Analógico

A "Gamificação" e o poder dos games na transformação da sociedade

O mundo dos games sai das telas e invade a realidade para transformá-la através dessa técnica revolucionária.


Sempre que o assunto “games” entra em uma roda de discussão, vão existir aquelas pessoas dizendo algo como “games são inúteis” ou que “eles só provocam violência”. Bem, acredito que a maioria dos leitores discorda dessas opiniões porque considera o universo dos games, antes de tudo, algo extremamente divertido. E é para rebater qualquer crítica que os jogos possam sofrer sobre sua possível “inutilidade pública” que um termo novo vem ganhando força nos últimos anos. Hora de “gamificar” um pouco sua leitura e descobrir como os games podem mudar nossa sociedade e o mundo.

Gami… O que?


A origem do termo “gamificação” vem de um programador e inventor britânico, Nick Pelling, que o cunhou em 2002, A ideia de Nick era que conceitos e mecânicas do mundo dos games poderiam ser aplicadas a contextos do mundo real e motivar as pessoas a resolverem problemas. No entanto, o termo somente ganhou forças e começou a ser conhecido mundialmente a partir de 2010, quando empresas decidiram criar sistemas de conquistas e recompensas em seus softwares. Os empresários enxergavam um mercado promissor em que poderiam utilizar as ideias dos games de forma a criar uma interação maior entre seus serviços e consumidores.

Muitos pesquisadores relacionam a gamificação como uma forma de realizar a interação humano-computador de uma forma mais suave e lúdica. De fato, o primeiro objetivo da técnica é tornar as experiências sociais cada vez mais próximas ou aplicáveis ao contexto dos games. Existem vários aspectos do universo dos games que podem ser aproveitados em situações cotidianas. Por exemplo, quando completamos uma tarefa, é similar a obter uma conquista ou mesmo quando nos diplomamos é como se subíssemos de nível na vida. São inúmeras as comparações possíveis e poder criar essa perspectiva mais “gamística” da vida é o que torna a gamificação uma técnica que permite tornar tudo mais divertido.
Uma das principais motivações do uso da gamificação é as pessoas se perguntarem "por que o que eu estou fazendo não pode ser divertido?"

Atualmente os locais que mais fazem uso da gamificação são grandes empresas. Apesar de escolas e mesmo outras instituições menores já estarem tentando aplicar a ideia, são as grandes corporações que investem pesado nessa estratégia de negócios alternativa. Seguindo duas linhas principais, elas desenvolvem as interações sociais entre funcionários ou entre os clientes, promovendo uma transformação nos padrões de serviço e convivência que beneficiam tanto os empregados ou consumidores quanto a própria empresa. Os frutos do uso da gamificação nesse tipo de situação quase sempre são os mesmos: aumento da produtividade, desenvolvimento de espírito competitivo e um senso de autossatisfação por parte de funcionários e clientes (algo muito comum aos jogadores).
A vida é um jogo. Ou, pelo menos alguns aspectos dos games estão presentes nela.

Ganhando muita EXP

Apesar de ser uma prática ainda pouco conhecida do público em geral, existem vários exemplos de gamificação pelo mundo afora. E aos poucos, a aplicação dessa técnica se torna comum em vários serviços e aspectos de nosso dia a dia, mesmo que de forma implícita. A seguir, vamos analisar alguns dos casos mais interessantes do uso dessa técnica no ambiente social e profissional:

