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Análise: Alan Wake's American Nightmare (PC) desafia o medo do escuro

Alan Wake troca o terror por mais ação e mostra que não há escuridão alguma que uma lanterna e um revólver não consigam exterminar.

Embora não muito conhecido, Alan Wake (X360/PC) foi um dos jogos de terror mais inovadores da geração passada. Enquanto a maioria dos títulos do gênero se focava em monstros horrendos ou sustos contínuos, a história do escritor narrada de forma cinemática e que beirava roteiros hollywoodanos tinha um enfoque único em deixar o próprio ambiente criar a tensão, fazendo o jogador superar o medo conforme atravessava as fases. Em sua sequência, Alan Wake’s American Nightmare, podemos enfim ver o que é a superação do medo e a supremacia da força humana.

Do outro lado da tela

A trama de American Nightmare ocorre após a conclusão da história de Alan Wake, começando com o protagonista preso em uma realidade sombria e perigosa. A sua sobrevivência nesse local lhe garantiu uma superação de seu medo do escuro e transformou o hesitante escritor de thrillers em um destemido caçador noturno, sempre munido de sua arma e lanterna. Agora é a hora dele começar a correr atrás do dano causado pela sua última aventura.
Mr. Scratch está com um mal pressentimento sobre esse jogo.
A escuridão criou uma cópia do escritor Alan Wake chamado Mr. Scratch, que nada mais é que a personificação da insanidade de Wake. Enquanto Alan ficou preso nas trevas, Scratch ganhou liberdade e vida no mundo real, onde ele conseguiu propagar o caos usando a face de seu sósia. Desta maneira, o escritor não encontrou outra saída senão usar o seu dom da escrita para criar uma nova história, uma onde ele seria capaz de confrontar a sua loucura interior e tentar encontrar uma maneira de escapar de sua tortura eterna.

Para isso, Alan colocou a si mesmo e Scratch em uma espécie de loop de cenas onde os dois passam por uma sequência de atos que acabam voltando ao princípio após sua conclusão. O problema é que o vilão conseguiu lidar muito bem com isso, colocando o seu nêmese preso na própria armadilha, então o objetivo do jogador é encontrar uma maneira de achar uma brecha no loop para impedir, de uma vez por todas, que Mr. Scratch continue espalhando o caos.

O título traz diversos elementos remanescentes do jogo anterior, como os Takens (inimigos que nada mais são que pessoas controladas por uma entidade da escuridão) e o combate através de armas de fogo e do uso da luz. Contudo, algo é fatalmente diferente de Alan Wake: quando se supera seus medos, o terror se torna apenas mais ação, e com os jogos isso não é diferente.

Mão na lanterna, dedo no gatilho

Quando você tem medo de algo, como aranhas ou becos escuros, você evita esse tipo de lugar. A mera presença disso no seu dia a dia pode comprometer seu desempenho, sua hesitação fica crescente, seu foco fica debilitado e seus instintos entram num sistema de constante defesa para com o território à sua volta. Contudo, conforme você se habitua com isso e seu medo vai cedendo, você para de se preocupar, fica pronto para esse tipo de situação e já não se incomoda mais se tiver de passar por aquele beco para chegar mais cedo, ou de ter de pisar na aranha se ela demonstrar ameaça. Com esses jogos, é a mesma coisa.

De alguma forma, Alan
se tornou um ímã de
mulheres nesse jogo.
Enquanto Alan Wake era um jogo com um foco muito grande no terror psicológico de poder ser atacado a qualquer momento, American Nightmare coloca isso por terra. A sequência aqui analisada mal pode ser classificada como um jogo de terror, já que todo o foco da trama é a ação e o desejo de redenção do protagonista em vencer seu adversário supremo. Ele já não se importa mais de ser atacado pelo escuro, porque está armado e pronto para isso. Ele viveu nas terras das trevas por algum tempo, nada mais o surpreende.

Isso é refletido na jogabilidade. Assim como no primeiro título, o jogo gira em torno de dois elementos principais para a sua defesa: a lanterna e a arma. Como em todo jogo de tiro, seja em primeira ou terceira pessoa, o jogador deve usar seu revólver, metralhadora, espingarda ou rifle para se proteger de seus oponentes. Contudo, em Alan Wake, apenas atirar não é o suficiente. Seus inimigos estão cobertos pela escuridão e isso os torna invulneráveis aos disparos. Com isso, é preciso que a luz expurgue as trevas, e é aí que entra a lanterna; uma rajada de luz concentrada pode ser o que separa entre a sua vida e morte – ou a do seu alvo.

Esses elementos deixavam um clima de tensão no jogo anterior, onde o jogador deveria medir com muito cuidado sua munição e baterias, e ficar pronto para inimigos que podiam surgir de onde menos se espera. Porém, American Nightmare não possui essa tensão. Munição aparece com frequência, pois Alan está precavido. Os inimigos não tentam lhe surpreender, pois sabem que não vão conseguir. Forjado nas trevas e no medo, o escritor não mais teme seus inimigos, e o mesmo pode ser dito do jogador que evoluiu com o primeiro título da série. Agora é só iluminar e atirar.

