Jogamos

Análise: MISTOVER (Multi) — tentando impedir o apocalipse em um difícil RPG dungeon crawler

Controle um grupo de heróis que precisam explorar calabouços repletos de perigos e monstros sob a pressão constante do fim iminente.


O fim do mundo está próximo e somente grupos de corajosos guerreiros são capazes de impedir esse terrível destino. MISTOVER usa essa premissa para criar um RPG e dungeon crawler que pega emprestado vários conceitos de outras séries, como Mystery Dungeon, Darkest Dungeon e até mesmo Etrian Odyssey. Seu maior destaque é a tensão constante: nossas ações durante as expedições podem adiantar ou atrasar o grande cataclismo. Ótima ambientação e mecânicas interessantes tornam o jogo atrativo, no entanto alguns aspectos muito punitivos podem trazer frustração até mesmo para os jogadores mais entusiastas.

Explorando a névoa para tentar impedir o apocalipse

Um dia, um estranho vórtex apareceu no mundo, e tal fenômeno trouxe consigo inúmeros monstros. Despreparada, a humanidade foi atacada e quase aniquilada, mas, por sorte, as criaturas desapareceram misteriosamente. Para piorar, profecias indicam que o vórtex é um prenúncio do fim do mundo. Para impedir que isso acontecesse no futuro, foi criado o Corps, um grupo de guerreiros responsável por investigar o vórtex a fim de encontrar uma maneira de destruí-lo. Essa é uma tarefa nada fácil: o local é uma espécie de porta para outras dimensões, que estão tomadas por uma névoa tóxica. Sem outra opção, guerreiros precisarão explorar essas regiões em busca de uma maneira para salvar a humanidade.


A jornada de MISTOVER é dividida em semanas e em cada uma delas precisamos explorar diferentes calabouços. Uma vez feitos os preparativos, é hora de explorar os calabouços com um grupo de até cinco heróis. Os mapas são gerados proceduralmente, o que significa que os perigos sempre estão em posições diferentes. Essas áreas são divididas em espaços e cada movimento consome um turno, ou seja, podemos planejar com cuidado cada passo.

A maior dificuldade dos calabouços é a visibilidade, pois a névoa deixa tudo escuro. Felizmente os heróis contam com uma flor que ilumina as proximidades, no entanto a intensidade da luz vai diminuindo conforme avançamos. Além disso, a movimentação também consome comida, e quando os suprimentos acabam os personagens perdem vida continuamente. Itens permitem recuperar a força da luz luminosa e a quantidade de suprimentos, porém eles são bem limitados.


Para ajudar na exploração, cada classe tem uma habilidade especial que pode ser ativada no mapa. A paladina, por exemplo, consegue destruir certos objetos sem perder vida. O ronin é capaz de se mover por vários espaços em um único turno. Já o grim reaper detecta itens próximos, e assim por diante. Saber utilizar essas técnicas é essencial, já que os calabouços estão repletos de obstáculos, armadilhas e monstros. O desafio, então, é conseguir executar os objetivos e encontrar a saída antes que a comida e a luz acabem.

Fora dos calabouços, administramos nossos recursos e heróis na cidade. A variedade de customização dos heróis é bem ampla e cada classe tem inúmeros ataques e habilidades para aprender. Equipamentos podem ser melhorados por meio de fusão e liberação de aspectos especiais. Atributos gerais, como quantidade máxima de comida e luz, podem ser melhorados em um laboratório. Esses elementos trazem a sensação de que sempre estamos evoluindo na aventura.


Por fim, precisamos ficar de olho no Doomsday Clock, um relógio que indica quando o fim do mundo vai acontecer. As ações que fazemos durante o jogo faz o ponteiro do dispositivo avançar ou retroceder. Perder personagens em combate, não explorar direito os calabouços, fugir de monstros e outras ações negativas tornam o fim mais próximo. Já atividades positivas, como derrotar chefes, resgatar pessoas e completar missões faz o ponteiro retroceder. É essencial ter um bom desempenho em MISTOVER, pois é fim de jogo quando o apocalipse chega: precisamos recomeçar desde o início caso esse evento se concretize.

