Analógico

Modelos de dificuldade: um comparativo entre Resident Evil e Dark Souls

Desde o advento do mundo dos games, a conclusão de títulos considerados difíceis foi sempre considerada motivo de orgulho entre muitos jo... (por Unknown em 08/05/2013, via GameBlast)


Desde o advento do mundo dos games, a conclusão de títulos considerados difíceis foi sempre considerada motivo de orgulho entre muitos jogadores. Terminar jogos como The Simpsons naquele arcade da sua rodoviária, Super Ghouls’n’Ghosts em seu Super Nintendo ou até algum bizarro título de Atari (que muitas vezes era desenvolvido sem preocupação alguma com a possibilidade do jogador finalizar o jogo), tornou-se um tipo de troféu moral, e criou um certo nicho de mercado para jogos “difíceis”.

O que é dificuldade?

Desde o surgimento (ou talvez descoberta acidental) do conceito de dificuldade, muitos gêneros se viram buscando e desenvolvendo mecanismos para aumentar o nível de desafio em um game: inserção de inimigos mais resistentes, plataformas móveis, inteligência artificial agressiva... Toda sorte de artifícios que obrigassem o jogador a considerar o peso de cada apertar de botão. Estava lançada a corrida pela dificuldade.

Nesta brincadeira, enquanto títulos como Castlevania tornaram-se instantaneamente um sucesso de crítica e público, outros, menos afortunados, foram classificados como obras injogáveis. Às vezes títulos que  carregavam as mesmas mecânicas e premissas básicas tinham recepções radicalmente diferentes. Como pode?

O arco do machado faz um caminho perfeito para acertar este chefe
O fato é que o mercado dos jogos é muito recente e, até poucos anos atrás, não existia uma “escola de design”. Muitos desenvolvedores simplesmente não se preocupavam em pensar o jogo e seus desafios, apenas trabalhavam amontoando fases e inimigos em locais aleatórios.

A nível de comparação, o gênero plataforma pode servir bem de exemplo: enquanto títulos como Megaman, Metroid e o já citado Castlevania se preocupavam com a colocação exata de cada objeto e inimigo no cenário, games como Street Fighter 2010 (sim, isso veio antes de Street Fighter 2, e era um jogo de plataforma),  simplesmente jogavam todos os desafios que podiam ao mesmo tempo. In your face.

Em Street Fighter 2010, a localização dos inimigos é caótica
Nesse sentido, podemos perceber que o que diferencia um jogo difícil de um frustrante não é apenas o conjunto de regras e mecânicas impostas, mas sim uma estreita relação entre tais parâmetros e um design de fases cuidadoso e planejado.

Resident Evil – Um clássico ultrapassado?

Sendo um dos primeiros títulos relevantes de Survival Horror (e talvez o grande responsável pela popularização do gênero), Resident Evil, lançado em 1996 para o PlayStation (e portado posteriormente para o N64), trazia em sua gloriosa apresentação live action uma clara mensagem sobre a abordagem do jogo: zumbis, sangue e terror.

A série, que ao longo dos anos ganhou diversas continuações, filmes e spin-offs, foi pioneira em vários conceitos de ambientação e jogabilidade. Enquanto os primeiros jogos tridimensionais dos consoles permitiam ao jogador uma movimentação rápida e estratégias de combate simples para derrotar todos os inimigos, Resident Evil trazia uma jogabilidade condizente com sua ambientação aterrorizante.

Munição limitada, número de saves limitado, corredores estreitos e uma movimentação travada. A ideia toda era passar ao jogador a sensação de opressão e medo e, dentro da proposta, tudo funcionava muito bem. A obrigatoriedade de parar para poder atirar, de saber quando lutar e quando correr e até mesmo de quando salvar o jogo, mantinham o jogador sobre pressão constante. Morrer não significava apenas um reload, mas várias horas de desafios a serem superados novamente.

Parar para atirar era uma forma de deixar o jogador vulnerável
Somando a isso, o sistema de dificuldade progressiva do título garantia que, mesmo depois que o jogador estivesse com armas e equipamentos melhores, haveriam sempre novos inimigos ainda mais poderosos à espreita. O medo estava literalmente atrás de cada porta.

Com o passar dos anos, entretanto, mesmo tendo atualizado (com louvores) algumas de suas premissas básicas nos capítulos pós Resident Evil 4, a série acabou ganhando um certo status de antiquada. A fórmula de sucesso, que antes cativara muitos jogadores, parecia já não fazer mais tanto sentido.

Alguns acusaram o jogo de mudar demais suas raízes, outros falaram que tirar o foco dos zumbis tradicionais teria sido o começo do fim da série. Pessoalmente discordo: o problema parece estar em nós.

A questão fundamental, neste caso, é que esta abordagem parece ter envelhecido mal. Embora em seu tempo, a jogabilidade de Resident Evil tenha sido o grande padrão de qualidade do gênero, hoje, quando comparada a títulos mais modernos – como, por exemplo, Dead Space – estas travas impostas sobre a jogabilidade parecem perder um pouco do sentido.

