Analógico

Metal Gear e a Filosofia - Como um jogo pode tocar a psique humana

O universo dos games é enorme, formado por milhares de títulos desenvolvidos ao longo de décadas. São tantos lançamentos, que o reaprovei... (por Unknown em 18/04/2013, via GameBlast)


O universo dos games é enorme, formado por milhares de títulos desenvolvidos ao longo de décadas. São tantos lançamentos, que o reaproveitamento de fórmulas de sucesso e histórias toscas é enorme. São tantas abobrinhas que falar que a cada dez jogos, um presta é uma afirmação ainda otimista. Ainda assim, em meio aos bons jogos, temos uma categoria especial, composta por aqueles seletos títulos que conseguem
impactar de modo sincero os jogadores. Jogos que por sua história e simbologia transcendem a barreira da realidade e tornam-se verdadeiros marcos para os gamers e desenvolvedores. Títulos carregados de emoções indescritíveis. Para explicar estes, um dos melhores exemplos é a série Metal Gear.

Correndo por fora da indústria

Você pode não lembrar, mas em 1998 o mundo era um lugar diferente. Enquanto nos computadores matar alienígenas era a lei, os consoles estavam tomados por mascotes fofinhos e jogos de temática mística. Nessa época, os poucos títulos que tentavam apresentar enredos realistas mais lembravam filmes de ação de segunda.

Tudo isso até o aparecimento de Metal Gear Solid. A série da Konami (que hoje conta com títulos para  praticamente todos os consoles), vinha abandonada desde 1990, ressurgiu com folego no primeiro PlayStation, e para aqueles que consideravam que Ocarina of Time seria o líder absoluto da geração, este sofreu um grande choque de vendas e críticas com o título de Hideo Kojima.


Se por um lado OoT é considerado, por seu design e seu impacto na indústria, um dos jogos mais importantes já desenvolvidos, Metal Gear Solid deve ser considerado igualmente importante quando estudamos as narrativas nos jogos digitais.

Lidando com as emoções – a importância da empatia

Ainda que hoje, com modelos de alta resolução e captura de movimentos, tal feito seja facilitado, tecnicamente falando, para uma mídia de entretenimento 100% digital, lidar com emoções pode ser considerado um dos feitos de maior dificuldade. Para a época então, mais ainda.

Sem atores reais, e com modelos de baixa resolução, a expressão de sentimentos discretos como tristeza e angústia deve ser feita através da utilização de símbolos globais, facilmente compreendidos. É aí que entra a genialidade de Kojima.


Para facilitar esta construção de emoções, a empatia é um dos fenômenos mais importantes que entra em jogos. A grosso modo, empatia é  a capacidade que temos de nos colocar no lugar dos outros, de ver um desconhecido ser vítima de uma agressão e nos revoltarmos com isso, literalmente, de tomarmos as dores dos outros como nossas.

Mais do que um conceito distante, a empatia é um fenômeno biológico, advindo de uma capacidade cerebral de replicar estímulos sensoriais alheios em nosso corpo. Entretanto, socialmente, o fenômeno da empatia está associado a uma ligação muito tênue entre observador e observado, ligação esta que depende
de certos atributos semelhantes.

Estudos mostram que a capacidade empática das pessoas está diretamente ligada ao número de atributos comuns entre estas. De um modo simples, é mais fácil um índio sentir a dor de outros índios do que
pessoas de uma etnia diferente. Como regra geral, quanto maior o número de atributos compartilhados, e até relações compartilhadas, mais fácil será criar esta ligação emocional entre duas pessoas – ou uma pessoa e um personagem.

Metal Gear Solid: uma escola de design

Comecemos então estudando o personagem. Ainda que seja clone de outro grande guerreiro e tenha cumprido vários feitos dignos da fama, Solid Snake não é um super herói. Ele não possui super poderes, super armas nem nada semelhante. Viciado em cigarros, sofrendo de estresse pós-traumático, Snake é apenas um homem treinado, seguindo sua missão. É importante ressaltar estes traços humanos, que servem como base de aproximação entre o personagem e o jogador.

Passando para o jogo, logo na apresentação, Snake expõe sua situação em Shadow Moses: uma infiltração solitária, inicialmente desarmada, e baseada na furtividade. Esta sequência, além de contextualizar a secundarização das armas durante o jogo ainda evidencia um dos traços principais da série: a furtividade.

Neste ponto, é possível perceber mais uma das maiores convergências entre Snake e o jogador: embora nosso herói seja um personagem com um passado completo, repleto de memórias e sentimentos, a mente por trás da resolução dos enigmas é sempre a do jogador.


