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Análise: Magenta Arcade (iOS/Android) mete o dedo nos shoot’em ups

Um “jogo de navinha” sem naves: como uma boa dose de level design e só um dos dedos da mão podem dar cara nova a um gênero.

Chame pelo vocábulo da língua inglesa “shoot’em up” ou pelo termo da linguagem popular brasileira “jogo de navinha”: este tipo de game de tiro é um dos mais icônicos da história dos videogames. Quase sempre inserido em contextos futuristas ou de ficção científica, é, no fim, quase a mesma coisa todas as vezes: pegue a nave, desvie de uns milhões de balas, destrua algumas coisas que voam, vença o chefão e salve todo o universo. Claro que sempre tem uma coisa aqui ou ali, mas… digamos que ter uma nave (ou algo semelhante) em um jogo assim virou clichê.




Aí alguém vem e decide quebrar com essa tradição de tantos anos, um verdadeiro transgressor das regras básicas do universo dos shoot’em ups. No lugar do espaço sideral, um reino contemporâneo. No lugar do chefão feio, um gênio malvado que quer dominar este lugar. No lugar do herói viajante espacial, um deus que deve proteger seu povo. E no lugar da nave, o dedo mais poderoso do mundo — e é por causa dele que Magenta Arcade ganha seu lugar ao sol, disponível para iOS e Android.

Ivo “quase um Nietzsche” Magenta

Nada melhor que um gênio com desejos megalomaníacos para estragar a sua festa, não é? A história começa com você, o verdadeiro deus de toda uma terra, vangloriando-se em um ritual de oferendas. Por algum motivo esquisito, o que você ganha são desejos em forma de botões gigantes, que você adora apertar. No meio de tudo, você caiu em uma armadilha feita pelo malvado Ivo Magenta e acabou em um sono profundo. Quando você acordou, o mundo estava um caos e cabe a você restaurar a paz (pontos bônus pelo teaser hilário!).
Eu sei que ficou até repetitivo o uso da primeira pessoa, mas esse é o espírito. Magenta Arcade não te entrega apenas o mundo a ser salvo, mas todo o controle da sua ação no jogo. Já que não existem “naves” e é o seu próprio dedo quem atira, você tem a liberdade de tirá-lo da tela a hora que quiser. Sem ele lá, você não toma dano, não atira, não é visto pelos inimigos. Essa é a mecânica básica do game e um dos seus maiores méritos, mas não o maior.

Vão-se os anéis, fica o level design

Sinceramente, de nada adiantaria uma ideia legal de usar o dedo como foco principal se não fosse bem executada. A cada fase que passa, novas mecânicas vão sendo incorporadas, até mesmo relacionadas às temáticas de cada estágio. Adentrando na floresta, certos inimigos podem jogar uma bomba tão potente que precisa ser desativada antes de ser lançada. Já na praia, uma pedra mágica na areia pode alterar o nível das marés ao ponto de criar ondas gigantes.

Mecânica central diferente e interessante: checado. Ideias extras que vão sendo incorporadas com o tempo: checado. Afinal, por que Magenta deve ser lembrado se não for por isso?

Pelo seu level design. As fases não são construídas apenas para terem um certo nível de desafio, mas também para que o jogador aprenda o que fazer antes de efetivamente precisar fazer. Tomemos como exemplo a “pedra da onda”, que é introduzida na fase da praia: você não usa ela de verdade na primeira vez que aparece. No começo, você encontra uma pedra apagada, no meio do cenário, com um símbolo familiar. Alguns tiros depois, ela se acende e… ÁGUA domina a tela e faz os inimigos flutuarem.

A partir daí é que vão sendo ensinadas (e, ao mesmo tempo, testadas) as aplicações dessa mecânica e, alguns minutos depois, quando o desafio relacionado a isso realmente chega, tudo passa a ser natural — uma forma tão orgânica que pode ser comparada, nas devidas proporções, a Mega Man X. Outros detalhes dos níveis também impressionam: fazer pequenos desafios (como matar, em seguida, vários inimigos difíceis de alcançar) são recompensados com pontos na hora, em forma de, digamos, “presentes surpresas”, já que nem o jogador espera isso. Gratificante no momento certo.

