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Análise: I am Setsuna (Multi) é nostalgia em forma de JRPG

O título da Tokyo RPG Factory retoma características clássicas e traz uma aventura simples, porém divertida.

Os RPGs japoneses têm tentado se reinventar nos últimos anos com a presença de narrativas complexas, sistemas focados na ação e muita grandiosidade. Contudo, ainda há quem prefira uma aventura mais clássica, que remeta aos títulos das eras 16 e 32 bits. I am Setsuna, primeiro trabalho do estúdio Tokyo RPG Factory, retoma características de RPGs do passado, principalmente com a presença de batalhas por turnos e uma jornada para salvar o mundo. Com forte apelo à nostalgia e alguns sistemas modernos, o jogo lançado para PlayStation 4, PC e Nintendo Switch tem tudo para agradar veteranos e novatos.

Desolação em um mundo repleto de gelo

Neve, ataques constantes de criaturas e muita melancolia pautam a temática de I am Setsuna. Nesse mundo gelado, de tempos em tempos, uma garota é oferecida como sacrifício aos monstros para proteger a humanidade. Acompanhamos Setsuna e seus companheiros em uma jornada rumo às Last Lands e oferecer sua própria vida para acabar com o sofrimento das pessoas. O interessante é que, na verdade, controlamos um mercenário chamado Endir: ele recebeu a tarefa de assassinar o novo sacrifício, mas ele acabou aliando-se a ela.


É uma trama típica de heróis que tentam salvar o mundo. Pelo caminho, exploramos um mundo no qual as pessoas vivem em medo constante, o que faz com que tomem medidas desesperadas em alguns momentos. Há situações felizes, mas o tom geral é sombrio e melancólico. Os heróis seguem estereótipos já conhecidos: a gentil garota disposta a se sacrificar mesmo sabendo que a morte a espera no final de sua jornada; o guerreiro sério com passado complicado; o garoto energético de uma tribo inusitada; e assim por diante. Há algum desenvolvimento em relação aos protagonistas, mas no geral eles são bem simples. Mas, mesmo assim, gostei dos heróis, principalmente por conta de suas aparências únicas — destaque especial para o mercenário Endir e a própria Setsuna.

Aventura de moldes já conhecidos

I am Setsuna segue a fórmula básica de JRPGs e a ação é dividida entre combates e exploração de cenários. O grupo visita cidades, florestas, montanhas e ruínas a fim de alcançar as Last Lands. O escopo das regiões é reduzido: os calabouços são bem pequenos, o mapa-múndi é limitado e a progressão é bem linear (normalmente o próximo objetivo sempre está bem próximo). Tudo é bem simples e não há puzzles para resolver, assim como mal existe conteúdo opcional. A sensação que eu tive é que a Tokyo RPG Factory preferiu focar somente no básico, o que pode ser justificado pelo tamanho reduzido do estúdio.


A nostalgia vem por conta de alguns pequenos detalhes, como o grupo correndo em fila pelos cenários, o mapa-múndi que lembra uma grande maquete, a presença de um barco voador para explorar o mundo e a posição aérea da câmera. A sensação é realmente de se estar jogando um RPG clássico com uma roupagem nova.

A ambientação é complementada pela direção de arte. Toda a aventura se passa em uma região polar e repleta de neve, o que reforça ainda mais a sensação de melancolia. Alguns cenários são belos e contam detalhes bem interessantes — gostei, especialmente, da sensação reconfortante das pequenas vilas com suas tochas e habitantes. Contudo, faltou variedade: todas as florestas, vilas, cavernas e campos são extremamente parecidas entre si e não há locais realmente memoráveis. Para piorar, a seleção de inimigos é pequena e se repete por toda a aventura. O resultado é a sensação de se estar explorando os mesmos lugares sempre, o que pode tornar as coisas um pouco cansativas.


Um destaque de I am Setsuna é sua trilha sonora. De autoria de Tomoki Miyoshi (um jovem de 23 anos que também é responsável pela música de Soul Calibur V), a música do jogo tem o piano como principal instrumento e é belíssima. É incrível como o compositor conseguiu construir tantas melodias variadas utilizando somente um único instrumento. A suavidade do piano combina perfeitamente bem com a temática do jogo e complementa muito bem a experiência. Destaque, especialmente, para os temas de batalha: eles apresentam a participação leve de uma percussão e são muito memoráveis.

