Chronicle

40 anos de SNK: a lendária empresa que chegou ao fundo do poço e conseguiu dar a volta por cima

Conheça a sofrida história de uma das companhias mais amadas pelos jogadores hardcore ao redor do mundo e que em 2018 se torna uma quarentona.


Fundada originalmente em julho de 1978 por Eikichi Kawasaki (lembre-se desse nome, ele é importante e vai voltar), a Shin Nihon Kikaku — novo projeto japonês —, como a SNK era conhecida, tinha como principal produto o desenvolvimento de softwares e hardwares para o mercado corporativo. Após observar o crescimento vertiginoso do mercado de entretenimento digital operado por moedas, os Arcades, Kawasaki acabou optando por ampliar a vertente de negócios da empresa para incluir a produção de tais máquinas.


O primeiro título lançado pela SNK foi Ozma Wars, um shooter espacial, e Safari Rally, uma espécie de protótipo de jogo de corrida. Ambos tiveram lançamento para Arcade em 1979 e 1980, respectivamente. Em 1981, a SNK lançou Vanguard, que chegou a ser distribuído nos Estados Unidos por uma empresa chamada Centuri.

A questão é que Vanguard se tornou um sucesso. Ele posteriormente influenciaria outros títulos importantes como o shoot’em up R-Type, da Irem, e o Gradius, da Konami, ambos originalmente para Arcade. Além disso, houve muita demanda por uma máquina de Vanguard no ocidente, o que fez com que a SNK optasse por abrir uma filial própria na América, com sede na Califórnia, em Sunnyvale, cidade integrante do chamado Vale do Silício.
Da esquerda para a direita: Ozma Wars, Safari Rally e Vanguard.
Durante a década de 80, a empresa cresceu e, em 1986, deixou seu nome completo para se chamar apenas SNK Corporation. O sucesso de Vanguard também foi responsável por fazer com que a SNK abandonasse o mercado corporativo para se focar especialmente nos videogames. Antes disso, porém, é notável que uma série de decisões ruins de mercado tomadas pela Atari ocasionaram no chamado crash de 83, tendo a Nintendo como sobrevivente solitária desse ocorrido.

O NES foi um dos aparelhos em particular que serviram como luz-guia dessa recuperação do mercado e a SNK rapidamente firmou uma parceria com a empresa, o que resultou na produção de títulos como Baseball Stars (NES), de esporte, e Crystalis (NES), RPG lançado na década de 90 que posteriormente recebeu uma versão para Game Boy Color. A empresa, no entanto, não deixou de produzir títulos para Arcade, que durante a segunda metade da década de 80 produziu games como Athena (Arcade), um jogo de plataforma protagonizado por uma princesinha que ficou popular por conta de seu biquíni, e Beast Busters, notável por alegadamente ser o primeiro shooter (em trilhos) de zumbis na indústria.

Entretanto, nenhum desses títulos se destacou tanto quanto Ikari Warriors (Arcade), um shoot‘em up no qual os protagonistas,  Ralph e Clark, batalhavam contra hordas de inimigos no melhor estilo Rambo e tinham como objetivo chegar ao vilarejo Ikari. O título recebe o mérito de ter sido o primeiro a utilizar um joystick que chegou a fazer considerável sucesso — o primeiro a utilizar tal tipo de controle foi T.A.N.K, conhecido como TNK III no ocidente e também de autoria da SNK, mas sem muita repercussão.

Por volta de 1988, o desenvolvimento da máquina conhecida como NEOGEO MVS teve início com uma ideia inovadora. Até então, os gabinetes de Arcade continham um único jogo. Para trocá-lo, seria necessário abri-lo e fazer a substituição de todo o maquinário lá dentro por um outro, visto que o desenvolvimento do aparelho e dos jogos eram praticamente dedicados. O MVS erradicou esse empecilho ao trazer uma máquina com a capacidade de trocar de jogo na mesma facilidade de um console doméstico, utilizando cartuchos que seriam lidos por um sistema universal.

