Discussão

O conturbado papel dos críticos de games

Jogar, criticar e ganhar dinheiro por isso parece um sonho, mas ser redator de games está se tornando um trabalho odiado por muitos.


Quando eu era pequeno, percebi que gostava muito de videogame. Mas era muito mesmo, mais do que todos os meus amigos. Eu não me importava de passar o dia inteiro assistindo outra pessoa jogar, o que muita gente não conseguia entender. Com a chegada da internet, tudo ficou ainda pior: eu passava horas do dia vendo vídeos e lendo textos sobre o mercado dos jogos, enquanto os consoles ficavam em um canto. Só então me dei conta de que a minha paixão não era o ato de jogar, e sim tudo o que envolvesse a produção de games.


Muitas pessoas pensam que trabalhar na área de entretenimento seja algo divertido e que não seja preciso ter experiência para conseguir tal feito. O mesmo ocorre com a área de games, o que leva muitas crianças a acharem que ao tornarem-se game designers passarão o dia jogando e ganhando dinheiro (há até mesmo adultos que pensam isso). Qual seria a surpresa de tantas pessoas ao descobrir que quem trabalha com produtos de diversão é quem menos usufrui deles?
Hoje em dia, assistir outras pessoas jogando se tornou algo comum, graças ao compartilhamento de vídeos em tempo real. Ainda assim, muitos fazem apenas para poder comentar com os outros.
Os que realmente amam a área e resolvem investir, sabem que viverão momentos complexos. Antes de tudo, é preciso definir se partirão para a criação dos jogos, o que envolverá um desenvolvimento de diversas áreas ligadas a programação, desenho e animação, ou se passarão a escrever e estudar o mercado. Nenhuma das opções é fácil em nosso país.

Um Brasil nada digital

Há muitos anos ouvimos que o mercado de games está em crescimento no Brasil. Por mais que isso seja verdade, os passos dados são tão pequenos que muitas vezes sequer os percebemos: há diversas empresas de desenvolvimento indie por aqui que ganham a atenção da mídia e incentivam outras a entrar no mercado. Junto a isso, o jornalismo e a redação de games parecem chamar a atenção do público, que é muito ativo em diversos websites e passa a exigir conteúdo local.

A então Ministra da Cultura Marta Suplicy disse que não considera os games como cultura, deixando-os de fora do Vale Cultura. Mais um retrogresso para o país.
O papel de um redator de jogos começa ali. É preciso enxergar o mercado e entender quais os textos e conteúdos que o leitor busca, e como levar isso a ele de maneira inteligente e divertida. Muitos fazem isso sem receber remuneração, investindo em uma paixão e acreditando nos frutos que seus produtos podem lhe trazer no futuro — mas é assim que grandes portais e profissionais de sucesso surgem na área.

Falar sobre jogos não é fácil. Há uma grande legião de fãs para todos os games já criados, prontos para atacar aqueles que criticam suas paixões, além de grande pressão por parte das desenvolvedoras e produtoras. É necessário travar um grande embate entre aquilo que é gosto pessoal e o que é, de fato, feito com qualidade. Sinto-me muito triste ao ver jogos que considero maravilhosos e clássicos recebendo avaliações negativas pela crítica especializada (como esquecer da nota 4.5 que The Dig recebeu pelo site Gamespot, em 1996?), mas como jogador e crítico compreendo algo: os jogos trazem experiências subjetivas, que se completam com a visão de seus criadores.

Críticas às Críticas

Em Harry Potter and the Chamber of Secrets, para PlayStation, atividades simples como subir em caixas eram difíceis por conta dos péssimos controles. Mas isso não importava para um fã da saga.
Como grande fã de Harry Potter, joguei todos os jogos que foram lançados para o PlayStation. Todas as partidas de quadribol, os feitiços aprendidos nas aulas e os cenários tão conhecidos pelos fãs me prenderam durante dias em frente à televisão. A sensação de imersão só aumentava conforme eu lia os livros e assistia aos filmes — eu estava dentro de Hogwarts, com controle sobre tudo!

Ao contrário de mim, as revistas de games e sites que acompanhava falavam muito mal do jogo. “Mas eles colocam pessoas que não gostam dos livros e filmes para jogar!”, pensei na época, com raiva, enquanto assistia ao primeiro filme pela 49ª vez. E hoje, esse assunto volta à tona, com situações parecidas acontecendo. Só que dessa vez os fãs conseguem ter voz ativa.

