Análise: Odallus: The Dark Call (PC) é benignamente nostálgico

Segundo jogo do estúdio independente Joymasher, é uma ode aos jogos do passado — sem se fazer escravo do saudosismo no meio do processo.

em 26/07/2015
Nostalgia é, basicamente, sentir saudade do passado. Entretanto, não existe apenas um tipo de nostalgia. Grosso modo, ela pode ser separada em duas formas principais: a “completa” e a “seletiva”.


No primeiro tipo, sente-se saudade das coisas boas e ruins do passado. Quando usado na criação de trabalhos artísticos, tal sentimento pode ter efeitos desastrosos. Uma obra que tenta saciar a saudade do passado a qualquer custo acaba não sendo muito criteriosa, repetindo tanto os erros quanto os acertos de clássicos e reproduzindo aspectos que nem sempre funcionam bem nos tempos modernos.

Já a nostalgia “seletiva” resume-se a se lembrar apenas das coisas boas do passado. Seu efeito em obras de arte é mais benigno, sendo usado principalmente em trabalhos voltados a reconstruções tropos antigos. Felizmente, Odallus: The Dark Call (PC) faz uso desse tipo de nostalgia. Ele olha com respeito para clássicos como Castlevania (NES) e Demon’s Crest (SNES), enaltece seus pontos positivos e descarta tudo o que não lhe serve. O resultado final é um dos melhores jogos independentes brasileiros da atualidade.

Igual ao passado, exceto pelas diferenças

Das várias características de Odallus, a que mais remete ao passado é seu visual. Extremamente similar aos jogos da era 8-bits, os personagens e cenários pixelados e com palheta de cores limitada irão ressoar qualquer pessoa que cresceu nos anos 1990. Nas opões do jogo, é possível até mesmo adicionar scanlines e deformar as laterais da tela, fazendo com que você sinta que está jogando numa TV de tubo.
Ou você pode jogar numa TV de tubo de verdade que nem eu.
Entretanto, apesar da reconstrução da estética dos jogos de NES ser convincente, ela se diferencia em muitos aspectos. Muitos dos limites técnicos que fizeram os jogos antigos ficarem com a aparência que tinham não existem hoje em dia. Odallus, ciente da atual inexistência dessas antigas barreiras, faz coisas que seriam impossíveis no antigo console da Nintendo. O número de sprites, elementos na tela, tamanho dos cenários, animações, efeitos de distorção e várias outras coisas fariam qualquer videogame antigo entrar em combustão espontânea. Em vez de tentar reproduzir fielmente o visual de obras passadas, Odallus tenta reproduzir como nós lembramos que elas eram — e consegue, com enorme sucesso.

A abordagem da música é um pouco diferente. Ela não é uma reconstrução (total ou parcial) do passado, mesmo fazendo uso de todos os chiptunes presentes até hoje na memória de jogadores mais velhos. Enquanto as trilhas dos jogos antigos possuíam trilhas curtas (seja por design ou limitação), Odallus utiliza faixas mais longas, cadenciadas e cheias de variações. Suas músicas não ficam “grudadas” na cabeça, mas são melhores e mais agradáveis de se ouvir por longos períodos e tempo. Seria como comparar o Rock ao Rock Progressivo: o último é claramente baseado no primeiro, mas mais elaborado e experimental e menos “radio-friendly”.

Metroidvania, mas nem tanto

Estas diferenças de design sonoro se devem principalmente pelo fato de Odallus ser, basicamente, um metroidvania. Seus mapas são grandes e espaçosos, com a jogabilidade baseada na exploração. Vários pontos são inalcançáveis até a obtenção de um item específico, que concede ao jogador novos ataques ou movimentos, permitindo-lhe acessar novas áreas. As músicas mais variadas e longas permitem que se explore e gaste tempo nos mapas sem que elas se tornem enjoativas, tornando a experiência mais agradável.

Há, entretanto, uma notável diferença entre Odallus e outros jogos mais tradicionais do gênero: a ausência quase completa de backtracking. Em vez de um mapa gigantesco com várias áreas interconectadas, aqui temos o uso da clássica tela de seleção de níveis — bem parecida com a de Castlevania. Após descobrir um novo estágio, o jogador pode escolher acessá-lo quando bem entender, sem ter que passar por outros.

