Análise: Shantae and the Pirate’s Curse (Multi) é um ótimo jogo de plataforma e exploração

A produtora independente Wayforward nos presenteia com uma memorável e divertida aventura cheia de personalidade.

em 03/05/2015
Eu tenho o costume de ficar procurando a influência das coisas, divagando sobre quais teriam sido as possíveis inspirações de livros, filmes e jogos. Principalmente jogos. É quase instintivo. Não consigo jogar algo sem pensar, às vezes de forma subconsciente, “acho que tiraram isso de Doom (PC)”, ou “essa parte certamente foi inspirada em Super Metroid (SNES)”. Tenho certeza de que não sou o único a fazer isso: se você já recomendou algum jogo a um amigo usando frases como “esse jogo parece uma mistura de Mega Man (NES) com Adventure of Link (NES)”, ou comparou um jogo a algum clássico do passado, então, assim como eu, você já ficou analisando as possíveis influências de um jogo.


Esse tipo de abordagem provou-se ineficiente à medida que eu jogava Shantae and the Pirate’s Curse, terceiro jogo da série Shantae desenvolvido pela Wayforward — que também trabalhou em Mighty Switch Force! (3DS) — para PC, Wii U e 3DS. Se eu fosse obrigado a fazer uma descrição do título utilizando apenas comparações com outros games, provavelmente escreveria algo como “é um metroidvania com influências de Kid Icarus (NES), partes que lembram Contra (NES) e Metal Slug (Multi), level design inspirado por Donkey Kong Country (SNES), Metroid (NES) e Mega Man, puzzles influenciados por The Legend of Zelda (NES), elementos de ação de Ninja Gaiden (NES), Zelda II e Castlevania (NES) e estética áudio-visual reminiscente dos jogos de plataforma do GBA.”
E um barquinho à lá Wind Waker? Não, aí já é forçar a barra demais!

Como podem perceber, esta é uma descrição confusa. Não só isso, ela é inútil: cita tantos jogos e influências que é impossível conceber uma ideia exata do que o jogo realmente se trata. Mas, o mais importante é que essa série de comparações não faz jus ao que Shantae and the Pirate’s Curse de fato é. Caso suas partes sejam analisadas individualmente, aí sim é possível observar estas e tantas outras influências de vários títulos clássicos e modernos. Entretanto, o conjunto da obra é muito mais do que apenas uma mistura de elementos de vários games. Shantae tem personalidade própria e consegue se manter sobre seus próprios pés, ainda que eles estejam apoiados sobre os ombros de gigantes.

Um metroidvania pirata

Teoricamente, Shantae é um metroidvania. Na prática, é como se ele fosse vários metroidvanias pequenos unidos de forma coesa em um único jogo.

Deixe-me explicar. O game possui todas as características típicas do gênero: mistura elementos de ação e plataforma num mundo grande em que é preciso adquirir itens para poder explorar completamente os cenários. Tais itens dão ao personagem novos ataques e movimentos, permitindo que ele alcance lugares antes impossíveis e destrua obstáculos. Ainda assim, não é possível comparar Shantae diretamente com títulos clássicos do gênero — nem mesmo modernos, como Axiom Verge (PS4). Há uma pequena característica que diferencia a obra da Wayforward de seus “parentes”: escopo.
Em vez de usar mapas gigantescos, propícios para fazer os jogadores se perderem e com várias (e longas) seções de backtracking (retornar a partes anteriores do jogo) compulsórias, Shantae é dividido em “estágios”. Sequin Land, a terra mágica onde se passa aventura, possui um total de sete ilhas, cada uma com um templo ou calabouço que abriga um chefe — os chamados Den of Evils, de onde o Pirate Master está retirando suas forças para renascer. Os mapas são relativamente pequenos e explorá-los não leva muito tempo. Em alguns momentos, é preciso retornar a ilhas anteriores para adquirir itens ou ativar certos eventos obrigatórios para prosseguir no jogo, mas eles são sucintos e intuitivos. No geral, o backtracking é mínimo e é muito difícil ficar, de fato, perdido. Há até mesmo um item que permite a protagonista retornar ao início da ilha, potencialmente reduzindo as andanças dos jogadores pela metade.