Em um recente caso envolvendo o jogo Monster Hunter 4 Ultimate, para o Nintendo 3DS, um famoso website brasileiro especializado em games fez uma crítica negativa ao jogo. Em seu texto, era possível perceber que o redator não havia jogado nenhum dos anteriores, sendo completamente novato ao universo e regras, e que demonstrou grande dificuldade na linha de aprendizado. Em pouquíssimo tempo, dezenas de fãs mostraram a sua paixão através das palavras, atacando os autores e dizendo que é preciso conhecer a franquia antes de avaliar um de seus jogos. Como resultado, o texto foi tirado do ar e outro entraria em seu lugar, feito por alguém que “entendesse do assunto”.
Famoso por mundos enormes e monstros gigantes, a série Monster Hunter é uma das mais vendidas no Japão e faz sucesso no mundo inteiro.

Não poderia escrever este texto sem testar o jogo anteriormente. Nunca joguei nenhum Monster Hunter, então teria como ler a crítica do website e tentar entender os seus argumentos. Para a minha surpresa, concordei com quase todas as palavras que ali estavam: o jogo é extremamente difícil e coloca o jogador inexperiente em meio a situações complexas e a diversas regras sem explicação. Não consegui jogar por muito tempo, me sentindo extremamente desmotivado e triste por não conseguir entender uma franquia que tantos amam ao redor do mundo. Estaria eu errado, assim como o redator e autor do texto? Sim e não.

Gostaria muito de poder ter lido alguma crítica dos jogos de Harry Potter feita por um redator especializado e que gostasse dos livros, então consigo enxergar a frustração de quem sente algo a mais por um universo que se expande e ultrapassa os limites de um único produto. Mas precisamos lembrar que os videogames não são feitos para um nicho, na grande maioria das vezes: são um produto feito para massas. Enquanto milhares de fãs de Monster Hunter criticam quem fala mal dos jogos, há outros milhares que tentarão se aventurar com eles e sairão frustrados pela falta de introdução que a última versão de Nintendo 3DS traz.

Viva o seu próprio jogo


De quem é a culpa por toda essa confusão, afinal? Seria do redator inexperiente? Do site que publicou e retirou o conteúdo do ar? Dos leitores? A culpa é de todos nós. Precisamos aprender a distinguir gosto de qualidade, e a pensar não somente na experiência pessoal. Por que não criar dois textos, com opiniões de jogadores diferentes?

Em 2007 um redator e crítico de games do site Gamespot foi demitido por fazer uma péssima análise do jogo Kane & Lynch, de PlayStation 3. Isso ocorreu pelo jogo estar pagando para ter propagandas no site: o dinheiro foi mais importante do que o trabalho honesto. Isso tudo nos faz questionar a existência de um crítico: de que adianta escrever mentiras aos jogadores em troca de lucro financeiro? Com o público de um lado e a pressão das produtoras de outro, fica difícil encontrar motivos.

Hoje sei que muitos dos jogos de Harry Potter eram ruins. São diversos os problemas, desde mecânicas e controles até designs precários. Eis então a importância de críticas bem construídas ao mercado — é através delas que vemos a visão de alguém que não se prende somente ao emocional, e que avalia o conteúdo pelo que ele é e entrega a todos os jogadores. Isso não me fará gostar menos de um jogo caso ele não seja bem recebido pela mídia especializada, mas trará uma perspectiva que seria impossível de enxergar.
Jeff Gerstmann criou o seu próprio site após ser demitido, o Giant Bomb, que foi comprado pela mesma empresa que é dona dos direitos do Gamespot. O mundo dá voltas...
Não se deve tirar o mérito de um crítico de jogos. Jogar por diversão é muito diferente de analisar um game; a partir do momento que algo se torna obrigação, grande parte do entretenimento se esvai. As produtoras e desenvolvedoras sabem disso, e é por isso que confiam a eles o dever de avaliar um conteúdo antes que ele chegue ao público. É possível dizer que, sem eles, muitos jogos não teriam a recepção que merecem.

Gostaria de agradecer aos redatores que falaram mal de jogos que eu tanto amo. Graças a vocês vejo o quão importante é ter a própria opinião, mesmo que isso signifique gostar de algo ruim. Antes de atingir alguém que não compartilha do mesmo gosto ou opinião, lembre-se que sua visão do mundo pode ser diferente, e que um jogo como Harry Potter pode trazer sensações que ninguém além de você conseguirá sentir, tornando-o bom. Esse é o poder dos jogos, e é por isso que somos apaixonados por eles.

Revisão: Luigi Santana
Capa: Jean Bohlen


Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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