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Análise: Blasphemous (Multi) é uma impressionante peregrinação por um mundo desconcertante

Combate, sangue, violência e locais perturbadores permeiam este ótimo título indie de ação 2D.


Um reino grotesco dominado por uma religião distorcida é o cenário de Blasphemous, título de ação e plataforma com aspectos de metroidvania produzido pelo estúdio espanhol The Game Kitchen. Na pele de um guerreiro que busca redenção, exploramos um grande mundo repleto de criaturas grotescas, batalhas complicadas e muitos desafios. Uma ambientação exótica, sistemas de qualidade e dificuldade acentuada fazem com que Blasphemous se destaque em uma experiência intensa e arrebatadora.

Uma jornada sangrenta em busca da redenção

A terra de Cvstodia foi tomada por uma maldição chamada de O Milagre. O acontecimento, que supostamente foi obra de seres divinos, mudou completamente o reino por meio de acontecimentos estranhos e o surgimento de criaturas bizarras, resultando em caos. Após isso, surgiu uma religião que passou a controlar o mundo em nome dO Milagre, porém benevolência não é sua maior característica: quem se opõe a ela é eliminado com violência. É em meio a tudo isso que surge o Penitente, o único sobrevivente de um massacre, que tem como tarefa libertar Cvstodia desta situação ao mesmo tempo em que tenta quebrar um ciclo infinito de renascimento e sofrimento.

Blasphemous explora esse conceito na forma de um jogo de ação e plataforma. O Penitente precisa explorar o mundo de Cvstodia derrotando todos que aparecerem pelo caminho com a ajuda de sua espada Mea Culpa. A aventura se inspira no estilo metroidvania na forma de um grande mapa a ser desbravado, no entanto a progressão é mais livre: podemos visitar diferentes áreas em qualquer ordem, sem um caminho definido. Além disso, fora um vago objetivo logo no começo, não há indicação alguma do próximo passo a ser seguido — liberdade é uma constante no jogo.


O combate é brutal e com poucos espaços para erros, principalmente por causa da agressividade dos inimigos. Além de atacar com sua espada Mea Culpa, o Penitente é capaz de aparar investidas dos oponentes e também executar uma esquiva ágil — dominar essas técnicas é essencial para a sobrevivência. Fora isso, o herói pode executar habilidades especiais por meio de Orações, aprender novos movimentos de ataque e equipar Contas de Rosário e Corações da Espada para alterar características físicas. Como é de costume, boa parte dessas customizações estão escondidas pelo mundo.

Um vasto mundo para desbravar

A aventura em Blasphemous acontece em um mundo aberto com progressão não linear por um imenso mapa interconectado. O foco está em conseguir abrir atalhos e caminhos: algumas partes exigem itens específicos para eliminar obstáculos ou abrir portas, já para alcançar outros pontos é necessário procurar rotas alternativas.

Para alcançar essa liberdade, os cenários podem ser atravessados com todas as habilidades de navegação inatas do Penitente, como a possibilidade de escalar paredes específicas com a ajuda da espada ou se pendurar em beiradas. O protagonista até obtém algumas pouquíssimas técnicas que ajudam na exploração, no entanto elas não são necessárias na rota principal.


Há grande variedade de situações no mundo de Cvstodia. Um templo subterrâneo lembra um pequeno calabouço com caminhos lineares repletos de trechos de plataforma, armadilhas e inimigos. Já uma montanha com neve tem grande verticalidade e ventos que atrapalham a escalada. Uma prisão antiga exige que o herói abra celas para avançar, porém elas estão trancadas com chaves espalhadas pelo local, tornando necessário visitar novamente trechos da fortaleza. Cada área apresenta algum recurso ou mecânica nova, o que traz sensação de novidade constante — algo necessário, afinal são poucas as habilidades de navegação desbloqueáveis.

Um detalhe muito legal é que o mapa está repleto de segredos e partes que inicialmente são inalcançáveis. Muitas vezes vemos um item de difícil acesso e tentar obtê-lo se torna uma espécie de puzzle: o que eu preciso fazer para chegar ali? Que item eu preciso coletar para evitar obstáculos? A maioria dos colecionáveis e equipamentos é opcional e está muito bem escondida, e conseguir coletar todos é um desafio e tanto. Pontos de teletransporte e atalhos ajudam na exploração do mundo.


Um detalhe que incomoda um pouco na jornada é inconsistências nas mecânicas de exploração. É muito comum em metroidvanias o jogador utilizar o mapa como referência para encontrar novos locais, no entanto isso nem sempre funciona em Blasphemous. Em alguns pontos, por exemplo, é possível ver que há uma área logo abaixo do local em que estamos. No entanto, ao pular em certos precipícios, o personagem morre ao invés de simplesmente cair até a parte de baixo. Não há indicação clara desses pontos de morte e em certos locais essa regra não é aplicada. Com o tempo o jogador entende onde isso acontece, mas acredito que seria melhor maior clareza.

Violência e tensão no combate

Criaturas terríveis aparecem no caminho do Penitente em combates brutais e muito sangrentos. Os inimigos são agressivos e poderosos, sendo assim precisamos dominar os ataques e técnicas especiais do herói — bastam alguns poucos acertos para morrer. Fora as sequências de ataques com a espada, o Penitente tem outros dois movimentos essenciais para a sobrevivência. A esquiva permite deslizar para evitar perigos e inimigos, além de ser uma opção para atravessar rapidamente os cenários. Já o movimento de aparar consegue bloquear golpes dos oponentes, e se executado no momento correto permite desferir um contra-ataque poderoso. Outras habilidades secundárias podem ser obtidas no decorrer da aventura, como feitiços e ataques especiais com a espada, no entanto senti que trazem pouco impacto no geral.