Esse escopo menor não é, de forma alguma, ruim. Na verdade, é o maior ponto positivo do jogo. Ele consegue utilizar a essência dos metroidvanias e sua jogabilidade viciante, mas de uma forma bem mais acessível, numa aventura divertida e com ótimo ritmo. E, por falar em ritmo, ele é ditado pelo excelente level design, que se aproveita muito bem deste escopo menor. As seções de plataforma são esplendidamente montadas e usam as mecânicas de forma efetiva. Todas as partes fluem de forma natural, com um ótimo senso de condução. Em momento algum o game precisa dizer explicitamente aonde o jogador deve ir, dispensando bússolas e ponteiros inteiramente: o próprio level design é capaz de guiar o jogador sem problema algum.

Amarrando a jogabilidade a projeto de níveis, temos a excelente estética audiovisual. Este é  um campo em que a franquia sempre se sobressaiu, desde seu primeiro lançamento para GBC, e aqui não é diferente. Cada NPC, estágio e cidade é soberbamente animado e agradável aos olhos. A trilha sonora é fenomenal, com várias influências musicais — do rock à música árabe — que se integram de forma surpreendente a cada ambiente.



A trama também ajuda a montar um produto coeso. A história é simples, mas funcional e justifica, de forma satisfatória, as localidades, itens e a aventura. As personagens são carismáticas e bem caracterizadas, e os diálogos bem escritos e cheios de senso de humor. O resultado final dá um espírito leve e divertido à aventura.

Meio-gênio, meia-ação

Infelizmente, há um elemento que destoa do resto do jogo e não se integra bem ao produto: o combate. Como um game de ação, Shantae é apenas mediano. As partes de ação não são inerentemente ruins, mas elas não tiram proveito do game e level design. Em alguns momentos, a batalha até mesmo atrapalhada pelo resto do jogo — e vice-versa.

Parece que o combate está lá apenas por obrigatoriedade, como uma forma de preencher vácuos inexistentes. Pior: em certos pontos, parece que o único objetivo dos monstros é diminuir o ritmo de exploração, aumentando artificialmente a longevidade do título — Mud Bog Island e sua quantidade absurda de inimigos por pixel quadrado que o diga.

Olhando para os itens adquiridos no decorrer da ventura, é até perceptível o papel terciário da ação, ficando notavelmente atrás da exploração e plataforma. Eles têm muito mais utilidade como ferramentas de exploração, permitindo que Shantae alcance novos lugares e resolva quebra-cabeças. Já o valor ofensivo deles deixa a desejar — quando não é nulo. Seja pelo dano mínimo (caso das pistolas) ou execução longa (caso da cimitarra), na maioria das vezes, é muito mais prático e confiável depender do ataque básico de Shantae, utilizando o cabelo dela como um chicote. O único objeto que realmente melhora o combate são as botas de Risky, mas elas não podem ser usadas em todos os ambientes e só são adquiridas quase que no final do jogo.

Em alguns momentos, inclusive, Shantae fica melhor sem ação alguma. Partes do jogo que retiram todos os ataques da personagem e se focam na exploração e plataforma deixam isso mais do que evidente. Estas são algumas das melhores e mais memoráveis seções do jogo, uma pena que são curtas.

Onde a ação poderia realmente se redimir é na luta contra os chefes. Todos eles possuem uma enorme quantidade de HP, são rápidos e fortes. Eles seriam perfeitos para fazer as habilidades ofensivas de Shantae brilhar… não fosse o fato de que, no decorrer da exploração, a personagem ganha itens que tornam essas batalha triviais. Na maioria dos casos, basta usar alguns power-ups e punir os chefes incessantemente até vencê-los.

Uma pérola perdida

Apesar disso, Shantae and the Pirate's Curse não deixa de ser divertido, empolgante e bonito. Seus equívocos não são, nem de longe, o suficiente para tirar o brilho do game. A característica mais importante do jogo, entretanto, é a sua personalidade. Não dá para realmente comparar esse título com outros do mercado. Ele possui uma identidade própria. A abordagem de suas mecânicas, level e game design, estética audiovisual… até mesmo as falhas, são particulares deste, e apenas deste jogo.

No final das contas, Shantae and the Pirate's Curse não é um emaranhado de elementos de outros games. Shantae é Shantae, e eu recomendaria a qualquer pessoa que goste de um bom jogo de plataforma e exploração… ainda que com partes de ação meramente medianas.

Prós

  • Lindo para os olhos e ouvidos
  • Um metroidvania conciso e com ótimo ritmo
  • Excelente level design, que faz bom uso das mecânicas do jogo
  • Trama leve e bem-humorada 
  • Seções de plataforma e stealth fenomenais

Contras

  • A ação não se integra muito bem ao resto do jogo
Shantae and the Pirate’s Curse — Multi — Versão utilizada: PC — Nota: 8.5
Revisão: Jaime Ninice
Capa: Angelo Gustavo

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