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Análise: Assassin's Creed: Origins (Multi) é uma dádiva do Nilo

Origins consegue ao mesmo tempo se revitalizar sem deixar de lado a essência dos jogos clássicos da série.

Assassin’s Creed é uma série que posso falar que acompanho desde a primeira aventura. Eu tinha o CD do primeiro jogo para PC, que infelizmente foi emprestado para alguém e nunca mais voltou. Dramas pessoais a parte, vi tudo começar ali com Altair, o auge com a trilogia de Ezio, as coisas balançarem com Connor e Edward Kenway e depois disso eu perdi a mão. A quantidade começou a afetar a qualidade e a série virou vítima de si mesma, se tornando um monstro que já não sabia mais para onde ir. Embora Syndicate (2015) tenha alguns méritos, ele já mostrava claramente que a fórmula estava desgastada. Era preciso um tempo para respirar.


A Ubisoft entendeu isso e, sabiamente, deu merecidas férias para a franquia, que não teve nenhum lançamento grande em 2016. A pausa era necessária mas por si só não o suficiente para resolver a bagunça. Assassin’s Creed: Origins veio não só para mostrar o começo da ordem dos Assassinos mas para arrumar a casa e levar o nome da série de volta aos bons tempos, apagando todos os erros cometidos no passado. E, felizmente, Origins é exatamente o jogo que Assassin's Creed precisava.



Acho que a melhor forma de começar esta análise é pela história, sempre um ponto tão importante para a série. Origins se passa no ano 48 a.C. no momento em que o Rei Ptolomeu XIII comandava o Egito. Sua irmã Cleópatra VII (a mais conhecida) foi exilada, mas arquitetava planos para retomar o poder. É neste cenário que atuamos como Bayek de Siuá, o último dos Medjay — uma força policial bastante atuante na época dos faraós, mas que aos poucos vai perdendo sua relevância com o passar dos anos.

Em todo o trabalho de divulgação, eu realmente me preocupava sobre o protagonista do jogo, pois muito pouco foi dito sobre ele. Meu medo era que fosse só um boneco qualquer, mas felizmente não é esse é o caso. Bayek é um personagem forte e, apesar de lutar pela justiça e pelo povo egípcio, não é um paladino da armadura branca. Logo no começo descobrimos que a vingança é um dos sentimentos que o move, e ele não faz a mínima questão de esconder isso. Uma hora ele está brincando com crianças e na outra cortando gargantas de vilões. Isso não é um paradoxo, mas sim uma mostra de um personagem humano. Ao longo da aventura suas falas deixam isso claro, sendo sério quando precisa, gentil quando necessário e mandando alguma piada sarcástica quando o momento pede.

Outro personagem que merece destaque é Aya, a esposa de Bayek. Ela é uma guerreira tão forte quando ele, ao mesmo passo que é o seu contraponto quando necessário. Aya é mais visionária, política, enquanto o Bayek se atém a questões mais próximas. E devo dizer que ambos formam um casal muito interessante, sempre trazendo algo novo nas cenas nas quais dividem. Nota-se o quanto são comprometidos um com o outro e mesmo que seus destinos os guiem por rotas diferentes, estão sempre juntos em pensamento. Vale mencionar que jogamos algumas missões com Aya durante a campanha, que mostram um pouco mais da personalidade dela e eu muito jogaria um jogo inteiro com ela como protagonista.

Exceto pela capa, todas as fotos da matéria foram tiradas do meu jogo, usando o modo Fotografia

Além deles, posso falar da Ordem dos Anciões, que são os grande inimigos deste jogo. De início pouco sabemos sobre o que esse grupo quer de fato, e nossa jornada é descobrir o que são e o que querem realmente. Aqui temos outro bom trabalho de criação, pois a Ordem carrega diferentes personalidades entre seus membros. Alguns são vilões odiosos de fato, mas outros trazem boas intenções em seus atos ou cicatrizes do passado que não foram curadas da maneira adequada.

