Aftermath: As consequências do GamerGate

Cerca de seis meses depois de uma das maiores polêmicas do mundo dos games, qual é o saldo?

em 02/03/2015
2014 foi um ano memorável para a indústria dos jogos… Mesmo que nem sempre por bons motivos. Jogos atrasados, lançamentos bugados, trailers enganosos… Talvez a melhor palavra para definir o ano seja “polêmico”.

Never forget.

Dentre as polêmicas do ano, entretanto, uma se sobressai: o GamerGate. A controvérsia começou em agosto de 2014, após boatos de que a desenvolvedora independente Zoe Quinn, criadora do jogo Depression Quest, estaria envolvida sentimentalmente com um redator do site Kotaku e teria usado sua relação com ele para aumentar a exposição de seu jogo na mídia. O site logo tentou desmentir os boatos, reconhecendo a relação entre os dois mas dizendo que o redator em questão nunca analisou ou escreveu sobre jogo de Quinn e que a relação entre os dois não teve influência na pauta do site.

Mas já era tarde. O caso logo semeou uma onda de desconfiança contra o jornalismo de games — que já existia há muito tempo nos confins da internet, precisando apenas de uma “bomba” para usar como estopim. Assim, sobre a premissa de combater a falta de ética no jornalismo de jogos, nasceu o GamerGate, fomentado principalmente por membros do 4chan, Twitter e outras redes sociais. Como todo movimento digital descentralizado, ele logo saiu de sua pauta original, abordando, combatendo e apoiando vários assuntos diferentes — games como cultura, a identidade gamer, criticismo social…

Lados foram tomados. Logo uma guerra cultural se armou — talvez a primeira na história dos videogames — desencadeando em várias ações e situações que seriam melhor não terem acontecido.

Quase um ano depois, quais foram os efeitos do GamerGate? Quem foram os maiores perdedores dessa guerra? E houve vencedores?

Toda guerra tem perdedores

Como toda guerra, o GamerGate teve consequências e essas não só foram numerosas como também abalaram diferentes setores, a saber: sites ligados à área, feministas, mulheres que trabalham no meio e patrocinadores.

Algumas mulheres simplesmente desistiram de trabalhar na área de games, como foi o caso da jornalista Jenn Frank. Ela é jornalista e estava escrevendo um artigo chamado: “How to attack a woman who Works in vídeo gaming” (Como atacar uma mulher que trabalha com vídeo games) para o The Guardian, um dos jornais mais conceituados do Reino Unido. Durante e após a publicação dessa matéria, ela foi fortemente hostilizada e decidiu abandonar de vez o jornalismo gamer. E este é apenas um caso dentre vários, onde a mulher é um dos principais alvos, o que consequentemente também o mercado, que luta desesperadamente para ampliar o seu mercado, que até algumas décadas atrás era dominada quase majoritariamente por homens. Isso sem contar o desencorajamento gerado por este tipo de situação, que faz com que muitas mulheres sequer pensem em se aventurar seja como jornalistas ou até mesmo como desenvolvedoras de games.
Há ainda casos que ultrapassam a crítica e humilhação como o que ocorreu com as desenvolvedoras Quinn, Brianna Wu, aliada ainda à crítica de games, Anita Sarkeesian que, no ano passado, devido ao desabrochar do movimento GamerGate, foram ameaçadas de morte. Dentre as três, Sarkeesian foi não só o caso que trouxe maior repercussão como também parece ter sido a mais afetada. Ela foi obrigada a cancelar uma palestra que seria ministrada em Utah em novembro de 2014 devido ao recebimento de um e-mail com uma ameaça de atentado. Posteriormente, foi divulgado por internautas que um dos responsáveis pelas outras inúmeras ameaças feitas a Sarkeesian seria um brasileiro chamado Matheus Prado Souza. Quando contatado pelo Jornal Folha de São Paulo, ele disse: “Ela quer censura” “Anita não é apenas feminista, é moralista. O feminismo se torna um problema quando vira moralismo.