Combate clássico com toques modernos

Setsuna e seus companheiros enfrentam inimigos em combates por turnos. O sistema de batalha é claramente inspirado em Chrono Trigger e utiliza o conceito de Active Time Battle (ATB): cada personagem tem uma barra de ação que determina quando eles podem agir. Os heróis podem combinar técnicas, o que resulta em ataques mais poderosos e visualmente interessantes.

Somente o conceito básico vem de Chrono Trigger, pois o combate de I am Setsuna tem várias características próprias e interessantes. A primeira delas chama-se Momentum e permite adicionar efeitos especiais à ataques e técnicas com o toque de um botão no momento certo. O interessante é que para executar o Momentum é necessário ter SP, que é carregado ao agir ou ao ficar parado enquanto a barra ATB está cheia. Sendo assim, é necessário avaliar a situação: às vezes vale a pena atacar normalmente e adquirir SP aos poucos; já em outros momentos é melhor esperar, com as defesas abertas, para obter SP rapidamente e utilizar os efeitos especiais mais rapidamente.


O desenvolvimento dos personagens também é bem flexível. Todas as técnicas, habilidades de suporte e ataques especiais são obtidos por meio de pedras chamadas Spritnites. Acontece que as gemas precisam ser encaixadas em acessórios e eles têm espaços limitados — o que torna impossível ter acesso a tudo de uma vez. Sendo assim, é importante escolher com cuidado as habilidades, adaptando-as de acordo com a situação. Por fim, há também uma ação aleatória chamada Fluxation que permite melhorar as Spritnites e receber bônus em batalha. A parte chata é que as Spritnites são adquiridas ao vender itens deixados pelos inimigos derrotados, o que significa que necessário enfrentar alguns monstros repetidas vezes para desbloquear algumas habilidades mais complicadas.

Flexibilidade subutilizada

A combinação dessas mecânicas resulta em um sistema moderno e flexível. Gostei de testar as várias opções e ver os resultados em combate. I am Setsuna também desencoraja o level grind, muito comum em RPGs clássicos: subir de nível melhora somente o HP e MP, os outros atributos dependem da arma equipada no momento. Como existem poucos armamentos no jogo, o que conta mesmo nos combates é uma boa seleção de habilidades e estratégia.

O jogo tem muitos sistemas interessantes no combate e desenvolvimento de personagens, mas achei tudo muito subutilizado. O motivo disso é que os inimigos normais são muito parecidos, podem ser derrotados com um único ataque e não há muito incentivo para usar as várias técnicas — na maior parte das vezes simplesmente usei a técnica Cyclone de Endir para derrotar rapidamente tudo. Por sorte, os confrontos contra chefes e alguns inimigos especiais são diferentes e exigem boa estratégia: foram várias as vezes que precisei repensar minhas ações e habilidades para conseguir derrotá-los. Por conta disso, achei a aventura bem fácil — senti falta de uma opção de aumentar a dificuldade do jogo.

Uma ótima jornada

I am Setsuna é uma aventura nostálgica que que diverte, mas não arrisca. A estrutura do jogo é bem linear e básica, contudo os sistemas de batalha e desenvolvimento de personagens têm ótimas ideias e flexibilidade. Só senti falta de mais variedade de cenários, inimigos e situações, assim como um pouco mais de desafio nos combates. Mesmo não sendo muito memorável, gostei muito de acompanhar Setsuna em sua jornada de sacrifício pelo belo mundo repleto de neve e melancolia.

Prós

  • Ambientação melancólica e nostálgica;
  • Ótimo sistema de batalha;
  • Muitas opções no momento de desenvolver os personagens;
  • Belíssima trilha sonora.

Contras

  • Cenários repetitivos;
  • Estrutura de jogo muito linear;
  • Pouca variedade de inimigos e situações.
I am Setsuna — PS4/PC/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada na análise: PS4
Revisão: Gabriel Verbena

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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