Com o sucesso de tal máquina, o NEOGEO Doméstico, também conhecido como NEOGEO AES (siglas de Advanced Entertainment System), foi concebido. Na época, era considerado um dos aparelhos mais poderosos do mundo. O problema, contudo, eram os games disponíveis. Dessa maneira, surgiam Fatal Fury em 1991 e Art of Fighting em 1992. Ambos foram uma resposta da empresa à febre de Street Fighter II

Impossibilitada de derrotar esse gigante da Capcom, Samurai Showdown veio à luz. A ideia não era vencê-la com um jogo similar, mas pegar a contramão com uma proposta diferente. Trazendo uma ambientação no período Edo do Japão antigo, o título fez algum estrago por conta de uma presença considerável de sangue na tela, violência gráfica esta que na época não era tão comum ou bem-vista.



Esse padrão de mercado conservador acabou por minar um lançamento ocidental do game para o AES, uma vez que ele foi fortemente censurado, embora isso não tenha impedido o lançamento de sequências não só de Samurai Showdown, mas de outras franquias da empresa.

NEOGEO AES, apesar de poder ser encarado como o videogame mais poderoso no mundo na época, acabou fracassando no mercado por conta de seu custo elevado, mesmo sendo capaz de reproduzir com fidelidade alguns dos jogos dos Arcades de uma forma que mesmo consoles de gerações seguintes teriam dificuldade. Uma revisão chamada NEOGEO CD chegou a ser lançada como uma forma de salvar o aparelho, pois a nova mídia em questão tinha um custo de produção muito inferior aos cartuchos originais.



Mesmo com um sucesso relativo no Japão, o NEOGEO CD não conseguiu emplacar na América por conta das contínuas e demoradas telas de loading consequentes de um leitor de baixa velocidade para os CDs, além de ter que encarar um mercado já dominado pelos aparelhos recém-lançados da Sony e Sega: o PlayStation e o Saturn, encerrando a excursão da SNK no ramo dos consoles domésticos.

O Rei dos Lutadores

Em 1994 seria lançado The King of Fighters com a proposta de se tornar um dos primeiros, senão o primeiro, crossover da história dos games, unindo personagens de franquias diferentes em um único título. É notável, no entanto, que um esboço dessa ideia já havia sido trazido em Fatal Fury Special, uma versão especial de Fatal Fury 2 com o retorno dos personagens do jogo original, mais Ryu Sakazaki da série Art of Fighting como lutador visitante.

A questão é que The King of Fighters ’94 trouxe uma nova jogabilidade baseada em combates de três contra três entre personagens provindos não só de Fatal Fury e de Art of Fighting, mas também Ikari Warriors e Athena.

É válido ressaltar que após The King of Fighters, crossovers começaram a surgir com maior frequência na indústria, como é o caso de X-Men Vs. Street Fighter, dando origem posteriormente à meta-série “Vs. Capcom” que conta com vários outros games como Marvel Vs. Capcom e Tatsunoko Vs. Capcom, além de um título com a própria SNK.

A primeira edição de 1994 foi o marco de um evento cíclico, visto que um novo The King of Fighters era lançado a cada ano que se passava. As atualizações anuais, além de trazerem a continuação de uma história própria, refinavam o sistema de luta e a qualidade visual da franquia.

O primeiro jogo da série centralizava a história em Rugal Bernstein, um negociador de armas que é o responsável por organizar o torneio que reuniu os lutadores do mundo todo no intuito de matá-los e adicioná-los em sua coleção de oponentes derrotados. Rugal retornaria em KOF 95 atrás de vingança e o título seria o marco inicial da linha de história conhecida como a “Saga Orochi”. Em KOF 96 e KOF 97 o torneio seria organizado por Chizuru Kagura no intuito de lutar contra o clã Orochi, enquanto KOF 98 não traria uma história própria.

A franquia seguiu com lançamentos anuais até o ano de 2003, quando foi lançada sua décima edição. Paralelamente a isso, alguns spin-offs foram produzidos, como Maximum Impact. É interessante pensar como The King of Fighters, aos poucos, conseguiu seu próprio brilho no panteão dos jogos de luta como uma série além da ideia do crossover, apresentando personagens inéditos e icônicos como Kyo Kusanagi e Iori Iagami, que se tornaram tão populares quanto os originais Terry Bogard (de Fatal Fury) e Ryo Sakazaki, que teoricamente seriam os responsáveis a assumir o protagonismo dessa nova propriedade intelectual.

O fim dos arcades, o fim de uma era

Chega a ser interessante como algumas práticas acabam sendo responsáveis por virtualmente erradicar uma fase da história de games como um todo. Nesse caso em específico, o port de Street Fighter II para o Super Nintendo simplesmente foi o responsável principal pelo declínio do mercado de arcades como um todo, uma vez que os jogadores deixavam de frequentar os ambientes dos fliperamas para continuarem no conforto de suas casas com fichas infinitas. O hábito logo se alastrou a outros títulos de arcade que logo receberam suas versões domésticas.

