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Análise: Mafia III (Multi) traz uma boa história limitada pelo gameplay

O novo jogo da Hangar 13 é influenciado por GTA, entretanto possui personalidade.


Mafia III (Multi) não é o novo Grand Theft Auto. À primeira vista essa afirmação pode parecer óbvia, pois além de serem séries com ambientação e mecânicas distintas, cada uma delas é desenvolvida por um estúdio diferente, o primeiro foi feito pelo Hangar 13, enquanto todos os jogos da série GTA foram criados por estúdios subsidiários da Rockstar.


Infelizmente, Mafia não é o primeiro nem o último jogo a sofrer com essa comparação. Muitas séries de mundo aberto em terceira pessoa que se passam na contemporaneidade, como Saints Row e Sleeping Dogs, também são frequentemente lesados com isso.

Todos esses jogos de alguma maneira se inspiraram não apenas na série GTA como também influenciaram uns aos outros, principalmente quando pensamos em suas mecânicas, e Máfia III, é claro, não é uma exceção.

O roubo de veículos, por exemplo, está presente no novo título do Hangar 13, mas de uma maneira um pouco distinta, porém ainda desafiadora.  Ao contrário do game anterior da franquia, não é preciso realizar qualquer espécie de puzzle para abrir a porta e ligar um carro. No entanto, se você for visto por alguém, há a possibilidade de que o cidadão ligue para a polícia, que imediatamente começará a persegui-lo. Diferente de outros jogos do gênero, se atirar nas águas do rio que cruza a cidade não os despistará.

A única maneira rápida e segura de pôr fim a esta perseguição é entrar em contato com os seus companheiros: ligar para um de seus contatos e pedir que inutilizem temporariamente as linhas telefônicas, realizar outro telefonema, mais direto, para que um de seus capangas suborne os policiais e estes momentaneamente ignorem as atrocidades cometidas, ou ainda pedir para que reforços armados ajudem com o seu contratempo. Essas ações, entretanto, geralmente requerem um pagamento muito elevado e podem fazer com que você empobreça rapidamente, o que dificultaria seu avanço no jogo. Em outras palavras, é preciso sempre planejar e agir com cautela.

Outra distinção de Mafia III está na relação com a corporação policial. O modo de agir da polícia de Mafia III levantou um grande polêmica entre os jogadores. Diferente dos títulos anteriores da série, durante as abordagens os agentes não tentam sequer render o protagonista, simplesmente atiram nele até que este morra. O problema é que não se sabe se isso ocorre para evidenciar o racismo exacerbado da década de 60, afinal de contas Lincoln é um personagem afro descendente, que é o mais provável, ou se foi uma mera preguiça por parte dos desenvolvedores.

Ainda em relação às mecânicas, a inteligência artificial da polícia é pouco realista, de modo que esta só irá confrontá-lo quando você for denunciado por roubo e porte de armas ou literalmente bater em uma viatura, ou seja, pode correr em alta velocidade e passar pelos sinais vermelhos à vontade.

Em   compensação os demais adversários possuem uma IA muito bem trabalhada, pois não se limitam a um único e mesmo padrão. Por exemplo, quando um informante ou algum outro alvo escapa este nunca o faz da mesma maneira. Ele pode roubar qualquer um dos veículos próximos ou fugir a pé, seja como for, ele nunca realiza o mesmo trajeto.

Era uma vez em New Bordeaux…

No final dos anos 60, após anos de combate no Vietnã, Lincoln Clay retorna ao seu antigo lar e se reencontra com aqueles os quais ele considera como sua família, a máfia negra de New Bordeaux. Entretanto, após um trágico evento, seus companheiros são traídos pela máfia italiana e Lincoln é o único sobrevivente. Agora cabe a ele construir uma nova família, dominar cidade e se vingar daqueles que tentaram assassiná-lo.

O crime e a cidade 

Mas com tanta influência de outros jogos do gênero, o que realmente distingue Mafia III dos demais e o torna original? Para começar o game é narrado de duas maneiras diferentes e ao mesmo tempo complementares: a primeira é no formato de um documentário composto dos sobreviventes da vingança de Lincoln Clay, ou seja, ocorre após o término da história do jogo. A segunda mostra a trama através dos olhos do próprio Lincoln á medida que o personagem cresce e passa de vítima a um dos maiores mafiosos da região.

Isso torna a narrativa do game mais completa e crível, afinal de contas é preciso de uma segunda perspectiva para evidenciar que Lincoln definitivamente não é um herói, mas é também, ao mesmo tempo, uma vítima de seu meio.

