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Análise: The Legend of Heroes: Trails of Cold Steel (PC) é um JRPG cativante e excepcional

O título da Falcom chega ao PC com várias melhorias que torna a experiência mais prazerosa.


Nos últimos anos, vários RPGs japoneses finalmente foram lançados para PC, que era uma plataforma conhecida por nunca receber esses títulos. A desenvolvedora nipônica Nihon Falcom, conhecida principalmente pela série Ys, tem portado seus jogos para computadores e a recepção tem sido boa. The Legend of Heroes: Trails of Cold Steel é a adaptação mais recente da companhia a chegar ao PC. O RPG tinha sido lançado anteriormente para PlayStation 3 e PS Vita e tem como novidades melhorias gráficas, mais diálogos dublados e um recurso que permite acelerar a ação.

Amizade e conflitos em um império militar

A trama de Trails of Cold Steel se passa no mesmo universo da série Trails in the Sky, contudo é uma história completamente nova e independente, perfeita para novos jogadores. O foco é o império de Erebonia, uma nação com grande poderio militar cuja sociedade é dividida em nobreza e cidadãos comuns. Nesse contexto, acompanhamos Rean Schwarzer, um garoto que ingressa na academia militar Thors. Lá, o rapaz é colocado em uma nova turma, chamada Class VII, composta por membros de diferentes classes sociais.

Normalmente as turmas desta academia são compostas exclusivamente de nobres ou cidadãos comuns, reforçando a segregação do império, porém, há o motivo da turma de Rean ser diferente. Todos os membros da Class VII mostraram aptidão para usar uma nova tecnologia chamada ARCUS, que permite que aliados obtenham maior efetividade em combate. Sendo assim, os estudantes dessa turma especial vão ter que resolver suas diferenças para aprender a usar a ARCUS e superar os desafios.


Com um império e uma academia para cadetes como cenários, eu esperava que a trama de Trails of Cold Steel tivesse forte temática militar, mas o foco é completamente outro. Em boa parte do tempo, o jogo retrata o cotidiano escolar: os alunos participam de aulas, testes, atividades em clubes e excursões externas. Há, também, forte presença de fantasia com magia, predominância de armas brancas (espadas, lanças) e muitos monstros. Para mim, o resultado foi um JRPG mais tradicional que utiliza recursos comuns do gênero com um leve toque contemporâneo.

Na maior parte do tempo, Trails of Cold Steel explora as relações entre os membros da Class VII, principalmente seus conflitos interpessoais e internos. Bastaram algumas poucas horas para eu perceber que essa era uma das melhores características do jogo: o elenco de heróis é bem diverso e todos eles são muito carismáticos. Quando dei por mim, estava torcendo para que Machias e Jusis resolvessem suas diferenças, ou então queria saber o motivo exato de Alisia ser tão bruta — conhecer melhor os personagens foi uma grande motivação. Claro, eles são um pouco estereotipados e algumas coisas são bem previsíveis, mas me cativaram mesmo assim.


Algo que me decepcionou um pouco é como o jogo trata a questão do império. Erebonia é uma nação cuja divisão entre nobres e plebeus é supostamente bem forte, logo imaginei que o assunto fosse muito explorado na trama. Boa parte dos conflitos na trama surgem dessa condição social, mas infelizmente o tratamento é bem superficial, o que me trouxe a sensação de que na verdade a condição social não faz tanta diferença assim no mundo de Trails of Cold Steel, ao contrário do que os personagens afirmam.

Vida de estudante

O fluxo da aventura em Trails of Cold Steel é composto de ciclos. Em cada capítulo, Rean tem um dia livre, uma prova prática de combate e uma excursão para alguma cidade do império, nessa ordem. Na prática, quando estamos em controle do protagonista, resolvemos missões, como derrotar algum monstro, conseguir algum item ou conversar com algumas pessoas. O jogo é extremamente linear e não é possível revisitar localidades de capítulos passados — por sorte há algumas missões opcionais escondidas.

Nos dias de folga, além de resolver as missões, Rean pode passar tempo com seus colegas da Class VII a fim de estreitar seus laços, o que concede benefícios em batalha quando ambos estão ligados pelo dispositivo ARCUS. Essas cenas adicionais também revelam mais detalhes dos personagens e suas motivações, ajudando a construir ainda mais todos eles. Já nas excursões, o grupo viaja para alguma região do império para resolver tarefas e conhecer o mundo e são nesses momentos que exploramos outras localidades de Erebonia.


Esse tipo de estrutura é muito comum em JRPGs e Trails of Cold Steel não tem intenção de fazer diferente, pelo contrário. Quando vi a temática de “escola militar” eu imaginei que o ciclo de jogo seria parecido com o dos títulos recentes da série Persona e seus calendários variados, mas na prática o andamento é de um JRPG clássico. Pode parecer um pouco repetitivo, porém a variedade de situações é grande, mesmo dentro do ciclo básico de atividades — não fiquei entediado em nenhum momento. A ótima ambientação, com o mundo ricamente construído, também contribui para a variedade. Boa parte da construção do mundo e seu povo se dá por meio de livros e inúmeros NPCs, o que deixa ainda mais prazeroso o ato de explorar os cenários e conhecer o mundo.