Somando isso à questão de os consoles caseiros da SNK não terem se dado bem, a empresa foi praticamente perdendo seu público devido ao fato de não conseguir se adaptar às novas tendências da indústria de games, por mais que continuasse a lançar seus títulos de arcade tanto para o NEOGEO quanto para o Saturn e o PlayStation, dentre eles, Metal Slug, de 1996.



Outra dificuldade de adaptação foi encarada pela SNK quando chegou a era dos games 3D. A empresa até chegou a lançar uma nova placa de fliperama, o Hyper NEOGEO 64, mas acabou fracassando novamente porque o hardware oferecido pela Namco, a concorrência, era superior, fazendo com que títulos como Samurai Showdown 64 e Fatal Fury: Wild Ambition fossem eclipsados por novas séries em ascensão, como Tekken.

A essa altura do campeonato, a SNK tentou se aventurar por outros nichos de mercado ainda em crescimento para conseguir sobreviver. Observando o sucesso do Game Boy, a empresa se arriscou com o lançamento do NEOGEO Pocket em 1998 e o NEOGEO Pocket Color em 1999. O primeiro teve poucos jogos e foi ofuscado pelo lançamento do Game Boy Color, sendo rapidamente descontinuado. O segundo, por mais potente que ele fosse e gastasse ainda menos energia em relação ao aparelho da Nintendo, acabou ficando para trás porque os títulos do clássico portátil da Big N ainda se sobressaíam mais, especificamente durante o período da febre Pokémon — além do suporte das thirds.

O NEOGEO Pocket Color, no fim das contas, apesar de contar com títulos em versões cartunescas das principais séries da SNK e da compatibilidade com o recém-lançado Dreamcast da Sega, não sobreviveu nem ao Wonderswan da Bandai. Nesse ponto, nem mesmo o lançamento de Capcom Vs. SNK conseguiu salvar a empresa, que foi comprada pela Aruze, uma conhecida produtora de máquinas pachinko (uma espécie de equivalente japonês do caça-níquel). Essa compra, ressalta-se, foi logo depois de o NEOGEO Pocket Color ser descontinuado, cancelando inclusive o lançamento de jogos já prontos para serem distribuídos, cujos lotes tiveram que retornar ao Japão.



O problema principal da Aruze é que ela não estava interessada em dar continuidade às propriedades intelectuais da SNK com novos jogos, mas apenas usá-las em seu benefício como uma forma de promover as próprias máquinas. Considerando que as conversões dos títulos anteriores para Dreamcast já tinham perdido todo o apelo por conta do lançamento do PlayStation 2, aquele era praticamente o fim da SNK.

A empresa original declarou falência em 22 de outubro de 2001, sendo que The King of Fighters 2000 já era uma espécie de anunciação do ocorrido, com várias insinuações a respeito de tal destino trágico. Alguns dos funcionários da SNK rumaram à Capcom, enquanto outros se reuniram para montar a desenvolvedora Dimps, responsável principalmente por diversos jogos baseados em anime, como Dragon Ball Z: Burst Limit e Saint Seiya: Brave Soldiers, além de co-desenvolver o quarto e o quinto jogo da franquia Street Fighter.

Em relação às propriedades intelectuais, algumas delas foram licenciadas para outras empresas. A BrezzaSoft adquiriu os direitos e cedeu o desenvolvimento de novos jogos à Eolith, sul-coreana responsável por The King of Fighters 2001 e 2002.  

Renascimento: o futuro chegou e é agora!

Um pouco antes da falência da SNK original, uma marca chamada Playmore foi fundada por Eikichi Kawasaki — lembra-se dele? Pois então, o fundador original da SNK conseguiu fazer uma oferta e conseguiu as IPs da sua primeira empresa pouco tempo depois da declaração de sua falência. Além disso, a Playmore adquiriu a BrezzaSoft,. O que não foi falado até o momento, no entanto, é que ela também foi criada pelo próprio Kawasaki — ou seja, ele a comprou de si mesmo, basicamente. Nisso, sua estratégia de negócios era basicamente refundar a SNK original de suas ruínas.