O combate de Blasphemous tem conceito simples, contudo os embates são bastante complicados e tensos. Além de atacarem com agressividade, os inimigos também aparecem em grupo, exigindo conhecer com cuidado seus movimentos. As batalhas são focadas em precisão, o que significa observar os golpes dos monstros e atacar no momento certo. Todas as vezes que fui descuidado ou agi sem estratégia resultaram em morte, porém é muito recompensador conseguir aparar uma investida e fazer um contra-ataque logo em seguida — às vezes é possível até mesmo executar uma finalização especial que é visualmente bem violenta.

A ferocidade dos monstros faz com que a jornada do Penitente tenha dificuldade entre moderada e alta, principalmente nos pontos em que temos que lutar enquanto desviamos de armadilhas. Por sorte, o herói carrega Frascos de Bile, objetos que permitem recuperar parte da vida — no entanto o herói fica completamente vulnerável enquanto utiliza o item, o que nos força a pensar com cuidado quando consumi-los. O Penitente se fortalece por meio de itens e melhorias escondidos pelo mundo, e há também alguns objetos que podem ser equipados para aumentar características físicas. A morte é inevitável, mas, por sorte, a penalidade é pequena: parte da barra de Fervor, que é utilizada em técnicas especiais, é bloqueada. Para reverter esse estado, precisamos voltar no lugar da morte e recuperar uma estátua espectral.


O ápice do combate acontece nas batalhas contra os chefes. Os mestres exigem estratégias distintas para serem derrotados e domínio dos movimentos do Penitente. Alguns dos confrontos mais calorosos só são possíveis de serem vencidos ao aparar corretamente os ataques dos monstros, o que resulta em batalhas tensas focadas em precisão. A dificuldade é alta, mas não chega a ser frustrante, tanto é que derrotei boa parte dos chefes com poucas tentativas, salvo alguns mais complicados. Destaque especial para o visual destes mestres: todo tipo de criatura grotesca e estranha tenta impedir o avanço do Penitente.

Algo desagradável no combate é como o dano afeta o herói. Alguns ataques o lançam para longe, outros o acertam sem efeito visual algum. Sendo assim, muitas vezes morri sem saber direito o que me atingiu. Outro problema é o tempo de invencibilidade muito curto, o que resulta em momentos em que somos atingidos repetidas vezes sem tempo hábil de recuperação. Esse último detalhe é especialmente irritante em certos chefes: falhar em escapar do primeiro ataque de uma sequência pode significar morte. Com o tempo aprendi a contornar esses problemas, mas não deixa de incomodar.


Um mundo grotesco e desconcertante

O detalhe que mais me chamou a atenção em Blasphemous foi sua ambientação. O mundo e a história de Cvstodia são inspirados na cultura espanhola, na Idade Média e no Catolicismo, que são representados na forma de locais, inimigos, símbolos e mais. Esses elementos, em conjunto com cenários sombrios e criaturas grotescas, cria um universo desconcertante, mas muito interessante — fiquei o tempo todo me perguntando a próxima loucura que apareceria a seguir.


O visual é representado por meio de pixel art muito bem trabalhado que consegue representar bem os horrores desse mundo. Fiquei intrigado com a criatividade dos inimigos e locais que aparecem pelo caminho: o convento de Nossa Senhora da Face Chamuscada tem caldeiras ferventes e é patrulhado por freiras assassinas que atacam com grandes queimadores de incenso, uma região montanhosa é patrulhada por criaturas com cabeça de bode e tem vários hereges presos em fogueiras, já uma catedral está repleta de sacerdotes assustadores e fiéis assassinos de face coberta. É um mundo perturbador, mas muito bem construído, cuja ambientação é reforçada por meio de uma trilha sonora misteriosa e soturna com grande foco no violão.

Já a trama em si é contada de forma indireta por meio de diálogos, estruturas nos cenários e descrição dos itens (cada um dos objetos conta uma pequena história). Para compreender o que de fato aconteceu em Cvstodia e qual é o real objetivo do Penitente é necessário se dedicar e montar analogias, afinal as informações são crípticas e espalhadas em diferentes locais. Confesso que achei a história bem obtusa e no fim não consegui entender exatamente o que está acontecendo, mas isso não chegou a afetar negativamente a minha experiência.


Uma heresia divertida

Blasphemous me conquistou com seu mundo belo, perturbador e intrincado. A aventura do Penitente é repleta de criaturas bizarras, locais desconcertantes e cenas estranhas, resultando em uma experiência hipnotizante. Em sua essência, o jogo pega alguns poucos conceitos de metroidvanias e os executa muito bem, sendo seu maior destaque o mundo de progressão livre. O combate focado em precisão é interessante e frenético, e em conjunto com momentos de plataforma complicados cria uma jornada com dificuldade intensa. Alguns problemas atrapalham, como inconsistências nas regras de exploração e no dano durante as batalhas, mas são perfeitamente contornáveis. No fim, Blasphemous é uma experiência incrível e essencial para aqueles que gostam do gênero.

Prós

  • Vasto mundo aberto repleto de desafios variados;
  • Combate frenético e de dificuldade intenso, sendo o destaque as batalhas contra os chefes;
  • Ambientação intrincada na forma de personagens exóticos, criaturas grotescas e cenas desconcertantes;
  • Excelente visual em pixel art detalhado e ótima trilha sonora.

Contras

  • Inconsistências em certos pontos dos mapas resultam em mortes desnecessárias;
  • A forma de levar dano é inconsistente e a janela de invencibilidade é muito pequena, o que cria situações difíceis de reagir.
Blasphemous —PC/PS4/XBO/Switch — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PC
Análise produzida com cópia digital cedida pela Team17

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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