Mas não pense que as consequências se resumem exclusivamente ao pensamento machista de alguns. Há algumas semanas atrás, a Wikipedia’s Supreme Court (Suprema Corte da Wikipedia) baniu 5 feministas que editavam artigos relacionados ao Gamergate. Elas estavam alterando artigos com inclinação favorável ao GamerGate. As usuárias não poderão mais editar tanto coisas relacionadas a esta temática quanto quaisquer outras coisas relacionadas a “gênero ou sexualidade em geral”. Isso desaponta qualquer pessoa que gostaria de ver  a perseguição do GamerGate contra as mulheres desaparecer. Bem como aqueles que gostariam que o Wikipedia não devesse mais dar atenção a essa campanha de perseguição às mulheres quanto ele está fazendo.

Professores que talvez estejam lendo este artigo: não usamos a Wikipedia como fonte! Nós juramos!
Alguns sites e empresas também foram lesados por não conseguirem se calar diante aos tempestuosos acontecimentos, um dos maiores exemplos disso é o Gamasutra, um dos principais sites voltados para o desenvolvimento de games. O site era um dos vários veículos de comunicação que publicavam ensaios e artigos criticando gamers e seu comportamento machista. Isso fez com que, há alguns meses atrás, a própria Intel retirasse o direito de anunciar produtos da sua marca. Este site foi apenas uma das vítimas de uma campanha elaborada para pressionar empresas a retirar seus anúncios de sites relacionados a games. Essa operação foi chamada de “Operação Aceno Desrespeitoso” e incentivava as pessoas a reclamarem, oferecendo nomes e contatos  de representantes de companhias.

E, por fim, alguns simplesmente se omitiram, como foi o caso do imageboard  4Chan, onde apesar de possibilitar aos seus usuários realizarem posts anonimamente, os moderadores resolveram apagar todos os tópicos envolvendo o GamerGate, para evitar novas violações de regras da comunidade e possíveis ataques à mesma.

Mas nem todo mundo saiu perdendo

Basicamente todos que tomaram abertamente um lado na polêmica saíram perdendo alguma coisa — nem que seja sua imagem. Mas, quase um ano depois, o mais interessante é notar quem não perdeu coisa alguma.

As grandes publishers, por exemplo, passaram praticamente imunes pela polêmica — Ubisoft, EA, Activision, Nintendo, Microsoft, Sony… Mesmo havendo uma desconfiança milenar com elas e muitas delas sendo odiadas gratuitamente pelos quatro cantos da internet, os membros do GamerGate, em sua maioria, as ignoraram. A falta de interesse nelas é ainda mais curiosa dada as várias polêmicas que envolveram algumas dessas empresas no ano de 2014, como os lançamentos de jogos problemáticos e vários atrasos.
"GamerGate? O que é isso? Uma nova forma de DLC?"

Outro setor que passou surpreendentemente ileso foram os grandes portais de jogos — ainda mais se considerarmos que o começo da polêmica envolvia um deles. Apesar de portais menores terem recebido represálias, chegando em alguns casos até a perder patrocinadores, os grandes portais continuaram a ser os mais acessados, sem nem perderem seus patrocínios. No grande esquema das coisas, o único efeito colateral que eles sofreram foram seções de comentários um pouco mais tóxicas do que antes.

Em retrospecto, esses fatos não são tão surpreendentes. Como toda guerra, metafórica ou não, foram os elos mais fracos da corrente que sofrerem os maiores ônus. Os “grandes jogadores” continuaram a mandar no jogo e ainda ditam suas regras.

E o grande vencedor é…

Dentre tantas “fatalidades” e algumas partes que saíram “ilesas”, o mais triste do saldo desta guerra é que não houve vencedores — em nenhum senso da palavra. Nenhum dos alvos e participantes, diretos ou indiretos, ganhou alguma coisa ao fim da polêmica.

Aliás, que fim? O movimento perdeu parte de sua força, mas definitivamente não acabou — e, descentralizado como é, não tem previsão para acabar e pode muito bem reconquistar parte de sua força. O que podemos esperar é que, como toda guerra, ela tenha uma resolução definitiva e atinja o mínimo possível de inocentes.


Capa: Felipe Araújo
Revisão:Leonardo Nazareth
Colaboração: Lucas Pinheiro Silva
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