  • FPS da vida real: Apesar de saber que a guerra nunca é a solução de nenhum problema, um dos primeiros usos da gamificação foi para estimular o recrutamento de jovens americanos para as forças armadas do país. Ao contrário das terras tupiniquins, o serviço militar não é obrigatório na terra do Tio Sam e, por causa disso (além de outros fatores como estar sempre exposto ao perigo de uma eventual guerra contra nações do Oriente Médio), o número de alistamentos é cada vez menor. Para resolver esse problema, os militares desenvolveram um sistema para atrair novos soldados. Os americanos já são bem conhecidos por utilizar games no treinamento militar de seus recrutas, mas o “Virtual Army Experience” era um passo mais ousado. Lançado em 1999 e sendo exposto até os dias de hoje em shoppings e em eventos públicos, o sistema permite uma experiência muito próxima a um combate no mundo real, semelhante a Counter Strike. O uso da abordagem se mostrou muito efetivo, pois o número de alistamentos somente vem crescendo (pouco, na verdade) desde o início do experimento.
Mesmo virtualmente, os aspirantes a recrutas têm um gostinho da guerra de verdade.
  • Por uma vida mais saudável: Aí está um dos primeiros usos da gamificação, e que vem se mostrando um dos mais eficientes. O serviço social criado pela treinadora corporal mais durona dos Estados Unidos, Jillian Michaels, estimula seus usuários a manterem bons hábitos alimentares e praticarem esportes em um sistema similar a um game competitivo. A cada conquista alcançada no programa, os usuários recebem prêmios, selos especiais e ainda são premiados caso consigam uma vitória em um grupo ou com parceiros de dieta. Uma boa alternativa para aqueles que acham que tentar manter o bom físico é uma coisa chata e cansativa.
Jillian Michaels é uma das americanas mais saudáveis que existem. Então por que não compartilhar seus conselhos com outras pessoas de uma forma divertida?
  • Conhecimento livre: O site Treehouse é apenas um exemplo das várias iniciativas semelhantes que existem por aí (o site CodeAcademy, uma iniciativa brasileira, é outro caso). O importante é que ele foi um dos pioneiros na criação de um sistema online em que usuários poderiam aprender várias linguagens de programação, além de desenvolvimento de apps e também habilidades profissionais. De uma forma colaborativa, o site possui um sistema simples e amigável em que o usuário aprende enquanto compartilha experiências com outros profissionais e alunos mais experientes e se diverte obtendo conquistas especiais. E o melhor de tudo? Profissionais de pequenas e grandes empresas estão de olho na comunidade e boas oportunidades de emprego são obtidas através desse sistema lúdico.
Hora de aprender novas habilidades e, quem sabe, arranjar um bom emprego junto.
  • Consumidores felizes: Conseguir um bom relacionamento e feedback de satisfação de seus consumidores é outra das muitas aplicações em que a gamificação mostra seu verdadeiro poder. A empresa Step2, conhecida por produzir uma variedade de produtos para o público infantil, resolveu investir em um sistema que encorajasse os pais a participar mais da vida de seus pequeninos e, de quebra, garantir uma maior lealdade de seus principais clientes, os adultos. O site permite que clientes escrevam reviews sobre os produtos da empresa, compartilhem fotos e vídeos, além de ganharem pontos por atividades realizadas e subirem de nível e ranking. Quanto maior o nível do usuário, mais poder de influenciar outros consumidores ele adquire. Em suma, a empresa criou um setor de marketing social muito eficiente que faz boa parte do trabalho de propaganda para eles.
Melhorando a relação de pais e filhos e impulsionando as vendas.
  • Ler é bom. Ler mais é melhor ainda: Incentivar jovens a ler é um trabalho difícil (e me desculpem fãs de Crepúsculo, mas romance vampiresco-adolescente não conta como leitura, hehe). Para auxiliar nessa tarefa, a Biblioteca de Pierce County nos Estados Unidos criou um sistema em seu site que iria estimular o hábito da leitura em adolescentes durante as férias de verão. Através de uma série de desafios em que os usuários podem ganhar prêmios, conquistas e participar de uma “jornada épica”, os jovens podem competir entre si pelo uso do cartão da biblioteca. Ou seja, quanto mais livros retirados (e lidos, claro), mais poderoso o competidor se torna.
Incentivando a incrível jornada da leitura!
  • Poliglota: Uma ótima alternativa para aprender um novo idioma de uma forma prática e divertida é o site Duolingo. Com uma interface que lembra uma rede social misturada ao menu de um game os usuários podem escolher um idioma para começar a praticar. Por enquanto o serviço conta com apenas algumas línguas (como inglês, francês e alemão), mas graças ao apoio da rede cada vez maior de usuários, o site está em expansão e novos idiomas em breve chegarão. A forma de aprender conta com conceitos básicos que são explorados de forma a incentivar a prática e memorização. Ao mesmo tempo, o usário vai acumulando conquistas e pontos, além de subir de nível e poder acompanhar seu desempenho em comparação a sua rede de amigos.
Aprendendo um novo idioma de uma forma simples e divertida.

Muitos levels para subir ainda


A gamificação é uma técnica em pleno crescimento. Apesar de estar muito difundida principalmente na internet, o mercado que ainda mais explora essa técnica continua sendo o americano, seguido pelo europeu. No Brasil, são poucas as empresas que utilizam o conceito e tentam aplicar técnicas do mundo dos games para promover um desenvolvimento social maior entre seus funcionários ou clientes. Podemos perceber alguns exemplos que usam QR Codes em seus produtos para promover interações sociais ou mesmo casos em que grandes promoções convidam os clientes a participarem de experimentos sociais digitais que se assemlham muito a games. Mesmo assim, são casos isolados. É preciso mais incentivo e também mais divulgação, pois são várias as possibilidades de uso dessa técnica e também os diversos campos de atuação dela.
Sim, nós podemos!

E você, leitor, qual outra área ou aplicação você acha que poderia ser “gamificada”?

Revisão: Vitor Tibério

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google