Me aprofundar mais nesse assunto seria um risco de trazer spoilers da narrativa, e uma das graças de Origins é descobrir sobre todo aquele mundo e aquelas pessoas junto com Bayek, mas definitivamente é uma boa história que está sendo contada aqui, sempre te instigando a ir atrás do próximo passo e nos surpreendendo vez ou outra. As boas narrativas também se aplicam às várias missões secundárias: algumas trazem arcos de história bem amarrados, que nos ajudam a nos integrar mais pelo mundo do Egito antigo.

Caçadores da Tumba Perdida

Falando em Egito, o trabalho feito em representar essa região é de tirar o chapéu. As transições entre desertos e áreas verdes, os contrastes entre regiões interioranas com cidades grandes como Alexandria são admiráveis. Reflexos de uma cultura que já possuía mais de dois milênios de existência — as grande pirâmides data de algo em torno de 2500 a.C.. A influência grega em algumas regiões também é notável, com deuses do Olimpo dividindo espaço com as entidades Egípcias.

A construção do mundo em Origins é de forma diferente de jogos anteriores. Tecnicamente você pode ir para qualquer lugar do mapa a qualquer momento, me lembrando o esquema de World of Warcraft, no qual você tem um grande mapa dividido em regiões com inimigos de diferentes níveis. Assim, você pode ir para qualquer lado, mas deve tomar cuidado para não topar com inimigos fortes demais.

A riqueza de detalhes em paredes de templos e tumbas é impressionante.

Essa liberdade te permite dar um tempo na história e sair pelo deserto sem rumo. Não é difícil achar alguma pirâmide ou outra construção pronta para ser descoberta. Esses lugares não costumam ter inimigos, concentrando puzzles e baús, o que deixa você livre para explorar desde o começo da aventura. Ao longo destes lugares geralmente encontramos escritas que nos inserem mais no contexto do Egito antigo. E falando sério, quem nunca quis explorar uma pirâmide?

Como mencionei acima, a diversidade da flora é muito bem trabalhada e do mesmo jeito é a fauna local. Hipopótamos, hienas, leões, águias, todos podem ser um risco em potencial. Nas cidades, cachorros, bois e principalmente gatos sempre aparecem. Aliás, dá para fazer carinho nos gatos, é só se abaixar do lado deles.

Somos Assassinos

Temos ótimos personagens, um mundo vasto e rico mas só isso não faz um bom jogo. Origins trouxe mudanças para alguns sistemas já estabelecidos na série e que acabaram funcionando muito bem, ajudando nessa repaginada necessária para Assassin's Creed.

Como muitos podem ter visto em vídeos ao longo dos meses, há muitos elementos de progressão de RPG agora: armas de diferentes níveis e raridades, pontos para serem distribuídos em árvores de talentos, uma barra de adrenalina que funciona como uma espécie de Limit Break, criação de itens que aumentam seu dano, seus pontos de vida ou lhe dão algum status especial. Essas mudanças, embora “comuns” nos games, ajudam a dar uma nova cara a Origins.

O combate (finalmente) mudou também. Mais cadenciado, demanda mais técnica e menos “apertação” de botão. Ainda não é fluido como Batman: Arkhan Asylym ou extremamente técnico como Dark Souls mas a evolução em relação ao passado é clara. Ainda meio injusto quando juntam diversos oponentes, mas é um grande e ótimo passo na direção certa.


A Visão de Águia agora é literal, com o pássaro Senu te ajudando a localizar objetivos, funcionando como um drone de reconhecimento. Por um lado, isso é bom, pois dá um raio de ação bem maior para reconhecimento, mas eu confesso que depois de um tempo sempre ter que chamar a Senu cansa um pouco. Nesse sentido, ainda nada supera o sistema de Metal Gear Solid V: The Phanton Pain, no qual identificamos inimigos com o próprio personagem, usando uma visão especial. Mas pelo menos a Águia me ajuda nos combates.