Além disso, é notável a forma como ele lidou com o pouco caso da Aruze em relação às IPs, visto que ela continuou utilizando os personagens da SNK por conta própria após a sua dissolução. Como os direitos dos mesmos agora pertenciam à Playmore, Kawasaki logo tratou de processar a Aruze por uso indevido de sua propriedade intelectual.

Gradualmente, a SNK se reerguia, retomando suas atividades aos poucos. Agora conhecida como SNK Playmore desde 2003, a empresa retomou os direitos das placas AES, bem como suas atividades na América.  No entanto, com a evolução tecnológica, pouco compensava desenvolver seus próprios sistemas de Arcade. Dessa forma, concentrando a produção no software, a SNK passou a dar prioridade à Atomiswave da Sammy, e poucos anos depois, em 2006, passou a favorecer a Type X² da Taito. Paralelamente a isso, novos jogos foram lançados, como a série Maximum Impact, além de uma infinidade de coletâneas dos games clássicos.

A Type X² da Taito foi a casa do retorno não tão triunfante de The King of Fighters, em sua décima segunda iteração. Apesar de trazer um novo estilo gráfico em alta definição sem deixar de utilizar sprites, o jogo recebeu críticas pela ausência de conteúdo e a sensação de não passar de uma demo técnica. Ele, entretanto, abriu caminho para a sua sequência, que foi muito bem-recebida por finalmente se tratar de um jogo completo.

Outro feito notável da SNK Playmore foi em 2012, quando lançou o NEOGEO X, um console retrô com uma série de games atrelados na memória, isso antes mesmo da tendência atual do mercado protagonizada pela Nintendo com o seu NES Classic Edition — que foi seguida pela Sega com o Mega Drive Mini e pela própria SNK com um novo NEOGEO. O NEOGEO X, contudo, não foi produzido por muito tempo por conta de desentendimentos com a Tommo, manufaturadora do aparelho.

Em 2015, um conglomerado chinês de investimentos de mídia adquiriu mais de 80% das ações da SNK, pertencentes à Kawasaki. A ideia deles era utilizar as propriedades intelectuais da empresa e expandi-las de forma midiática para além dos videogames, como um universo compartilhado feito de filmes, histórias em quadrinhos e animações.

O primeiro resultado dessa nova fase para a empresa foi The King of Fighters XIV, que trouxe uma nova abordagem para a franquia, com gráficos tridimensionais pela primeira vez na série principal. Além disso, seguindo a ideia de um projeto de mídia, a série animada em CG, The King of Fighters Destiny, recebeu vinte e quatro episódios de 12 minutos cada, concebidos por uma equipe que participou da produção do filme Kingsglaive: Final Fantasy XV, baseado na franquia da Square Enix.



O nome SNK Playmore também foi definitivamente abandonado, assumindo-se apenas como SNK novamente. Ainda, o antigo slogan da empresa, “The Future is Now”, voltou a ser utilizado como uma forma simbólica de trazer a marca de volta às suas raízes, mas dessa vez apropriadamente inserida em um novo contexto da cultura dos games.

Um Novo Projeto Japonês

A história da SNK tem seu valor por ter sido uma das empresas que, apesar de algumas tentativas falhas, conseguiu sobreviver a um mercado de games em constante metamorfose. Está no DNA da companhia reinventar-se de maneiras cada vez mais diferenciadas ao ponto de até mesmo ressuscitar dos mortos após um fim decretado.

Embora muitos dos jogos da SNK sejam icônicos e tenham impactado uma geração, é interessante com o nome da empresa não tem a mesma força que a Capcom, por exemplo, com seu Street Fighter. É notável também que os jogos dela marcaram uma era por se apresentarem como um tipo de desafio absurdo com uma dificuldade que hoje dificilmente seria vista com bons olhos, seja pela imprensa, seja pelos jogadores, seja até mesmo pelas outras empresas que estão seguindo tendências de um mercado que hoje quer jogos cada vez mais acessíveis.

Portanto, lembre-se: ao jogar um Dark Souls e se deparar com uma tela de game over, o espírito da SNK estará presente (mesmo que ela não tenha absolutamente nada a ver com a franquia da Bandai Namco), seja referenciando os próprios jogos que seguiam à risca a ideologia dos arcades, cuja finalidade era arrancar o maior número de moedas das crianças desavisadas, seja da própria empresa que conheceu a própria morte e deu a volta por cima, sempre com personalidade.

Revisão: Link Beoulve

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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