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Análise: Desert Child (Multi) — corrida e estilo em um universo futurista

Produzido por um único desenvolvedor, esse título indie se destaca com jogabilidade interessante e ambientação ímpar.


Em Desert Child a Terra se tornou inabitável e a aqueles que conseguem pagar a passagem se mudaram para Marte. Lá, a febre são as corridas de hoverbike: competições frenéticas em que os participantes usam de todas artimanhas possíveis para poder vencer. Combinando aspectos de corrida e aventura, o título traz uma experiência inusitada em um mundo estiloso influenciado por obras como Cowboy Bebop e Redline.

Correndo para sobreviver

O protagonista de Desert Child é um piloto de hoverbike anônimo sem emprego e sem dinheiro. O seu maior sonho é ir para Marte e participar do Grande Prêmio, o campeonato mais importante do universo. Sendo assim, o jovem precisa fazer alguns trabalhos para conseguir o dinheiro da passagem para o Planeta Vermelho, e uma vez lá ele vai precisar de mais grana para a inscrição do torneio.

Como piloto, sua principal fonte de renda são corridas de hoverbike — a maioria delas ilegais. Nestes momentos, o jogo funciona como uma combinação de corrida e tiro: o objetivo principal é ficar na liderança ao mesmo tempo em que atiramos em vários obstáculos espalhados pelos circuitos. A moto consegue fazer uma investida para ganhar velocidade e desviar de perigos, com a energia recarregando aos poucos. Já a munição da arma é limitada e pode ser recarregada em pontos específicos dos estágios.

Fora das corridas, é necessário cuidar de alguns outros aspectos. A fome do protagonista afeta a taxa de recuperação da energia da investida e pode ser saciada ao fazer refeições em restaurantes. Já a lataria da moto influencia a quantidade de energia e velocidade, o que significa em fazer manutenções constantes. Tudo é caro no mundo de Deserto Child, logo balancear as finanças é essencial para avançar.

A vida exótica em Marte

Depois de um primeiro capítulo, que serve como tutorial dos conceitos básicos, o piloto consegue ir para Marte e a aventura se expande consideravelmente. Uma vez no Planeta Vermelho, o objetivo passa ser acumular a quantidade necessária de dinheiro para participar do Grande Prêmio.

Em uma grande cidade cosmopolita, as possibilidades de trabalho aumentam consideravelmente. Além das corridas, há outras opções que alteram as regras dos trechos de ação. O piloto pode pegar uma moto tradicional e entregar pizzas, que são lançadas nas pessoas famintas espalhadas pelo caminho. Já outra atividade consiste em arrebanhar cangurus, tomando cuidado para não matar nenhum animal. Uma outra opção é servir de cobaia para armas experimentais de um cientista. A diversidade de trabalhos é boa e me surpreendi como eles alteraram as regras das corridas.


Mesmo com muitas opções de trabalhos, é difícil juntar dinheiro em Marte. Uma alternativa de dinheiro rápido é participar de negócios com a máfia. Essas missões são um pouco mais complicadas, porém pagam muito bem. O revés é que participar desse tipo de trabalho aumenta a fama negativa do herói, o que pode acabar chamando a atenção da polícia — caso você seja pego, boa parte do dinheiro é tomada como multa. Também não é possível participar desse tipo de trabalho com frequência: é necessário ficar fora do radar por alguns dias para não levantar suspeitas.

Em Marte é possível customizar a moto com partes que alteram seu desempenho. Encontrei vários tipos de peças, desde uma propaganda para uma pizzaria que aumentava a recompensa, um amplificador de força dos tiros e um ímã para recolher com maior facilidade o dinheiro nas corridas. As alterações são instaladas numa grade de força e organizar as peças é complicado por causa do espaço limitado. Novos equipamentos podem ser comprados em uma loja ou então surrupiados de outras hoverbikes.


Eu gostei bastante das corridas de Desert Child. Elas são intensas e estilosas, lembrando bastante animes com cenas de ações frenéticas. Porém, infelizmente, elas não oferecem muita profundidade e nem exigem muita técnica: basta basicamente escapar dos obstáculos para vencer, já que todas elas se passam em uma linha reta. As várias mecânicas até tentam deixar as coisas mais elaboradas, no entanto o baixo impacto delas nas partidas as tornam pouco relevantes — um exemplo é a customização da moto, coloquei duas peças e nunca mais precisei mudar. Por fim, a punição por perder um trabalho ou danificar a moto é baixa, o que faz ser difícil se importar com as derrotas. No fim, sinto que faltou um pouco mais de elaboração nesses aspectos de Desert Child.

Década de 1990 moderna

A cidade em Marte é rica e há muito o que ver e fazer: comprar discos antigos, comer em inúmeros restaurantes, obter notícias do mundo e mais. É nela que fica evidenciada a atmosfera exótica “tecnologia em um clima árido”, um dos maiores destaques de Desert Child. O gráfico em pixel art lembra bastante títulos de aventura de computadores da década de 1990 com cenários detalhados e bem elaborados. Destaque especial para os vários ângulos de câmera utilizados nas ruas: observamos de cima a movimentação intensa do Mercado de Feijões, já na área das oficinas somente os pés do protagonista aparecem, a grandiosidade do canal de água é retratada com um enquadramento distante. Só o ato de passear pelo lugar já é divertido.


Uma trilha sonora sensacional embala a exploração e as corridas de Desert Child. A música reflete o clima urbano e estiloso do jogo, com composições inspiradas no pop e lo-fi hip-hop da década de 1990 repletas de sintetizadores, scratches de DJ e vocais marcantes. A trilha sonora não só monta a ambientação, como é também um aspecto da jogabilidade: as faixas ditam a duração da corrida, sendo importante ficar com os ouvidos atentos para perceber quando a linha de chegada está próxima.

A ambientação é boa, mas, infelizmente, a narrativa não é elaborada o bastante. Há alguns indícios de investimento nesse aspecto, porém, no fim das contas, o desenvolvimento do mundo é limitado a pequenas notas no jornal e a alguns outdoors. A mecânica de notoriedade criminal tenta trazer algum peso para as ações do piloto, porém a ausência de diálogos ou personalidade a torna irrelevante. Para piorar, as atividades são bem parecidas entre si e com o tempo se tornam repetitivas — depois que identifiquei o que era mais lucrativo, só passei a fazer esse tipo de trabalho. É realmente uma pena que um universo tão elaborado no visual e no áudio tenha desenvolvimento regular nestes outros aspectos, uma oportunidade perdida.


Uma corrida razoável

Desert Child acerta com uma ambientação excepcional e atividades diversificadas. É bem divertido participar de competições curiosas que mesclam corrida com shoot’em up por causa da simplicidade de conceitos e variedade de opções. Além disso, Marte é um local que convida à exploração com sua atmosfera urbana construída por meio de visual elaborado e trilha sonora inspirada no hip-hop da década de 1990. Infelizmente faltou profundidade nas mecânicas, o que faz com que o jogo ofereça uma experiência simples demais. Breve e instigante, Desert Child é uma experiência boa, só não muito memorável.

Prós

  • Corridas estilosas e divertidas;
  • Ambientação ímpar, reforçada por gráficos pixel art detalhados;
  • Trilha sonora contagiante com composições lo-fi hip-hop que trazem uma aura urbana única.

Contras

  • Boa parte das mecânicas oferece pouca profundidade;
  • Ciclo de jogo repetitivo, mesmo com as várias opções de atividades.
Desert Child — PC/Switch/PS4/XBO — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: PC
Análise produzida com cópia digital cedida pela Akupara Games

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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