As fortes cenas de nudez, violência e linguajar vulgar também são elementos que tornam o título bastante singular. Enquanto as séries GTA e Saints Row aliviam todo seu erotismo através de tarjas e cortes de cena repentinos, Mafia III é um dos poucos jogos das atuais plataformas que realmente possui cenas explícitas. A violência também é bastante evidenciada, principalmente quando você percebe que alguns dos adversários não morrem imediatamente. Após o fim do confronto, ficando gemendo e agonizando no chão por alguns segundos. Quanto ao linguajar, raramente há um diálogo no qual palavrões e xingamentos de apelo sexual não sejam mencionados, principalmente quando Lincoln discute com seus rivais.

É claro que tudo isso não é puramente gratuito e acontece dentro de certo contexto, que é justificável e compatível com a ambientação da Nova Orleans do final dos anos 60, na qual a cidade fictícia do jogo é inspirada. Por exemplo, logo nas primeiras horas de jogo, existem algumas missões que tem por objetivo pôr fim a algumas casas de prostituição que, na verdade, servem de cativeiro para escravas sexuais de descendência africana. E, de fato, nessa época, o sul norte-americano era extremamente racista a ponto de escravizar pessoas às escondidas, mesmo a prática tendo sido abolida há muitas décadas atrás.

Apesar de o jogo ter sido classificado como Mature, inapropriado para menores de 18 anos no Brasil, há um limite para tudo isso. As cenas mais fortes, como o ato sexual e tortura, não são efetivamente mostradas, mas apresentadas através de descrições durante o documentário ou representadas através de determinados movimentos dos personagens em questão.

A exploração da cidade e a coleta de colecionáveis também tem um papel narrativo e de ambientação. Como é comum é jogos de mundo aberto, há colecionáveis de diversos tipos que podem ser adquiridos enquanto você explora a cidade, entretanto diferente da maioria dos títulos, esses realmente valem a pena serem pegos, devido ao fato de serem extremamente interessantes tanto historicamente quanto, digamos, para uso pessoal. Trata-se de edições da revista Playboy, Hot Rod e Repent, além das obras de arte do polêmico Alberto Vargas, pôsteres pró-comunismo e as capas dos grandes álbuns musicais da época.

O lado sujo de New Bordeaux 

Uma ambientação única e de qualidade, infelizmente, não inibe o jogo de duras críticas, incluindo alguns erros grosseiros. O principal deles é o fato das missões principais, que são obrigatórias para alcançar a conclusão, serem extremamente repetitivas.  O foco central delas, na verdade, é bem diversificado e consistente: desde matar e interrogar personagens chave até roubar e destruir cargas preciosas para máfia italiana e seus aliados.

O problema é que as práticas exigidas para alcançar essas metas são sempre as mesmas, com poucas variações. Podemos resumi-las em confronto direto ou indireto. Em outras palavras, você pode encará-las de modo ofensivo, entrar atirando até todos os adversários serem mortos, ou defensivamente, utilizando de furtividade, sem necessariamente matar ninguém. Enfim, as missões geralmente requerem o uso das mesmas mecânicas, o que muitas vezes torna o jogo entediante e cansativo.

As   promessas não cumpridas também contribuíram bastante para tirar parte do brilho do título. Ao contrário do que foi anunciado pelo próprio Hangar 13, não é possível customizar esteticamente seu personagem nem veículos e, apesar da desenvolvedora ter prometido adicionar gratuitamente este elemento em um futuro próximo, isso decepcionou um pouco aqueles que já adquiriram o jogo.

Outra desagradável surpresa foi à limitação do game a 30 FPS (quadros por segundo) colocada propositalmente para disfarçar a má otimização do mesmo. A desenvolvedora, no entanto, agiu rapidamente, revertendo situação poucas horas após o lançamento do título, porém ele ainda sofre de problemas de desempenho, mesmo nos melhores computadores.

Perturbador em todos os sentidos 

O novo jogo do Hangar 13 nunca teve esta pretensão de competir ou mesmo se tornar o novo GTA. Pelo contrário, ele possui uma ambientação própria, que tem por objetivo realmente chocar aqueles que tomam contato com jogo, chamando a atenção para os preconceitos e os conflitos raciais que marcaram este período histórico.
Infelizmente, o enredo e cenário são reféns de missões extremamente repetitivas e de promessas não cumpridas que ofuscam um pouco o título, mas estão longe de tirar todo o seu brilho. Sendo assim, recomendo Mafia III a todos aqueles que colocam a história e seus personagens acima de qualquer mecânica.

Prós 

  • Cenários belos e detalhados;
  • História complexa;
  • Inteligência artificial bem trabalhada.        

Contras

  • Quests repetitivas;
  • Problemas de performance;
  • Promessas não cumpridas.
Mafia III — PC/PS4/Xbox One — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Pedro Vicente

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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