Similarmente, as fases em si trazem uma experiência mais sucinta que a encontrada na maioria dos metroidvanias. Todas possuem algum atalho que deixa o jogador na metade do mapa, além de serem organizadas de forma muito bem planejada para que ele não precise passar pelos mesmos trechos repetidas vezes.

Aprendendo com os mestres

Apesar de todas as diferenças, em certos aspectos Odallus emula perfeitamente os clássicos. Seus controles, por exemplo, são de uma precisão magistral, assim como a dos melhores jogos do passado. Controlar o protagonista Haggis é extremamente prazeroso, mesmo no começo da aventura, quando ele possui apenas sua espada e um pulo simples. Ao fim do game, com os vários upgrades e itens que ele recebe e a adição de inimigos mais fortes e numerosos, o esmagar de botões faz jus ao nome do estúdio.

O level design também não deixa em nada a desejar aos grandes clássicos. Cada inimigo e plataforma teve sua posição minuciosamente planejada para fazer o máximo proveito das mecânicas do jogo e manter o ritmo consistente. Mesmo as armas secundárias são bem usadas, integrando-se de maneira orgânica ao combate e quebra-cabeças.

Também na narrativa encontramos similaridades com o que era visto nos anos 1980 e 1990. À primeira vista simples, ela cumpre sua função, dando a motivação central da trama. Esse minimalismo, entretanto, esconde muito mais. Uma pequena mitologia para justificar toda a história e ambientação foi montada com cuidado, sendo possível aprender mais sobre ela encontrando tabletas encantadas escondidas nos estágios.

Excelente enquanto dura

Mesmo emulando muitos aspectos de títulos antigos, a dificuldade do jogo não é notoriamente alta. Ver a tela de “Gamer Over” é relativamente raro. Ainda que o jogador se complique com seções específicas do game, as punições são leves: Haggis retorna ao início do estágio, mas os minibosses continuam mortos, quebra-cabeças resolvidos, atalhos abertos e itens obtidos preservados.
Mais incomum do que parece.
Isso foi uma decisão consciente dos desenvolvedores. Como os mapas são maiores, uma experiência mais difícil como a vista em Oniken (PC) poderia tornar-se extenuante. No geral, a curva de dificuldade mantém-se num nível confortável até o fim do game, apesar de algumas subidas rápidas em certos chefes.

A única reclamação quanto à dificuldade é pela ausência de alguma opção para aumentá-la ou qualquer espécie de New Game+ mais desafiador. Tais opções seriam bem-vindas para aumentar a longevidade do game, que é relativamente curto. Com um total de nove estágios, sendo possível completá-los entre 20 e 40 minutos cada, a aventura tem cerca de quatro horas.

Assim como a dificuldade, a duração pequena também é uma decisão consciente — há, inclusive, uma conquista para se completar o jogo em menos de duas horas. Em vez de encher sua obra com conteúdo descartável só para torná-lo artificialmente longo, a Joymasher decidiu criar uma experiência curta, mas prazerosa até o fim.

Um clássico moderno

No final das contas, mesmo sendo saudosista até o centro, Odallus: The Dark Call se sustenta por méritos próprios. O que sustenta o game não é o saudosismo, mas seus próprios méritos. A Joymasher privilegia o game design ante o saudosismo, usando a nostalgia como ferramenta, e não como muleta. Nesta recente leva de ótimos jogos brasileiros, que inclui Chroma Squad (PC) e Toren (PC/PS4), Odallus se sobressai como um dos jogos mais maduros e divertidos.

Prós

  • Visual 8-bits bonito e bem feito;
  • Ótimas músicas estilo chiptune;
  • Controles extremamente precisos;
  • Níveis bem planejados;
  • Grande variedade de inimigos;
  • Chefes desafiadores e divertidos.

Contras

  • Pouco conteúdo extra;
  • Relativamente curto.
Odallus: The Dark Call — PC — Nota: 9.0
Revisão: Vitor Tibério
Capa: Daniel Serezane
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