Crônica

Todo mundo tem seus pecadilhos

Games que jogamos e hábitos que praticamos, mas temos vergonha de admitir: as confissões e depoimentos de um jogador cansado do tabu acerca disso.


Quando um jogador alcança o chamado “nível hardcore” em relação ao seu hábito de jogar videogames, é levemente comum que haja alguma espécie de diferenciação e estranhamento aos hábitos desses “casuais nojentos” (do inglês, filthy casuals) que ainda não alcançaram o nirvana gamístico e desenvolveram uma capacidade de discernimento do que é bom e ruim.


No entanto, estamos sendo justos? Eu me pergunto isso porque, com certeza, todo gamer que teoricamente já transcendeu tais gostos mundanos ainda, com certeza, na calada da noite, talvez, comete seus pecadinhos.

Sim, é duro assumir isso. Muitos de nós, senão todos, passam por momentos de negação, com desculpas de “eu jogo, mas não gosto” ou a clássica “estou jogando para atestar que é ruim”. Quantos de nós já não jogamos algo que, de maneira forçada, consideramos, à primeira vista, ruim? Quantos de nós já não perdemos dezenas ou centenas de horas naquele título que é muitas vezes mal visto pela comunidade?

É por isso que o que você irá ler a partir daqui, caro leitor, é nada mais do que um confessionário. É uma forma de deixar de exemplo que não tem problema nenhum ter aquele gosto que o senso comum consideraria impróprio ou de realizar uma prática que moralmente difamaria a sua imagem.


Para começar, afirmo com a boca cheia que eu acho Assassin’s Creed brilhante. Eu considero a franquia em em si um exemplo concreto e bem-sucedido de marca transmídia, ou seja, uma narrativa que transita entre as mais diversas mídias, mas que integram uma única e gigantesca história.

Também acho que uma parcela considerável dos jogos é boa. Vamos dar nome aos bois: Assassin’s Creed II, Brotherhood, Black Flag e Syndicate são ótimos. O primeiro jogo e o Revelations são regulares para o bom, com o III sendo regular para ruim. O único Assassin’s Creed que eu considero ruim, para valer, é o Unity. O Rogue também é, mas quem diabos liga para o rogue?

Acho que há muita resistência em relação à franquia mais pelo fato de como a Ubisoft descobriu que ela pode se tornar uma pilastra para a empresa. Eu concordo que a forma como a empresa ordenha o jogo chega a ser mesmo decepcionante, mas muitos dos resultados são realmente satisfatórios e me divertiram por várias horas. Acho que seria hipocrisia, pessoalmente falando, negar isso. Tanto que, durante essa última E3, eu realmente achei aquele Sea of Thieves algo pouco fenomenal porque eu considero de verdade que o Black Flag seja um marco em relação a jogos de pirata.

Mais uma confissão que eu gostaria de fazer e que já vi causar certo desconforto em relação à comunidade é que eu detesto os sensores de movimento do Wii. Acho tudo aquilo uma baita palhaçada, mesmo sendo o que consolidou o aparelho como o mais vendido de sua geração. Não me leve a mal, o console é um dos meus favoritos, talvez venha logo atrás do Nintendo 64 em relação ao carinho, mas isso é tudo por conta de sua biblioteca de jogos. Essa parada do sensor de movimento perde a graça depois do segundo mês de uso.



Outro vício que eu realmente não consigo superar é o que eu tenho por simuladores de futebol. E eu não estou me referindo a pouca coisa: você está lendo o texto de um cara que platinou o PES 2017 sem nem perceber ou sequer querer isso — eu vi uma conquista sendo desbloqueada, fui checar o resto por curiosidade e, para o meu espanto, só faltava uma a ser fechada e era uma situação de jogo totalmente simples de simular. Estou em dúvida se na minha próxima compra eu escolho um Switch ou um PS4 e realmente estou inclinado a escolher a segunda justamente porque a primeira não vai ter PES, visto que o FIFA não tem meu time do coração. Houve situações em que eu comecei a jogar para passar o tempo e quando me dei conta, tinha passado seis ou sete horas ininterruptas na frente da TV.

Considerando tais atos, é por isso que, hoje, eu dificilmente olho torto para qualquer um que compre um console só para jogar Call of Duty. Antigamente, isso para mim seria algo completamente rechaçável. Mesmo que até hoje eu não goste de GTA, eu realmente não vou ter mais problemas em ouvir que alguém é viciado no joguinho. Eu posso até brincar aleatoriamente com “alguém realmente joga games de corrida a sério?” ou coisa do tipo, mas, no fundo, acho de verdade que cada um gosta do jogo que quiser e que vários desses games que são menosprezados pela comunidade hardcore têm lá a sua qualidade, o seu valor.

É por isso que eu convoco todos vocês a admitirem algumas dessas práticas. É algo saudável a se fazer e você fica bem consigo mesmo.  Conte aí para a gente nos comentários. Quem não tem teto de vidro que atire a primeira pedra.
Luigi Santana

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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