Um tempo de trevas

Contudo, não pense que isso torna o jogo menos impactante, muito pelo contrário. O que lhe falta em sustos, sobra em ação. A dificuldade crescente se adequa à evolução do jogador e à jogabilidade focada no looping temporal dá um grande foco na exploração. Os cenários são grandes e vastos e a cada vez que você volta, descobre algo de novo. A repetição de cenas as vezes incomoda, mas cada nova visita faz o território mostrar uma nova face.

Espero que não
tenha aracnofobia.
Diferente do primeiro título, a escuridão toma novas formas para atacar dessa vez. Enquanto no primeiro jogo as trevas só surgiam possuindo pessoas, pássaros ou objetos, aqui temos novas abordagens que exigem mais do que apenas apontar a luz e atirar. Lembram do exemplo da aranha? Não foi a toa. Um dos novos oponentes é um grupo de aranhas que pode ser exterminado apenas com uma rajada de luz ou tiros, mas o fato de virem em massa pode tornar essa tarefa mais difícil.

Outro dos novos oponentes é chamado Splitter, e ele o fará pensar duas vezes antes de focar sua lanterna. Ele pode ser derrubado apenas com tiros, mas se a luz o atingir, ele se dividirá em dois, mais frágeis e fracos, mas muito mais ágeis. Ah, eu mencionei que ele pode se dividir várias vezes? É, cuidado com a luz. Mais uma surpresa fica nos inimigos que atendem pela alcunha de Birdman, que são muito mais fortes, rápidos e resilientes do que os Taken comuns, mas sua principal habilidade é de se transformar em um grupo de pássaros ou aranhas para atacar de maneira diferente ou para se locomover mais rápido.

Isso tudo deixa evidente que a série não estagnou apenas por ter deixado o terror de lado, porque agora a tensão fica em “como vou agir contra esse inimigo?” e não “quando e como um inimigo vai aparecer?”, dando um ar renovado e de superação para o personagem e jogador. Mas nem tudo são rosas nas terras perigosas de Night Springs.
Os Splitters dão trabalho no começo, mas com prática se pega o jeito de matá-los.

O lado sombrio do progresso

Diferente do primeiro jogo, American Nightmare parece ter perdido um pouco do foco na história. Enquanto o modo cinemático que a narrativa de Alan Wake deixava o jogador entretido e focado, o que abaixava sua guarda para quando um susto surgia, American Nightmare dedicou todo o seu tempo para a ação. Isso cobrou um preço alto.

Ao menos o jogo tem
cenas memoráveis.
O jogo ganhou gráficos mais belos, mas a trilha sonora ficou menos diversa (ainda mais se levar em conta a a repetição de cenas que, por consequência, faz repetir também as mesmas músicas. A trama também fica repetitiva com o tempo, sem os altos e baixos envolventes que seu predecessor apresentava, mantendo o telespectador e jogador interessado, devorando o jogo para saber como iria acabar. A ação de sobra acaba fazendo até com que os diálogos sejam vazios e inexpressivos.

Ironicamente, o principal inimigo de American Nightmare é o sucesso do primeiro jogo, Alan Wake. Isso fica poético se levar em conta que o maior inimigo de Alan é o personagem que foi criado no primeiro título, mas só ganhou notoriedade na sequência. A vida imita a arte.

Não tenha medo do escuro

"Jogue meu jogo ou
ela morre! Haha!"
Alan Wake’s American Nightmare é um excelente jogo de tiro, mas não é um jogo de terror. Mais uma vítima do passado como ocorreu com grandes jogos ao mudarem um pouco sua abordagem (como o caso de Resident Evil em jogos mais recentes), o jogo não vive para as expectativas de quem jogou o primeiro título da série.

Contudo, isso não o torna um jogo ruim. Se você ver ele da perspectiva de progresso do protagonista, como alguém superando seus medos e aprendendo a enfrentar a escuridão, terá aqui um grande jogo para passar o tempo e se divertir. Isso só levanta dúvidas sobre o futuro da série se continuar seguindo este padrão de ação. Torçamos para que a Remedy Games, após a conclusão de Quantum Break, deseje retornar para as raízes da franquia. Caso contrário, talvez o futuro de Alan Wake seja meio obscuro.

Prós

  • Jogabilidade instintiva e divertida;
  • Cenários cheios de cantos para explorar;
  • Retorno dos colecionáveis como as páginas de manuscrito, que expandem a profundidade da história;
  • Ação ininterrupta e de dificuldade progressiva.

Contras

  • Não possui muitos elementos de terror como seu predecessor;
  • Trilha sonora não muito vasta;
  • Se torna repetitivo com o tempo.

Alan Wake’s American Nightmare – PC – Nota: 7.5

Revisão: José Carlos Alves
Capa: Stefano Genachi

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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