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Análise: Cangaço (PC) traz a história do sertão nordestino aos jogos

Em meio a várias falhas, a ambientação da história do sertão brasileiro, com alguns detalhes muito interessantes, é o ponto alto de Cangaço.

Devo confessar que eu gosto muito da história do Brasil. E eu fico muito animado quando trazem uma parte dela para o enredo de um jogo (espero isso em Assassin’s Creed até hoje). Quando vi Cangaço no SplitPlay, me interessei logo pelo título, confesso. Afinal, o sertão nordestino é um dos cenários mais conhecidos e ricos da nossa história e eu queria uma ambientação digna dele. Neste ponto, pelo menos, eu não me decepcionei.

Cangaceiro ou Volante?

O jogo te dá duas campanhas para serem jogadas: ou você entra na pele de um Cangaceiro e sobrevive ao sertão ou incorpora um Volante e enfrenta a missão de acabar com o cangaço. A ideia é criar seu próprio personagem, dando um nome e colocando os pontos disponíveis nos atributos Força (que interfere nos tiros do personagem), Destreza (aumenta o raio de distância dos tiros) e Fé (usada para conseguir novas habilidades). O primeiro defeito é que as duas campanhas são muito curtas e mal explicadas, não tendo um plano de fundo real para saber o porquê de atravessar um mapa gigante e manter seu personagem vivo. Tudo bem, “manter o personagem vivo” é algo óbvio, convenhamos.


O seu personagem ainda tem uma grande árvore de habilidades para serem desbloqueadas, ao passo de uma por nível que você alcança. Entre ativas e passivas, temos habilidades de cura, ataque, defesa, destreza e muitas outras. O problema das curtas campanhas, entretanto, esbarra aqui também: não dá tempo de abrir nem metade da árvore antes do jogo terminar. Eu mesmo terminei a campanha do Cangaceiro e só tinha conseguido três habilidades de mais de vinte disponíveis.

Uma belíssima ambientação

O ponto forte do jogo é, sem dúvida, mostrar que aquilo se passa no verdadeiro cangaço brasileiro e não uma versão modificada da história apenas, como muitos dizem, para “gringo ver”. A maioria dos elementos do jogo formam a atmosfera sertaneja, desde a parte visual até a sonora. Falando em som, a música de Cangaço é muito bonita, trazendo músicas que remetem automaticamente ao Nordeste. De quebra, a versão do jogo disponível no SplitPlay traz a trilha sonora para ser ouvida.



O visual é uma das inovações: já tinha ouvido falar antes em “3D feito à mão”? Todas as texturas dos modelos tridimensionais de Cangaço foram feitas manualmente com lápis de cor e digitalizadas em alta qualidade para darem cor e vida aos personagens e cenários. Não há um ar realista, mas uma ideia que se remete quase à literatura de cordel, que é muito bonita, sem dúvidas. As referências ao cordel não param por aí: toda a (pouca) história apresentada é feita por meio de estrofes rimadas, como neste estilo de texto.


Outros detalhes que, às vezes, podem passar despercebidos, dão o toque final na ambientação sertaneja. Todos os nomes de habilidades são baseadas na vida do cangaceiro e do volante; afinal, quando você esperaria que o personagem de um jogo falasse — literalmente, pois existe uma pequena dublagem no jogo — “Ave Maria” na hora de se curar? Ou então pudesse usar rapadura ou a “Cachaça Levanta Difunto” como itens de recuperação de vida? Ou ainda que um urubu começasse a voar em cima da cabeça dos personagens que já estão para morrer? São estas pequenas coisas que fecham o lindo Cangaço feito pela Sertão Games.

A ideia é ótima, mas…

Como eu tinha dito, não me decepcionei quanto à ambientação, pois isto foi feito com quase maestria. Os maiores problemas de Cangaço são quanto à sua jogabilidade. A proposta, aliás, é bem interessante: um jogo de estratégia em tempo real com apenas quatro personagens, no máximo, sendo que apenas um evolui níveis e ganha novas habilidades (no caso, o que você mesmo cria). Pena que a execução não foi tão boa assim.

O jogo chega a ser repetitivo em algumas partes. Pela falta da indicação de história, você simplesmente tem na sua cabeça a ideia de “ir andando e matar qualquer inimigo que aparecer” e, em tese, é isso mesmo que fazemos. Uma vez ou outra você deve enfrentar um bando de Volantes para salvar um amigo cangaceiro ou recuperar um item escondido, mas, quase sempre, a ideia é só chegar ao ponto final do mapa. Junte isso às curtas campanhas e os níveis de animação só se sustentam pela temática do sertão.


A movimentação dos personagens é quase questão de sorte. Quando você anda com apenas um personagem, tudo corre bem e ele vai ao lugar que você quer. O problema começa quando você seleciona mais de um: apenas o primeiro vai ao local marcado, os outros simplesmente escolhem onde ficar, até mesmo ultrapassando o lugar e, inevitavelmente, morrendo. Depois de muitas tentativas, é possível perceber que eles tentam formar um padrão, mas quase sempre fica só na tentativa. Tem vez que o personagem nem sai do lugar!

Alguns bugs também aparecem durante o jogo: as músicas param de tocar depois da primeira vez (ou seja, não continuam repetindo e criam um silêncio estranho) e as batalhas param sem motivo aparente (você tem que movimentar algum personagem para que o tiroteio continue). Entretanto, tenho certeza que estes serão corrigidos em futuras atualizações do jogo.


Algumas mecânicas, entretanto, funcionam muito bem. O sistema de dia e noite, por exemplo, dá um ar mais realista ao jogo e mostra a dificuldade de se aventurar pelo sertão sem o sol raiando no céu: só é possível enxergar alguma coisa se um dos personagens estiver com uma lamparina em seu inventário. Aliás, o inventário é bem interessante e inteligente: não existe forma de equipar itens ou colocá-los no uso rápido. O jogo automaticamente escolhe o seu melhor arsenal e o disponibiliza na tela para ser usado.

A promessa do sertão

Cangaço não é um jogo ruim. Ele só poderia ter sido muito melhor do que é. Com toda a ambientação pecando apenas na falta de uma trama mais consistente (ou seria existente?), as falhas de jogabilidade são os responsáveis por não tornar o jogo uma verdadeira Maria Bonita. Entretanto, com a promessa de atualizações importantes e a inclusão de novas campanhas e modos multiplayer e de criação de fases, o jogo poderá se tornar uma grande flor no sertão. Por enquanto, Cangaço é apenas um game mediano e lindo e eu realmente espero que se torne um game ótimo e lindo. Você pode adquiri-lo na SplitPlay.


Prós

  • Visual “3D feito à mão” é lindo e combina com a proposta;
  • Músicas que trazem o sertão nordestino para o jogo;
  • Pequenos detalhes finalizam a ambientação majestosamente;
  • Mecânicas de dia e noite e inventário inteligente funcionam muito bem;
  • É totalmente em português.

Contras

  • História é rasa, que não conta muito sobre a vida dos personagens;
  • Campanhas disponíveis são curtas;
  • Mecânica de jogo acaba sendo repetitiva em alguns momentos;
  • Movimentação dos personagens falha com mais de um personagem;
  • Alguns bugs estragam a experiência de jogo.
Cangaço — PC — Nota: 5,5
As imagens e vídeos usados na matéria foram disponibilizados no kit de imprensa do jogo e não correspondem ao produto final.
Revisão: Vitor Tibério
Capa: Felipe Araujo

sempre com projetos criativos, estranhos ou os dois ao mesmo tempo. desenvolvedor de software, game designer e escritor sobre as coisas que eu gosto.
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