Diferente de um jogo padrão, em que controlamos apenas as ações do personagem, estamos obrigando nosso cérebro a pensar como o de Snake. Mais do que controlar um heroi em sua jornada na obtenção de novos poderes, estamos controlando diretamente a sua mente e vivenciando os mesmos enigmas e dilemas que ele. Tal simbiose, que se fortalece mais a cada situação superada, facilita a formação dos vínculos emocionais entre ambos.

Fora isso, ainda na parte de design, temos grandes cadências de humor ao longo do jogo. Momentos suaves com direito a piadas no codec, momentos densos como as cenas de tortura, momentos de heroísmo e tristeza. Todos bem distribuídos ao longo da aventura, para garantir a manutenção do interesse e combater qualquer saturação que possa decorrer da linearidade na jogabilidade.

Personagens bem desenvolvidos

Para suportar estas ligações e manter um elo com a narrativa do jogo temos um grande cast de apoio. Diferentes personagens são introduzidos ao longo da trama, muitos com personalidades e funções duplas.


Explico: para o jogador, existe a pessoa para quem você liga para tirar dúvidas, a pessoa para quem você liga para salvar o jogo, a pessoa que você liga para saber mais sobre alguma coisa. Ao mesmo tempo, dentro do jogo, todas essas situações são também importantes para Snake, mas de um modo diferente, fazendo relações e traçando vínculos sobre seu passado com cada um destes.

No capricho com os personagens, duas situações são dignas de nota. Em primeiro, a aparição de Psycho Mantis, um verdadeiro referencial quando falamos de chefões. Mais do que quebrar a quarta barreira com diálogos curiosos, Mantis trata Snake por sua verdadeira forma: como jogador. É o jogo lidando diretamente com o você, e Snake torna-se apenas um avatar de sua vontade. Neste momento o jogo ainda transcende o console e passa para a vida real: mudar o controle de slot.

Em segundo, a grande traição de Master Miller, que na verdade era o vilão Liquid Snake disfarçado. Mais do que enganar Solid, a conversa gera uma daquelas surpresas legitimas por parte do jogador, que se sente subitamente traído por alguém que estava, supostamente, lhe ajudando a vencer seus obstáculos.

Psycho Mantis podia ler mentes... inclusive a sua.

A trama dá a liga

Por último, e naturalmente não menos importante, temos o enredo em si. Qualquer pessoa que tenha jogado pode confirmar: a ficção por trás da série Metal Gear consegue impressionar por seu grau de credibilidade.

Mais do que simplesmente inventar nomes e termos, Metal Gear trabalha com conceitos e temáticas do mundo real. Questões de clonagem, melhoramento genético, terrorismo, ameaças nucleares...Todos estes eventos ligados por um certo “elemento X”, pequenas coisas inventadas em cima de fatos reais, que garantem as proporções épicas da trama.

Além disso, fugindo do bem e mal absoluto, Metal Gear tange por uma linha em que não existe nada concreto. Todos os eventos são apenas conflitos de interesses, em que cada personagem traz suas próprias motivações, muito maiores do que dominar o mundo ou qualquer coisa semelhante. A relativização é tanta que organizações mudam de lado constantemente, e, com o decorrer da série, até o objetivo das missões de Solid é colocado contra a parede.
Para muitos, Big Boss é visto como um libertador, enquanto Solid é apenas um fantoche do governo.

Um exemplo a ser seguido

Quando foi lançado, Metal Gear Solid caiu como uma bomba na indústria, recebendo várias premiações de jogo do ano e afins. Seu impacto foi tanto que a série que vinha esquecida ganhou um folego novo, uma leva de fãs e um status místico que perdura até hoje.

Naturalmente que com o sucesso de Metal Gear Solid, outros surgiram tentando abocanhar um pouco deste mercado. A maioria, infelizmente, com muito menos sucesso e capricho. Ainda assim, é possível ver em bons lançamentos o cuidado que passou a ser tomado com cada personagem e com sua integração com o jogador.

Desde as relações em Mass Effect até as situações dramáticas vividas em Tomb Raider (o novo), inserir o espectador como participante da obra tornou-se uma das grandes ambições de todo game designer, e estabelecer enredos com temáticas realistas se tornou uma prática recorrente nos grandes lançamentos.

Sabendo disso, fique de olho. Nos próximos jogos que você sentir compaixão pelos personagens, pergunte-se como isso está acontecendo, quais são os pontos de semelhança, e como o jogo esta mexendo com
a sua cabeça.

Revisão: José Carlos Alves
Capa: Vitor Nascimento

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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  2. podia ter avisado a existência de SPOILERS :(

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