Falando em Metal Gear, uma semelhança que o jogo da Ubi tem com a obra de Hideo Kojima é a liberdade de escolhas para executar missões. Estudar o terreno antes de uma invasão é primordial para saber os recurso que você terá a mão. Ser furtivo vai requerer mais astúcia e paciência, enquanto uma atitude explosiva pode aumentar muito a dificuldade para completar a missão. Ao se enfrentar muito inimigos juntos, sempre aparecem arqueiros que te deixam perdido, mas a opção ainda existe.

Apesar de todas essas mudanças, nada disso descaracterizou o jogo. Talvez por sempre ter narrativas muito melhores do que as mecânicas, o que vemos aqui parece uma evolução natural e necessária para Assassin's Creed do que uma descaracterização. Novamente uso o termo “liberdade”, que sempre foi símbolo da trama e, por vezes, esbarrava em obstáculos técnicos, finalmente foi conquistada. Eu, como jogador, posso moldar meu personagem como um assassino que mais se adaptar ao meu estilo.


Os encantos do Egito

É incrível o que vou dizer agora, mas tecnicamente Origins também faz muito bonito. Estou jogando em um PC que já ruma para o seu terceiro ano e o jogo está rodando liso, nas configurações altas. Praticamente não encontrei bugs, às vezes algum personagem repetindo fala ou um animal travado, mas são situações pontuais. Não lembra nem de longe os horrores que vimos em Unity.

Um último aspecto que merece comentários é o seu modo Fotografia. Diversos outros jogos tem isso, mas nenhum deles se passa no antigo Egito e têm visuais incríveis criados em Assassin’s Creed. Não foram poucas as vezes que me peguei “turistando” pelo mapa, andando por lugares só para tirar boas fotos. Essas imagens tiradas são compartilhadas no mapa, então você também pode ver as obras de outros jogadores. O único ponto ruim é que o game não gera automaticamente um arquivo jpeg, eu tenho que manualmente tirar uma foto pela uPlay.


A única coisa que realmente me deixou triste é a dublagem do jogo. A qualidade em relação as vozes originais em inglês é absurdamente inferior, o que é bem estranho, pois nesse ponto Syndicate faz um bom trabalho nesse aspecto. Em geral, são aquelas vozes sem emoção com um baixo nível de interpretação. Eu recomendo jogar legendado, até porque os textos ao menos estão bem adaptados ao nosso idioma.

A Origem da Irmandade

Um período de férias sempre faz bem e com Assassin’s Creed: Origins não foi diferente. O jogo que conta o início da ordem dos Assassinos nos remete aos pontos altos da série com um protagonista e história interessantes ao mesmo tempo que atualiza mecânicas para não se tornar só mais uma cópia de si mesma. O cenário do Egito Antigo é um ótimo lugar para o regresso da franquia, um ambiente com diversas belezas naturais e construções que nos encantam até hoje, tudo reproduzido de maneira primorosa.

Para aqueles que estavam sentindo falta dos Assassinos, Origins é a volta gloriosa que, na minha opinião, não deve em nada para a trilogia de Ezio, o ponto alto da franquia. E que daqui em diante a série não se perca novamente em si mesma, priorizando a qualidade e enfatizando os potenciais que já mostrou possuir.

Prós

  • Ótima replicação do Egito Antigo;
  • Personagens interessantes e uma boa história;
  • Liberdade de exploração;
  • Reformulação do sistema de combate;
  • Modo Fotografia.

Contras

  • Dublagem em PT-BR muito fraca;
  • Uso de Senu como “drone” cansa depois de muito tempo.

Assassins Creed: Origins — PS4, PC, XBO — Nota: 9.0
Versão usada para análise: PC

Revisão: Ana Krishna Peixoto


Formado em Game Design, desistente da Matemática Aplicada e atualmente cursando Jornalismo. Ainda aguardo o retorno triufal da Sega, fã de Metal Gear, Dark Souls e várias coisas vindas lá do Japão.
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