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Análise: KorruPTus é uma fraca sátira do sistema político brasileiro

O tower-defense da AGW Global não tem muito a oferecer além de suas paródias de figuras políticas brasileiras.

KorruPTus possui uma mensagem explicitamente política. O próprio logotipo, que grafa em vermelho as letras “P” e “T”, já a deixa bem óbvia — não bastassem as inúmeras caricaturas que faz de famosos representantes do governo. Para os que ainda possuem dúvidas quanto ao viés político do jogo, um resumo: é bem parecido com aquele propagado pela jornalista Rachel Sheherazade e pelo deputado Jair Bolsonaro. Essas duas pessoas são, inclusive, glorificadas como heróis dentro do game.


Não discutirei a visão política do título. Não pretendo usar o espaço cedido a mim pelo GameBlast para debater minhas (e) outras ideologias. Falarei sobre a temática apenas no contexto do jogo e seus objetivos, tentando ser neutro (neste aspecto) e fazer o mínimo possível de julgamentos. Afinal, como disse, sua mensagem é clara e certamente já foi muito debatida em outros cantos da internet.

Em defesa dos brazucas

Em KorruPTus sua missão é defender a nação Brazucas. Após anos de opressão, ela foi dominada por piratas caribenhos, fazendo uso de um discurso enganoso e populista. A organização desvia recursos locais para financiar seus aliados cubanos, sacrificando no processo a qualidade dos serviços de saúde e educação. Liderados pela Capitã e pelo Homem Lula, os piratas ameaçam destruir a nação. Extremamente sutil, não é?
Quem será que essa figura representa?
O jogador deve impedir que os aliados do inimigo — representados por caricaturas de cabos eleitorais, assessores e políticos famosos — cheguem até a base da Capitã, uma versão deturpada do Palácio da Alvorada que faria Niemeyer se revirar no túmulo. Cada unidade que chega ao palácio desvia um pouco de dinheiro de escolas e hospitais para a construção de um estádio. Caso a obra seja concluída, fim de jogo.

Para atrapalhar os planos dos piratas, você tem à sua disposição unidades que representam manifestantes, militares e opositores do governo. Mas elas não lutam de graça: é preciso comprá-las, fazendo uso de um mísero salário mínimo (que pode sofrer decréscimos aleatórios referentes a impostos e outros fatores) para tal. Eu poderia fazer uma piadinha com o fato de manifestantes serem “comprados”, mas isso seria muito fácil.

O resultado é um tower-defense extremamente simplista. Os aliados só podem ser colocados em dez lugares predeterminados do estágio, restando ao jogador a única decisão de escolher se vai posicioná-los no começo ou fim do corredor. Os oponentes andam em fila, sempre pelo mesmo caminho, sem a menor alteração no decorrer da campanha.

No total são 12 ondas de inimigos, representadas por meses do ano, cada um com 30 dias… inclusive fevereiro. Pois é. Cada unidade vencida lhe recompensa com um pouco de dinheiro, que pode ser reinvestido em mais unidades ou usado para promover as já em campo. Caso sobre algum recurso ao final do mês, eles são acumulados para o próximo.


Os inimigos variam em apenas dois aspectos: velocidade e vida. Já as unidades aliadas variam em preço, força, velocidade de ataque e alcance. Elas são basicamente invulneráveis, só podendo ser retiradas de campo caso sejam vendidas. Infelizmente, o jogo é péssimo na missão de informar ao jogador a função e diferencial de cada uma. Apenas a força e custo são informados — as descrições se preocupam muito mais em parodiar as figuras representadas e todas as outras características só podem ser descobertas na prática.

Mas uma coisa é semelhante em todas as unidades aliadas: a péssima inteligência artificial. É comum um oponente pequeno com pouquíssima vida passar impune pelo corredor lotado de aliados porque eles estão concentrados em outro inimigo muito mais longe e forte.

