Jogamos

Análise: Celeste (Multi) traz uma intensa aventura de plataforma e autoconhecimento

Desafios complicados, ótimos cenários e personagens cativantes são os destaques deste título indie.


Para confrontar problemas internos, Madeline decide escalar uma montanha, mesmo não sendo uma exímia escaladora. Para desbravar a montanha Celeste, a garota vai ter que enfrentar inúmeros desafios de plataforma em uma jornada de dificuldade acentuada. Pelo caminho, Madeline é forçada a descobrir mais sobre si mesma para sobreviver, ao mesmo tempo em que investiga os mistérios do lugar.

Escalada perigosa

O conceito principal de Celeste é muito simples: no controle de Madeline, escalamos a montanha que dá nome ao jogo. Para avançar, a garota pode pular os obstáculos, escalar paredes e executar um dash aéreo para alcançar locais de difícil acesso. Cada tela consiste em um desafio de plataforma 2D focado, inicialmente, na ação de pular.

As primeiras telas da aventura parecem triviais e fáceis, mas bastam alguns poucos minutos para Celeste mostrar suas reais intenções. As mecânicas e os comandos são acessíveis, porém, a complexidade dos desafios aumenta a cada fase, exigindo criatividade e insistência. Este é mais um daqueles jogos de plataforma 2D difíceis, entretanto, a ação é bem mais lenta e suave, quase meditativa.


Sendo assim, morrer bastante faz parte da experiência de Celeste. Durante a jornada, perdi as contas de quantas vezes joguei Madeline em um buraco ou em espinhos. Pode parecer enfurecedor, mas percebi que cada morte me ensinou algum truque novo essencial para poder superar os desafios. Renascer, aqui, é bem rápido, o que contribui para que a experiência não seja muito traumática — algo necessário, já que cada capítulo do jogo consiste em dezenas de pequenas fases.

Complicações divertidas pelo caminho

O que mais me encantou em Celeste foi seu excepcional level design. Cada tela explora as habilidades de Madeline de maneira única, sempre exigindo que o jogador experimente as possibilidades. Algumas soluções são bem complicadas e me trouxeram a sensação de estar resolvendo um puzzle e é impressionante como somente três ações são exploradas de maneiras distintas — o desafio, aqui, é dominar os perigos do ambiente. Além disso, em algumas situações, o jogo oferece mais de uma solução para o mesmo desafio, tornando-o perfeito para speedrunners.

Fiquei surpreso, também, com a variedade de situações presentes na aventura. Botões, estruturas e perigos trazem um ar de novidade a todo momento — sempre fiquei me perguntando que tipo de desafio inusitado iria aparecer pelo caminho. Em uma cidade abandonada, por exemplo, há máquinas que permitem lançar Madeline para longe e, nesses momentos, pular no momento certo para aproveitar a inércia é a solução. Em outras situações, precisamos ativar botões localizados em locais de difícil acesso para liberar a saída. Já em um terceiro local, o dash afeta o movimento de plataformas. Um dos meus momentos favoritos é quando a garota é perseguida por sombras que imitam seus movimentos, fazendo necessário planejar cuidadosamente a rota para evitá-las. É impressionante como os obstáculos exploram as possibilidades dos movimentos de Madeline.


A dificuldade da aventura é alta, com vários momentos que exigem passos precisos. Por ter alguma experiência no gênero, achei a dificuldade moderada, principalmente ao seguir o fluxo principal. Pelo caminho, estão espalhados morangos voadores e coletá-los foi um grande desafio: para conseguir pegar alguns deles, foram necessários vários minutos e incontáveis tentativas. Esses colecionáveis são opcionais e não afetam a progressão da história, porém, para mim, valem a pena por apresentarem momentos muito interessantes e intensos — a sensação de vitória ao conseguir pegar um morango difícil é muito boa. Há, também, vários segredos bem escondidos pelos estágios. Só não gostei de algumas situações que exigiam precisão quase milimétrica, coisas como usar o dash para atravessar um espaço minúsculo entre espinhos, depois de uma sequência de movimentos complicados. Pode parecer estranho reclamar disso em um jogo cuja proposta é justamente ser difícil, mas não muda o fato de que me senti frustrado com esse tipo de situação — por sorte isso só apareceu em pouquíssimos momentos da aventura.