Algo que me incomodou foi o ritmo da história. O título conta com uma grande trama conspiratória por trás, contudo ela é revelada muito lentamente e só começa a realmente tomar grandes contornos para lá da metade da jornada. Entendo que esse é o primeiro jogo de uma trilogia, o que significa introduzir o mundo e personagens, porém essa lentidão pode trazer uma leve sensação de cansaço.


É fato que Trails of Cold Steel não é um jogo graficamente incrível (e nem há intenção disso), o que resulta em um visual somente aceitável, lembrando um título de Dreamcast. O que me incomodou foi a direção de arte: Erebonia é uma nação militar, mas ela parece mais um simples mundo de fantasia comum de JRPGs. Há uma ou outra localidade interessante, entretanto, no geral o visual do mundo não é nada especial. Por sorte, a trilha sonora é ótima e conta com composições memoráveis, como os excelentes temas de batalha.

A força dos laços nos combates

O combate de Trails of Cold Steel é facilmente o maior destaque do JRPG. O sistema é por turnos e incorpora várias características: posicionamento de personagens na arena, ataques combinados, técnicas especiais, feitiços, linha do tempo, entre outros. O resultado é um combate altamente estratégico e variado, sem deixar de ser ágil. Há um pouco de customização por meio de orbes que melhoram características dos heróis e dão acesso a feitiços. No começo é um pouco complicado gerenciar tantas variáveis, mas com o tempo o jogo dá ferramentas para aprender tudo — rapidamente já estava atrasando os turnos dos inimigos, desferindo golpes combinados e posicionando meu time de acordo com a necessidade.


Há também um sistema que liga uma dupla de personagens, o que permite que eles ataquem em conjunto após explorar uma fraqueza do inimigo ou acertar um golpe crítico. No começo não faz tanta diferença assim por conta da força reduzida, porém, conforme a história avança novas técnicas em conjunto aparecem, o que deixa esse recurso bem útil. Os laços de amizade são importantes: conforme o nível dos relacionamentos avançam, novas técnicas de suporte são liberadas, como contra-ataques, coberturas e ações de cura.

Algo que gostei bastante no combate do jogo é o fato de ele ser balanceado e não exigir o temível grind tão comum no gênero — o foco é dominar as habilidades dos heróis para sair vitorioso. Boa parte dos combates normais podem ser vencidos sem muito esforço, no entanto, situações mais complicadas e novos elementos aparecem de tempos em tempos. Um exemplo são os chefes: fui derrotado em vários desses confrontos quando agi de qualquer jeito e só consegui vencer após rever minhas estratégias e explorar as oportunidades. O desafio é justo e outros níveis de dificuldade estão disponíveis para aqueles que desejam combates mais difíceis.


Uma adaptação repleta de opções

Trails of Cold Steel foi lançado originalmente para PlayStation 3 e PS Vita, e agora foi portado para PC. O responsável pelo projeto foi Peter "Durante" Thoman, que é conhecido por analisar tecnicamente e corrigir ports de jogos. Em relação à versão para os consoles da Sony, a versão para PC teve a parte técnica melhorada e conta com carregamentos bem mais rápidos, taxa de quadros mais estável e opções de baixo custo de processamento, o que permite que o título seja jogado em configurações mais modestas.

Ao invés de uma simples adaptação, vários elementos foram adicionados. Um deles foi a inclusão de mais diálogos dublados, principalmente os do protagonista Rean — algo que faz mais diferença para quem já jogou a versão anterior. A principal novidade são as várias configurações gráficas: é possível alterar a taxa de quadros, filtragem de polígonos, qualidade das sombras e muito mais. Os filtros fazem com que o jogo fique graficamente mais agradável, por mais que a visual não mude muito por conta dos modelos e cenários simples.


A minha adição preferida é um botão dedicado a acelerar a ação, a exemplo de outros ports recentes, como Final Fantasy XII: The Zodiac Age (PS4). Ao segurar o botão RT, o “Turbo Mode” é ativado e tudo fica mais rápido, o que torna mais ágil o processo de explorar as grandes regiões do jogo. A ação rápida também funciona em combate e pula automaticamente as animações de ataque e especiais. O recurso, que é customizável, foi bem implementado, o que significa que a música e dublagem não é acelerada e que a ação volta ao normal quando o jogador precisa realizar alguma ação, como ativar o ataque conjunto durante o combate. Por fim, foi adicionado também salvamento automático.

Um ótimo início para uma grande saga

The Legend of Heroes: Trails of Cold Steel é um JRPG repleto de qualidades. O jogo empolga com seus personagens carismáticos, excelente sistema de batalha e seu mundo bem construído. A adaptação para PCs trouxe várias novidades bem-vindas, como melhorias gráficas e possibilidade de acelerar a ação, o que deixa a jornada ainda mais agradável. A trama demora um pouco para ficar interessante e o visual deixa um pouco a desejar, entretanto os sistemas de jogo compensam os defeitos. Trails of Cold Steel é só o começo de uma trilogia e não vejo a hora de conferir os capítulos seguintes.

Prós

  • Personagens cativantes;
  • Sistema de batalha complexo e divertido;
  • Mundo rico e bem construído;
  • Muitas opções de melhorias gráficas;
  • Possibilidade de acelerar a ação.

Contras

  • História de desenvolvimento lento;
  • Direção de arte sem inspiração em alguns momentos.
The Legend of Heroes: Trails of Cold Steel — PC — Nota: 8.0
Revisão: Ana Krishna Peixoto

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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