O jogador também dispõe de uma habilidade especial que diminui a velocidade dos inimigos — um botão que invoca uma equipe de repórteres, baseados no programa humorístico CQC. É um recurso interessante, principalmente para lidar com oponentes mais velozes, mas foi mal aplicado. Ele demora muito para recarregar, e, como o game não avisa quantos e quais adversários vêm em cada onda, é basicamente impossível prever o melhor momento para usá-lo.

Não que isso importe muito. No final das contas, há pouco pensamento estratégico. Os sistemas do game são fáceis de abusar e cumprir seus objetivos é uma tarefa tediosa e que exige mínima interação. A jogabilidade se resume a gastar todos os recursos disponíveis nas unidades com maior ataque e colocá-las no início do corredor. No primeiro mês, é possível adquirir apenas dois ou três aliados. Mas com o dinheiro acumulado a cada onda, na metade do jogo já é possível se colocar 10 Barbosas em campo nos primeiros dias.

A imagem abaixo é um pequeno exemplo. No terceiro dia, apenas usando a renda economizada nos meses anteriores, ocupei todas as posições disponíveis do estágio com a unidade mais poderosa. Restou-me apenas esperar mais vinte minutos sem fazer coisa alguma, simplesmente olhando os inimigos incapazes de sequer chegar na metade do caminho.

Sátira ou paródia?

Falando nos objetivos do jogo… eles são bem altos. A descrição do game na App Store garante em letras capitais que cada brasileiro se identificará com as situações apresentadas e que o jogo implantará na cabeça das pessoas uma mensagem de mudança, abrindo caminho para criarmos uma nação melhor. Não é exagero de minha parte.

A mensagem de um jogo pode fazer alguém refletir ou se mobilizar? Claro, assim como ocorre com livros, filmes e vários outros produtos culturais. Mas não consigo ver grande força mobilizadora em KorruPTus, por mais que o jogador simpatize com a mensagem dele. O game é uma sátira rasa, resumindo-se a “políticos e aliados são corruptos, a oposição é heróica, proteste e mude o país”. É uma abordagem extremamente simplista dos problemas brasileiros, carecendo de argumentação.

Ele acaba sendo muito mais uma paródia, centrado no humor ridicularizante, do que de fato uma sátira. E uma paródia mediana, no máximo. A arte caricata é engraçada e arrancará risadinhas, independente do alinhamento político do jogador, mas a glorificação de algumas figuras polêmicas — como, por exemplo, militares — é um tanto quanto questionável.

“Seja ‘conciente’”

O jogo também sofre outros problemas menores, que se acumulam, degradando a experiência. A interface, por exemplo, não é exatamente das melhores. Faltam informações básicas, como o valor de venda das unidades, e ela tem vários glitches e bugs. O jogo também apresenta queda na taxa de quadros quando há muitos elementos na tela ao mesmo tempo e parou de funcionar pelo menos uma vez em minha experiência.

Outro problema é a linguagem. O inglês tem vários erros crassos e a tradução é incompleta — às vezes descrições em português aparecem do nada no meio do jogo. Isso é ainda pior se você considerar que o inglês é a linguagem padrão. Não que o português melhore muito: ele precisa de uma boa revisão e tem vários erros como “conciencia” e “encomoda”.
Uma Sherazade "encomoda" muita gente...

Por fim, há uma sensação de que o jogo está incompleto. Há apenas um nível com 12 ondas e uma congratulação ao concluí-lo. A mensagem promete atualizações futuras com novos níveis, sem uma data ou previsão de quando.

O título também pede que apertemos os “botões certos” nas urnas nas votações desse ano. Um conselho valioso, independente de seu viés político.

Prós

  • A arte caricata pode tirar algumas risadinhas

Contras

  • Simplista e repetitivo
  • Péssima inteligência artificial
  • Interface ruim
  • Sofre com quedas de FPS e crashes
  • Erros de inglês e português
  • Curto, possui apenas um nível no momento
  • Abordagem política superficial e polarizante

KorruPTus — iOS — Nota: 1,5
Revisão: Alan Murilo
Capa: Daniel Silva

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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