Celeste conta também com capítulos adicionais chamados de “Lado B”, que são versões alternativas e bem mais difíceis das fases. Essas áreas apresentam obstáculos muito complicados e acredito que são um desafio até mesmo para os jogadores mais experientes. O motivo disso é o design complexo das fases, sendo necessário domínio de técnicas avançadas para conseguir prosseguir. Não são fases impossíveis, basta muita insistência e paciência, tanto é que completei alguns Lado B a muito custo, mas foi por pouco que não joguei o controle pela janela de frustração. E bem, há desafios ainda mais intensos para aqueles que se dedicarem a encontrar tudo.


A intenção dos desenvolvedores de Celeste foi criar uma aventura intensa e desafiadora, porém alguns jogadores podem não gostar disso. Nesses casos, existem opções para facilitar o jogo. Por meio de um menu, é possível diminuir a velocidade da ação (para melhorar precisão de pulos e dashes), tornar Madeline invencível, aumentar a quantidade de dashes aéreos ou até mesmo pular capítulos completamente. Eu não precisei utilizar essa opção (e só a recomendo em último caso), mas achei legal a existência de tantas opções que, com certeza, agradarão aqueles menos habilidosos.
Celeste é, na verdade, uma versão expandida e melhorada do jogo de mesmo nome desenvolvido para a plataforma PICO-8 (um console fictício que simula restrições de máquinas 8-bits). O título original, agora chamado de Celeste Classic, pode ser jogado gratuitamente em browsers e também está presente na versão mais elaborada. Celeste contou com a contribuição dos brasileiros Amora e Pedro, do estúdio MiniBoss — a dupla foi responsável pela arte do jogo e eles também trabalharam no multiplayer competitivo com arqueiros TowerFall

Um mundo cativante

Então, por qual motivo Madeline decidiu escalar uma montanha recheada de perigos? Esse é o ponto central da narrativa de Celeste: a garota encara esse desafio a fim de enfrentar questões internas. Pelo caminho, entendemos aos poucos o que Madeline está sentindo, e são coisas bem relatáveis e verossímeis, mesmo com o toque de fantasia. Ela também conhece alguns outros personagens, cada qual com suas motivações, e as interações com eles desenvolvem ainda mais Madeline — o meu personagem favorito é Theo, um rapaz tranquilo e louco por fotos, ele tem até uma conta no Instagram. A história é simples, porém fiquei cativado com os personagens carismáticos, com os temas abordados, com o texto divertido e com a ótima maneira de resolver os conflitos.


Há uma forte sensação de nostalgia em Celeste, principalmente por conta da direção de arte e música. Os gráficos em pixel art apresentam locais elaborados e repletos de pequenos detalhes, principalmente no fundo dos cenários. Gostei, especialmente, das inúmeras partículas, a iluminação dinâmica e efeitos visuais interessantes, como a distorção do ar ao fazer um dash. Já a trilha sonora tem como base piano e sintetizadores, evocando sentimentos retrô e modernos ao mesmo tempo. As composições são memoráveis e contam com alteração dinâmica: camadas de elementos são adicionados conforme escalamos a montanha, ajudando a enriquecer a sensação de avanço e superação.

Aventura memorável

Celeste é uma experiência que oferece inúmeros sentimentos conflitantes, e esse é o motivo de eu ter gostado tanto da jornada. As mecânicas de plataforma são simples e precisas, empregadas em fases bem desenhadas e difíceis, que me fizeram sentir frustração e satisfação constantemente. A montanha Celeste, com suas localidades belas e misteriosas, oferece motivos para explorar com cuidado os cenários. Gostei, também, de acompanhar Madeline em sua jornada para enfrentar seus demônios internos — os assuntos abordados são bem interessantes. Excepcional em todos os sentidos, Celeste é imperdível.

Prós

  • Mecânicas de plataforma precisas;
  • Grande variedade de situações e dificuldade intensa;
  • Personagens carismáticos e história simpática;
  • Visual e música agradáveis;
  • Modo Ajuda torna a aventura acessível.

Contras

  • Alguns poucos momentos exigem precisão quase milimétrica.
Celeste — PC/PS4/XBO/Switch — Nota: 9.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Ana Krishna Peixoto

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google