E o que dizer destes chefes? Todos apresentam formas criativas de serem apresentadas, que também são mostradas de forma muito orgânica — quase como o que ocorre em The Legend of Zelda: basta apenas um pouco de atenção para identificar os padrões que levam à vitória. Alguns ainda utilizam das mecânicas apresentadas durante a fase ou até da ideia de ter um dedo como “nave” para tocar em outros elementos da tela. Pensando assim, fica até a ideia de que ter apenas cinco fases (mais um prólogo) é um grande potencial que poderia ter sido muito mais explorado.


“Paradoxo” quadrangular

Durante todo o jogo, existem oito tipos de tiros, divididos em dois tipos (Hold, os normais que ocorrem quando se segura o dedo na tela, e Tap, especiais ativados com um toque) e em quatro cores, cada um relacionado a um atributo, funcionando de forma diferente: vermelho (fogo), amarelo (eletricidade), verde (vento) e azul (dano físico). Tiros Hold podem ser melhorados com desafios extras que aparecem nas fases (os mesmos responsáveis por aumentar/recuperar a vida) e tiros Tap são recarregados durante o progresso do nível.

A ideia é que, para trocar a cor dos tiros, é preciso apertar em botões coloridos que aparecem conforme a jogatina acontece. A grande sacada é: nem sempre vão aparecer todos. Pode ser que, para começar uma nova tela, estejam apenas disponíveis os Hold amarelo e azul e um Tap vermelho. Considerando que cada um funciona de um jeito, como saber qual é o mais sábio a se usar?

É aqui que Magenta Arcade cria um “paradoxo” no seu próprio level design — e, pasmem, isso funciona muito bem —: você não sabe qual cor é a melhor porque não sabe o que tem por vir, não tem como ele te ensinar. Se você não for um jogador desatento e perder por bobeira, são nesses pontos que a morte se fará necessária dentro do game para que o aprendizado aconteça. Você pode até conhecer como funciona cada cor e cada tipo, mas só depois de ver o desafio é que saberá o que deve fazer.

Isso é ruim? Não, dentro do contexto, não é. Você é um deus, lembra-se? Por mais que todos indiquem o que desejam, você ainda tem uma grande poder nas mãos (ou seria nos dedos?). Parafraseando o Tio Ben (e, por tabela, Stan Lee), grandes poderes trazem grandes responsabilidades e, portanto, trazem decisões. Escolher a cor que vai usar a partir de então é uma metáfora, muito divertida, por sinal, dessa ideia. É uma tentativa-e-erro com lógica, que não cansa e possibilita se virar, mesmo com uma escolha errada.
Muito mais que só magenta: a beleza e o cuidado na concepção do seu gameplay reflete-se também no visual e na trilha sonora do jogo. Todo construído no pacote retrô pixel art + chiptune, as fases são muito bonitas de se ver e apreciar, além de serem muito funcionais e ajudarem o level design a ser tão orgânico. Vale a pena até jogar com o volume alto para aproveitar as bonitas melodias que ele traz, combinando bem com as atmosferas de cada estágio.

Entre méritos e dedos

Magenta Arcade tem um bom level design, que consegue unir uma mecânica principal inovadora a várias outras de forma bem orgânica e desafiadora, mesmo tendo traços de tentativa-e-erro que se encaixam bem ao resto. É bonito de ver, gostoso de ouvir e divertido de jogar. Nem preciso dizer que ele é recomendado aos fãs do gênero, aos que procuram um bom jogo mobile e a todos os dedinhos matemáticos cantores do Castelo Rá-Tim-Bum (ou qualquer pessoa que tenha pelo menos um dedo pra aproveitar).
Aliás, ele ainda é brasileiro, feito pela Long Hat House, uma desenvolvedora mineira de Belo Horizonte: o nosso país tem potencial para fazer jogos ótimos e é uma pena que Magenta não esteja disponível também em português.

Prós

  • Level design orgânico, interessante e muito bem-feito;
  • Mecânica principal inovadora: usar o dedo como “nave”;
  • Renovação constante com outras ideias apresentadas durante os níveis;
  • Visual bonito e trilha sonora interessante.

Contras

  • Poucas fases e muito potencial inexplorado;
  • Falta de tradução para português do Brasil.
Magenta Arcade — iOS/Android — Nota: 9,0
Versão utilizada para análise: Android
Revisão: Vitor Tibério
Capa: Diego Migueis 

sempre com projetos criativos, estranhos ou os dois ao mesmo tempo. desenvolvedor de software, game designer e escritor sobre as coisas que eu gosto.
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