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Análise: Crossing Souls (PC/PS4) — somente nostalgia não é suficiente para um bom jogo

Controle um grupo de crianças e tente resolver um grande mistério nesse título indie.


Logo no começo, Crossing Souls já mostra sua principal influência: a cultura pop da década de 1980, principalmente filmes. Estrelado por um grupo de crianças, este título indie apresenta uma aventura de ação recheada de referências divertidas. O conceito tem potencial, mas vários tropeços fazem com que o jogo não seja uma experiência memorável.

Um grupo de amigos e uma pedra do além

É verão e Chris quer curtir as férias, como toda criança. A aventura do garoto começa quando seu irmão Kevin diz ter descoberto algo grande e pede que todo o grupo de amigos o encontre no esconderijo da turma. A descoberta do menino é um corpo à beira do lago e, naturalmente, as crianças decidem ver de perto. Lá, eles encontram uma pedra mágica capaz de mostrar o mundo dos mortos, porém, ela é mais perigosa do que parece — e os amigos acabam se envolvendo em muitos problemas por causa dela.

Parece uma trama de um filme da Sessão da Tarde da década de 1980 e foi justamente essa a sensação que eu tive ao começar a jogar Crossing Souls. Está tudo lá: um grupo de crianças curiosas que se envolve em algum acontecimento estranho, um artefato mágico, vilões cujas ações são exageradas, e até mesmo músicas repletas de sintetizadores. A ambientação é bem acertada com a cidadezinha tipicamente americana com direito à cinema local, um fliperama, quadra de basquete e tudo mais. A detalhada pixel art traz um ar charmoso e retrô à aventura. Destaque especial para pequenos vídeos animados que simulam fitas VHS, com direito àquelas interferências na imagem e tudo mais.


Durante a jornada, controlamos um grupo crianças, cada qual com habilidades distintas. Chris ataca com um taco de baseball, consegue pular e se agarrar a vinhas e escadas. Já Matthew é o nerd do grupo, sendo assim ele flutua por curtas distâncias com seus tênis propulsores e dispara lasers com uma arma produzida por ele próprio. O gordinho e negro, Big Joe, é o mais forte do grupo, sendo capaz de se defender de ataques e empurrar caixas. Charlie, a única garota do grupo, utiliza uma corda para acertar os obstáculos rapidamente, além de ser utilizada também como estilingue para alcançar locais distantes. Já Kevin, além de também conseguir pular, é dono da incrível habilidade de colocar o dedo no nariz. Por conta dos movimentos distintos, precisamos trocar constantemente de personagem para avançar.

Ideias legais, execução mediana

Mas afinal, do que se trata o jogo? Ele é um título de aventura com momentos de ação, plataforma e alguns puzzles. Misturar estas características é algo muito explorado no mundo dos games, então imaginei que seria oferecida uma experiência divertida. Infelizmente, Crossing Souls falha ao desenvolver mal os conceitos que se propõe e se perde no meio do caminho.


O começo da jornada é ótimo. No controle de Chris, temos que encontrar os outros membros. Para isso, exploramos o bairro de Tujunga, em Los Angeles, e é divertido ver as várias referências espalhadas pelo mundo, desde algumas bem óbvias, como posters de filmes, até outras bem obscuras — o foco é a década de 1980, porém há a presença de coisas mais modernas, como uma referência à série Breaking Bad. A atmosfera é leve, passando a sensação de que o jogo será uma aventura com foco na história e puzzles, com eventuais combates.

Depois do prólogo, tudo muda. Ao invés de grandes áreas para explorar livremente, o jogo assume a estrutura de fases bem lineares e sequenciais chamadas de “capítulos”. O foco, então, passa a ser derrotar inimigos, resolver alguns puzzles e superar desafios de plataforma. O problema é que todos esses três aspectos são simplórios.