A estratégia do combate

O combate de MISTOVER é por turnos e tem forte aspecto estratégico. Os heróis e monstros ficam organizados em uma grade 9 por 9 e a posição define os ataques que podem ser executados. Muitas das técnicas movimentam os personagens pelos espaços, logo quebrar a formação do inimigo é uma boa estratégia para deixar os combates mais tranquilos — e, naturalmente, os heróis também estão suscetíveis a tais condições. A formação do nosso grupo afeta algumas características: certas organizações dão bônus de status para os heróis e é possível ativar ataques em conjunto caso certos guerreiros estejam em posições específicas.


O jogo tem oito classes variadas e gostei da variedade de mecânicas, pois cada uma tem funções e particularidades de jogo bem distintas. A Paladin é especializada em defesa e é capaz de atrair a atenção dos inimigos para si. Já a Shadow Blade aumenta a furtividade do grupo com bombas de fumaça e acata múltiplos oponentes com sua corrente. A Sister usa seus feitiços para curar e proteger aliados. Onmyoji é capaz de invocar criaturas de papel de usos variados e também diminuir atributos de monstros. O Werewolf e Ronin são indicados para a linha de frente por causa de suas técnicas ofensivas.

Além das particularidades de cada classe, há outras maneiras de customizar os personagens. Os heróis podem aprender novas técnicas específicas de sua profissão, sendo que quatro diferentes habilidades podem ser equipadas por vez. Os personagens também recebem Jinxes, características passivas que podem ser positivas ou negativas, como maior ataque quando a equipe está sem fome ou menor taxa de acerto em baixa luminosidade. Ao custo de algumas moedas há a possibilidade de alterar os Jinxes. Por fim, equipamentos também podem ter características passivas, por mais que as mais poderosas precisam ser liberadas por meio de fusão de itens ou refinamento.


Um detalhe importante é que os personagens morrem permanentemente em MISTOVER. Para dar uma última chance, quando um herói recebe ferimentos fatais, ele entra em um estado especial chamado “limbo”. Essa situação de quase morte nos permite salvar o personagem em questão com uma poção ou feitiço de cura. No entanto, quem sobrevive ao limbo, recebe penalidades em alguns de seus atributos até o final da expedição corrente — o melhor é voltar para a vila o mais rápido possível.

Exploração tensa por um mundo sombrio

O ciclo de jogo de MISTOVER é simples e funciona bem. É tranquilo escolher um grupo de heróis apropriado para as missões, explorar os calabouços, enfrentar inimigos e procurar tesouros. No entanto, o jogo é bem difícil: os recursos são escassos, os monstros são bastante poderosos, as armadilhas são fatais e erros acumulam com o passar do tempo. Particularmente, gostei bastante do aspecto administrativo, pois precisamos pensar com cuidado como gastar o dinheiro e como usar os itens. Só não gostei dos menus: acessar o grupo de heróis, missões selecionadas, lista de equipamentos e mais só é possível em partes específicas da cidade. Um menu centralizado, como é feito em outros jogos do gênero, seria mais prático.


A tensão é palpável durante as expedições e sempre fiquei com a sensação de que o meu grupo estava em perigo. Isso acontece principalmente por causa da baixa luminosidade dos ambientes e pela presença constante de armadilhas. Foram várias as vezes que me perguntei se valia a pena seguir em frente em busca de itens ou se era melhor fugir enquanto podia — os meus erros resultaram em personagens mortos. Os combates seguem essa regra com batalhas difíceis: os monstros são fortes e ágeis, exigindo estratégia para serem derrotados. Sair vitorioso é sempre um alívio misturado com triunfo.

Tecnicamente, MISTOVER é um jogo bonito, com gráficos 2D bem desenhados e com estilo visual marcante com traço reforçado por linhas grossas. A ambientação é acertada na forma de ambientes escuros e detalhados, e de fato traz a sensação de fim do mundo iminente. Momentos chave contam com dublagem em japonês e ajuda a trazer personalidade às pessoas desse mundo. Já a música me incomodou um pouco por ser simples e repetitiva.


