Analógico

Audiogames e deficientes visuais, quando os videogames perdem o vídeo

O desafio dos deficientes visuais para entrar no mundo dos games e quem são os responsáveis por tornar essa experiência possível.


Recentemente recebemos o anúncio de dois games que irão explorar algo inédito no mundo dos games, a experiência de deficientes visuais. Perception (PC) está em fase de projeto no Kickstarter project da The Deep End Games ( estúdio composto basicamente por ex-desenvolvedores da Irrational Games, responsável por Bioshock e Bioshock Infinite) e Beyond eyes (Multi) está em desenvolvimento pelo estúdio Tiger & Squid e será publicado pela Team 17, com previsão de lançamento para o final de 2015.

Ambos os jogos terão como protagonista um deficiente visual que irá utilizar o tato e os sons para explorar o ambiente ao seu redor, na intenção de simular o modo como os deficientes visuais mapeiam o ambiente a sua volta. Enquanto os videogames tentam nos mostrar como funciona o mundo dos deficientes visuais, vamos verificar como funciona o mundo dos videogames para os deficientes visuais.


Imagem do jogo Perception

Adaptações

Um desafio quase impossível para um deficiente visual é se aventurar em jogos comuns de videogames como Super Mario, Fifa ou Battlefield. Isso porque esses jogos apresentam praticamente todas as informações através do vídeo. Mesmo com ruídos de passos ou com o sistema Dual Shock, não é possível navegar ou se orientar através de outros sentidos.

É incrível pensar que, nos quase 50 anos de videogames, nenhum grande estúdio tenha sequer cogitado a possibilidade de desenvolver um jogo para deficientes visuais ou que pelo menos consiga atender as suas necessidades. Ainda bem que nem todos pensam apenas no dinheiro e alguns projetos de inclusão para deficientes visuais foram realizados:

  • Áudio Quake - já imaginou jogar Quake utilizando apenas o áudio para se localizar? Pois é, isso só é possível graças a iniciativa do projeto AGRIP, que adaptou o jogo com sons em 3D e adicionou informações de áudio para o jogo ficar acessível aos deficientes visuais.



  • Rock Vibe - O projeto anunciado no KickStarter foi um pouco mais ousado, criando um novo hardware para tornar possível o reconhecimento das notas musicais em jogos das franquias Guitar Hero e Rock Band, como mostra o vídeo baixo.

Audiogames

Já faz algum tempo que os games deixaram de ser coisa de Nerd, hoje em dia os games estão presentes na vida de todos, sem restringir faixa etária, sexo ou classe social. Foi nessa empreitada que surgiram os audiogames, jogos desenvolvidos especificamente para deficientes visuais, uma solução bem mais simples e atrativa do que fazer adaptações de clássicos dos videogames.

Os games utilizam uma técnica de gravação conhecida como microfonação binaural para construir universos envolventes para o ouvinte, usando somente sons. A sensação para o usuário é a de um áudio 3D, no qual ele percebe várias dimensões através do som, criando um ambiente de imersão na história contada. Os jogos são muito semelhantes aos Adventures Grim Fandango (Multi) e The Secrete of Monkey Island (Multi), nos quais o jogo é bem focado no enredo e o jogador e utiliza de alguns comandos ou ações especificas para prosseguir. 

Apesar do gênero ter sido criado para deficientes visuais, o gênero também caiu nas graças de quem não tem a deficiência. O fato de poder jogar no celular é um grande atrativo. No mercado europeu o gênero está em alta, o jogo Papa Sangre, desenvolvido pelo estúdio britânico Somethin' Else, foi o primeiro grande sucesso. O jogo foi feito com muito capricho, a narrativa e os efeitos sonoros são espetaculares, o que rendeu uma nova sequência. Coloque o seu melhor fone de ouvido e curta o trailer abaixo..

Os desafios encontrados

O sucesso do mercado europeu ainda não surtiu efeitos aqui no Brasil, por aqui os deficientes ainda enfrentam algumas dificuldades. Para entender melhor os desafios encontrados, realizamos uma visita a instituição Lar das moças cegas, localizada em Santos no litoral paulista e que atende pessoas com todos os níveis de deficiência visual, também enviamos um questionário para outras instituições espalhadas pelo Brasil.

Algo que me surpreendeu foi a independência dos deficientes, talvez por eu não conhecer a realidade deles, esperava um ambiente com pessoas recebendo ajuda para quase tudo, mas ao contrário disso, os deficientes circulavam livremente sempre sorrindo e cumprimentando os visitantes. A instituição está preparada para antender todos os níveis de deficientes visuais e para prepará-los para todas as dificuldades da vida cotidiana, seja na arrumação do quarto e preparo do café da manhã até no treinamento para inclusão no mercado de trabalho.

Mas é no laboratório de informática que estão os games, ou pelo menos deveriam estar, isso porque a maioria dos jogos instalados nos computadores não atendem às necessidades para quem é completamente cego. Apenas os jogos do Dosvox, um tipo de sistema operacional para deficientes visuais, estão disponíveis para quem é completamente cego.


Isso ocorre porque a temática das aulas nos laboratórios são bem estipuladas, sendo raras as ocasiões em que os deficientes ficam sem atividades definidas dentro dos laboratórios, afinal, eles precisam aprender a utilizar o computador antes de começar a utilizá-lo como forma de lazer. Outro problema encontrado foi a dificuldade em adquirir audiogames em português e que sejam gratuitos, já que essas instituições são mantidas praticamente por doações ou fontes de rendas próprias. Para tentar resolver esse problema, indicamos o site da Blind Games Brazil, que contém um grande acervo de games para deficientes visuais e vários audiogames traduzidos para o português.

Mas o importante é que essas instituições estão muito bem preparadas para atender às principais necessidades dos deficientes visuais. Eu fiquei muito impressionado com o trabalho realizado. Caso você tenha interesse em ajudar alguma instituição, dê uma olhada no site da Sociedade de Assistência aos Cegos e encontre uma instituição próxima a você.

Revisão: Luigi Santana
Capa: Paula Zanotelli


Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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