O combate, basicamente, consiste em apertar o botão de ataque repetidamente. Até existem alguns inimigos diferentes, porém não é necessária muita estratégia para derrotá-los. Cada personagem tem um estilo de luta diferente, mas, na prática, tanto faz: na maior parte do tempo utilizei Charlie por ela ser a mais rápida e raramente precisei usar outro herói. Nos confrontos com os chefes aparecem algumas partes em que um personagem específico precisa usar sua habilidade, mas é um uso bem tímido e pontual. Por conta destes aspectos, o combate se torna cansativo e repetitivo muito rápido.


Fora do combate, aparecem trechos de plataforma ou puzzle. Os enigmas são triviais: encontrar e apertar botões, procurar por chaves (normalmente estão na sala ao lado), empurrar uma caixa para alcançar algum local alto, e assim por diante. A maioria é resolvida em questão de segundos — é tudo tão simples que mal consigo me lembrar dos desafios do jogo, são nada memoráveis. Já as partes de plataforma são mais problemáticas, pois os controles não oferecem a precisão necessária para tais desafios. Para piorar, a perspectiva da câmera não deixa muito claro a posição de inúmeros objetos, tornando difícil calcular a distância correta de saltos. Foram várias as vezes em que caí em buracos ou errei saltos por conta desses problemas.

O ritmo piora ainda mais a partir da metade da aventura, intensificando ainda mais os defeitos do jogo. Os já escassos puzzles desaparecem e Crossing Souls vira uma mistura de combates com picos de dificuldade e desafios de plataforma irritantes. Em muitos momentos, precisamos utilizar as habilidades de Chris e Matt para pular por inúmeras plataformas que se movem, mas os controles não dão conta da precisão exigida. Já nas batalhas, aparecem chefes que derrotam os heróis com um ou dois ataques, sendo necessário cuidado extremo para não morrer. Em ambos os casos, falhar é bem punitivo: não é possível pular as cenas não interativas, o que significa rever diálogos ou jogar novamente trechos inúmeras vezes.


Por fim, Crossing Souls capricha demais na nostalgia, mas peca em não desenvolver os outros aspectos narrativos. Eu entendo que a intenção é representar um filme da década de 1980 estrelado por um grupo de crianças, porém, como um jogo que supostamente se propõe a focar na história, ambientação e personagens, é importante desenvolver estes aspectos — e isso não acontece. A trama do jogo se apoia em estereótipos da época e conta com um monte de personagens mal desenvolvidos e caricatos. O pior exemplo é o grupo de heróis: a relação entre eles não é explorada, fazendo com que várias cenas supostamente impactantes não tenham apelo emocional algum. Sendo assim, chegou um momento em que eu não me importava mais com nenhum deles. Há, também, algumas referências extremamente forçadas e que parecem completamente fora do contexto — um exemplo é a presença do Delorean de De Volta para o Futuro, que soa completamente deslocada e aleatória.

Para os nostálgicos

Com forte apelo ao passado, mais precisamente a década de 1980, Crossing Souls agradará mais aqueles que vivenciaram aquela época. A ambientação baseada em filmes clássicos estrelados por grupos de crianças é acertada e as referências são bem divertidas. Mecanicamente, infelizmente, o jogo decepciona com um combate enfadonho, puzzles nada memoráveis e sessões de plataforma irritantes. Sendo assim, Crossing Souls é uma experiência recomendada somente para os entusiastas da cultura pop da década de 1980.

Prós

  • Muitas referências legais à década de 1980;
  • Ótimos gráficos em pixel art;
  • Boa direção de arte e ambientação.

Contras

  • Mecânicas de jogo sem profundidade, repetitivas e cansativas;
  • História simples, repleta de personagens mal desenvolvidos;
  • Desafio desbalanceado por causa de problemas de design.
Crossing Souls — PC/PS4 — Nota: 6.0
Plataforma utilizada para análise: PC

Revisão: Ana Krishna Peixoto

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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