Os defeitos que atrapalham a experiência

As mecânicas de MISTOVER são sólidas e divertidas, mas a experiência se degrada com o tempo por causa de vários problemas que causam frustração. O primeiro ponto são os calabouços: mesmo com mapas gerados proceduralmente, eles são extremamente parecidos entre si, o que traz uma sensação de repetição depois de um tempo. O design dos locais muda um pouco de acordo com os biomas, mas não são suficientes para trazer frescor constantemente. Para piorar, não há variedades de situações entre eles, e as missões são bastante parecidas entre si. O ritmo é lento: até mesmo um mapa pequeno pode levar meia hora ou mais para ser concluído.


O combate também é capaz de causar chateação. Por alguma escolha bizarra, a precisão máxima de qualquer ataque é 90%, mas, mesmo assim, é bastante comum os heróis errarem o alvo constantemente. Já os inimigos têm taxa de acerto muito maior, além de frequentemente conseguirem fazer também ataques críticos com frequência. O resultado é um combate que às vezes se arrasta, e é comum também heróis serem fatalmente feridos com facilidade. Com o tempo aprendi a lidar com esses problemas ao mudar a configuração do grupo e ao testar outras estratégias, no entanto não deixa de ser desagradável quando as coisas mudam inesperadamente.

Por fim, temos o sistema de Doomsday Clock. Esse relógio indica a proximidade do fim do mundo, e ações no jogo fazem o ponteiro avançar ou retroceder. É uma ideia interessante, mas a implementação é extremamente punitiva. No meu tempo com o título, eu nunca consegui atrasar o apocalipse, pelo contrário. Mesmo sendo impecável nas expedições, o que exige derrotar todos os monstros, explorar todo o mapa e coletar todos os itens, o relógio avançou. Para piorar, até mesmo ações que nem sempre temos controle, como a morte de um personagem, fazem o ponteiro avançar. E o fim do mundo é brutal: quando ele chega, a aventura acaba e precisamos recomeçar tudo desde o início, o que muitas vezes significa perder horas de progresso. O jogo por si só já é bem difícil e essa mecânica deixa tudo ainda mais complicado e frustrante. Os jogadores reclamaram bastante sobre o balanceamento da dificuldade e a desenvolvedora tem feito ajustes, contudo o título ainda precisa melhorar.


Uma aventura para poucos

MISTOVER mescla RPG e dungeon crawling em uma aventura interessante e brutal. Explorar calabouços repletos de perigos é complicado, no entanto a diversão é justamente sobreviver. Um dos destaques do jogo é seu sistema de batalha por turnos que combina elementos como posicionamento de personagens e habilidades de diferentes classes de heróis, o que traz várias possibilidades estratégicas. A temática de fim do mundo iminente é aplicada na direção de arte bela, mas sombria, na música soturna e nas várias mecânicas de jogo. Entretanto, a aventura carece de balanceamento e variedade: os mapas podem ficar repetitivos, o combate às vezes é difícil por motivos fora do controle do jogador e o sistema de Doomsday Clock é punitivo demais. Felizmente a desenvolvedora está fazendo ajustes constantemente e com o tempo a experiência deverá ficar mais agradável. No fim, MISTOVER é para aqueles que procuram desafio intenso.

Prós

  • Boas mecânicas de exploração de calabouço e administração de recursos;
  • Combate estratégico e desafiador;
  • Boa variedade de classes;
  • Visual e atmosfera conseguem transmitir a desolação do fim do mundo próximo.

Contras

  • Missões de exploração são longas, repetitivas e sem variedade;
  • Administração de recursos pode ser custosa;
  • Dificuldade dos confrontos desbalanceada, principalmente a baixa taxa de precisão dos ataques, que torna as batalhas cansativas;
  • Sistema de Doomsday Clock é desbalanceado e muito punitivo.
MISTOVER — PC/PS4/Switch — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: PC
Análise produzida com cópia digital cedida pela KRAFTON Inc.

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google