Dead Space segue a linha de RE, mas com controles muito melhores
Naturalmente, o mecanismo continua sendo eficaz para a sensação de fragilidade, entretanto, a luz de conceitos mais desenvolvidos de design, estas restrições tornaram-se entraves já não mais justificáveis. Com tantos títulos amedrontadores com jogabilidades fluídas, por que manter esses controles obtusos? O resultado é que a própria série vem se modificando e tentando se atualizar, embora ainda não tenha reencontrado seu foco.

Dark Souls – Fruto de uma nova escola

A dupla Demon’s Souls e Dark Souls pode ser considerada uma das grandes pérolas desta última geração. Ainda que não tragam grandes inovações per se, o modo com que os desenvolvedores expuseram os elementos dos títulos tornaram rapidamente a série um grande expoente. Dark Souls é, sem dúvidas, um jogo difícil.

Em uma primeira olhada superficial, os títulos da From Software se assemelhariam muito a um Fable, talvez até Zelda. A movimentação aberta, utilização de diversas armas, escudos e o vasto arsenal mágico disponível ao jogador não parecem realmente próprias para um jogo difícil. Na verdade, para quem assiste um bom jogador em sua jornada, o jogo pode parecer até simplório.

Diferente de Resident Evil, os mecanismos de dificuldade de Dark Souls encontram-se no outro extremo da linha. Se RE se caracteriza por impor uma atmosfera restritiva ao jogador, Dark Souls é completamente liberal em sua jogabilidade, mas cobra do jogador uma total atenção.

Calcular mal tempo de uma esquiva costuma ser fatal
Traduzindo: ainda que você tenha sempre a possibilidade de derrotar qualquer inimigo com praticamente qualquer arma, em qualquer nível (como vários videos provam), o título é extremamente punitivo, no caso do jogador realizar algum movimento em falso.

O que entra em questão aqui é a impiedade do jogo. Sem jamais tentar te atrapalhar, ele apenas expõe as regras (tempo de resposta entre cada ataque, peso de cada arma, resistência de cada escudo) e espera do jogador respostas adequadas a cada ocasião. Você dificilmente se verá em uma situação sem saída, apenas deverá jogar de modo inteligente, sem apertar botões aleatoriamente. Ná prática, podemos dizer que o maior mecanismo de dificuldade presente em Dark Souls é o próprio jogador.

De lá pra cá

Alguns jogadores mais antigos podem dizer que estamos ficando mal acostumados com essas jogabilidades mais liberais. Entretanto, novamente (e humildemente) discordo. Como vimos, não só foram só as mecânicas dos jogos que evoluíram, mas sim o próprio conceito de dificuldade e a capacidade dos consoles. Com isso, é natural que os jogadores anseiem por mais liberdade.

Se antigamente era preciso impor ao jogador travas para que este se sentisse desafiado, hoje em dia estamos trabalhando com processos muito mais refinados. Em um comparativo (meio besta, eu sei): antigamente dávamos ao jogador uma pedra, e pedíamos para ele cortar o queijo enquanto pulava em um pé só; hoje, por outro lado, estamos dando ao jogador a faca e o queijo, mas obrigando que ele aprenda a cortar o queijo em cubinhos.

Naturalmente, grandes clássicos serão sempre clássicos. Está muito longe de mim questionar a qualidade de um título como Resident Evil, ainda assim, pelo bem dos jogos, estes precisam evoluir, e eu, particularmente, não sinto falta alguma de ter que ficar plantado no lugar para atirar contra um zumbi à queima roupa. Mas, e para você, amigo leitor, como é a dificuldade ideal?

Revisão: Leandro Freire
Capa: Douglas Fernandes

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


  1. Dificuldade e mecânicas de jogo andam de mãos dadas. Parte da dificuldade do game é dada de acordo com as mecânicas utilizadas em cada título. O problema é que a mecânica também influencia no tipo e gênero do jogo. Apesar de RE4 manter um grau de dificuldade bem utilizado (curva de dificuldade e aprendizado, diferentes níveis de dificuldade, etc.), a mudança nas mecânicas do jogo, como munição a todo o momento, ervas de sobra, quick time events, dinheiro e compra e venda de armas e munição, serviram para tirar o foco da sobrevivência e transformar a série em um título de ação.

    Eu não digo que os novos jogos de RE devem seguir exatamente as mesmas mecânicas do original, como ser obrigado a ficar parado enquanto atira, mas os elementos que o definem como um survival horror deveriam ser mantidos, como a munição escassa, e saves limitados, por exemplo. O ambiente não precisa ser fechado para passar uma sensação de claustrofobia, um ambiente aberto e escuro pode passsar essa mesma sensação, dependendo de como for feito. A série não precisa virar um gênero de ação com zumbis para inovar (o que não é nenhuma inovação) ou continuar a viver no mercado de games. Ela só precisa tratar seu legado com respeito ao mesmo tempo em que se adequa às novas tecnologias.

    ResponderExcluir
  2. É bom lembrar que a expectativa é diferente de acordo com o tipo de jogador: o hardcore player quer mais liberdade e recursos, e os casuais querem mecânicas simples.

    ResponderExcluir
  3. Um jogo bom e difícil é aquele que desafia o jogador. Não deixa ele passar de qualquer desafio só colocando para frente e apertando os botões aleatoriamente, mas também não exige demais ao ponto do jogador ter que repetir trocentas vezes a mesma parte e frustrá-lo.

    ResponderExcluir

Disqus
Facebook
Google