuírem visão em primeira pessoa, estes jogos sobrevivem nas comunidades de nicho. 

Sendo desenvolvidos em sua maioria por estúdios pequenos, como a Experience, responsável por jogos como Ray Gigant e Demon Gaze, a Compile Heart, que produziu os títulos da série Mary Skelter e Genkai Tokki, dentre outras. Alguns exemplos um pouco mais famosos são a série Etrian Odyssey e os jogos da franquia Mystery Dungeon, esta última obtendo atenção graças aos crossovers que faz com franquias já consagradas no mercado, como Pokémon e Dragon Quest, de forma similar à franquia Warriors da Koei Tecmo.
À esquerda, temos Etrian Odyssey, e, à direita, Labyrinth of Refrain: Coven of Dusk.


Por isso, apesar de as grandes franquias permanecerem na liderança, o RPG japonês hoje em dia encontra-se bem variado, principalmente em comparação à geração passada. Além da própria variedade de subgêneros, cada título e franquia possui suas especificidades mecânicas, necessárias em um gênero que recebe tantos jogos anualmente.

Heróis levados à exaustão

A grande diversificação presente nos sistemas de combate que originam os subgêneros não é apresentada em dois aspectos importantíssimos, no entanto: narrativamente (desde personagens a recursos de escrita reutilizados à exaustão), e, principalmente, na ambientação.

Embora uma parte considerável dos títulos e franquias mantenham-se em suas respectivas zonas de conforto no quesito narrativa, regadas a padrões que frequentemente não passam de sua base arquetípica, ainda existem poucos estúdios dispostos a se arriscarem. A abordagem formulaica que as desenvolvedoras japonesas têm para suas séries pode ser sufocante, tendendo a gerar poucas inovações em áreas pouco exploradas nos RPGs, pois, para se apostar, muitos riscos financeiros estarão em jogo.
Dragon Quest é uma das séries que mais segue as suas tradições e fórmulas à risca.


Nesse mesmo sentido e, particularmente, não são poucas as vezes em que me pego jogando um JRPG que falhe em me surpreender na forma com que os acontecimentos ocorrem, seja no caminho óbvio que a narrativa principal toma, ou nas soluções previsíveis a conflitos internos de personagens, o que perde todo o impacto em seu estopim. Há aqui também a exposição do problema demográfico: o público-alvo da maioria esmagadora dos JRPGs é o infanto-juvenil, o que de uma forma ou de outra contribui para a recorrência de certos temas.

Explorando novos mundos, novamente

No entanto, isso não se apresenta como um problema, a grande questão de todo este artigo é a democratização do gênero: por que não trazer temas mais maduros? E, contrário ao senso comum, não me refiro a maduro como sexo e violência, mas sim temas associados a conflitos de toda a duração da vida adulta, em contraste com a narrativa focada em adolescentes, que estão com a sua personalidade em processo de moldagem.
Skies of Arcadia e Wild Arms foram os poucos JRPGs que seguiram os temas e ambientações em que acontecem.


Qual foi o último JRPG com temática pirata que você viu? Ou então, western? Cyberpunk? Temos alguns exemplos escassos de jogos inspirados no passado feudal japonês, como God Wars (que em si é um jogo de nicho, pois nenhuma desenvolvedora grande mostrou-se interessada nisso) e, até em cenários pós-apocalípticos, como as séries Megami Tensei e Nier. Entretanto, elas se encontram afogadas em um mar de jogos voltados para fantasia medieval, que sempre dominou o gênero. A única outra ambientação que consegue chegar perto de uma competição com a fantasia medieval é o modern/urban, muito devido ao recente sucesso mundial de Persona 5. Além disso, outros títulos foram tentando quebrar com esses paradigmas, como o recém-remasterizado Resonance of Fate, a série Disgaea com suas sátiras únicas, e também The World Ends With You.

A cultura de consumo dos japoneses

As empresas se manterem em suas respectivas zonas de conforto é um reflexo do público-alvo predominante no consumo de videogames, o infanto-juvenil. Além disso, há também a extensão deste fenômeno para outras mídias do país, como mangás e animes: os grandes sucessos se mantém nesta demografia. Por esta razão, é bastante certeira a direção que deve ser tomada ao se desenvolver um RPG Japonês hoje em dia, bastando-se ver o que está em alta com este público. Jovens heróis com espadas, dragões e superpoderes nunca saem de moda com a juventude japonesa, o que colabora para que o espaço para riscos se afunile, o que é ainda mais restrito para os videogames, considerando o maior valor envolvido em suas produções.

Nesse mesmo sentido, analisando por uma perspectiva mercadológica, há uma justificativa plausível para a manutenção dos mesmos temas, ambientações e tipos de personagem. É o popular, o que a maior parte do público pagante quer em um videogame. É o lógico a se fazer para não ter prejuízos.
Ys VIII: Lacrimosa of Dana.
Por isso, é admirável quando as desenvolvedoras japonesas, sejam elas grandes ou pequenas, tentam nadar contra a maré e apostar em alguma novidade, seja nas mecânicas, ambientação, design dos personagens, mesmo que tímida. Afinal, a progressão do gênero ficaria comprometida sem inovações com o passar dos anos.

Com base na minha experiência com a cultura do país, também suponho que essa predominância de jogos que não seguem a linha mais "madura" está diretamente ligada às condições de trabalho do Japão contemporâneo. Ter um trabalho exaustivo junto de horas excessivas dedicadas a ele diariamente é comum no Japão, chegando até ao ponto da exploração dos empregados. Por isso, ao se jogar videogames, algo associado a diversão e entretenimento, os adultos buscam algo simples, que remeta à sua infância e adolescência, e não algo que se passe em um ambiente moderno e contemporâneo como o de seu dia a dia. Busca-se, portanto, o entretenimento para escapismo.


Uma expansão feita pela metade

Com isso, em forma de síntese, chega-se ao ponto central de todo este texto, com o que busca-se gerar algum tipo de reflexão sobre o estado corrente do gênero. Girando em torno de uma falta de democratização e variedade no gênero, a palavra estagnação vem à tona. Não como um demérito qualitativo, mas sim como uma aparente prisão, que não permite um dos gêneros com maior número de títulos anuais no Japão sair desta predominância de temas e ambientações. 

Por isso, a melhor forma de se demonstrar que alguma mudança é desejada é apoiando títulos que ousam ser diferentes, vindo dos nichos que por muitas vezes são vistos com maus olhares. Mas, tudo isso, é claro, só será possível se o próprio público quiser se livrar desta estagnação. O RPG japonês se encontra hoje em uma dicotomia, em que a sua jogabilidade e mecânicas encontram-se com grandes transformações e novas ideias, enquanto seu aspecto narrativo e temático sofre para romper as barreiras e convenções.

Revisão: Thiago Monte

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google