Discussão

Discussão: A localização dos jogos e o papel dos fãs

Há muito ouço falar que "prefiro ler/jogar em inglês por ser o original", ou mesmo "não gosto de traduções em português por... (por Unknown em 17/02/2013, via GameBlast)

Há muito ouço falar que "prefiro ler/jogar em inglês por ser o original", ou mesmo "não gosto de traduções em português porque não respeitam a fonte original". Mas será mesmo que é isso? As traduções em inglês são, de fato, primazias de qualidade e a versão definitiva? Nessa discussão, iremos analisar algumas das traduções específicas de uma série e realmente avaliarmos se as versões americanas possuem essa qualidade toda que muitos pensam que ela possuem.

Ano passado, o Bruno Grisci na sua excelente matéria Discussão: Localização de jogos trouxe à tona alguns tópicos sobre a localização de jogos. Hoje, desejo voltar ao assunto e discutir um pouco mais. Irei trazer tópicos relacionados a Zelda por ser a minha maior fonte de referência e da qual tenho conhecimento para discutir profundamente.

Recentemente, participei como revisor da tradução não oficial do mangá do Skyward Sword e do Hyrule Historia. Uma das coisas que mais chamou a atenção foi a receptividade com o termo Celéstia para Skyloft, Triforça para Triforce, Fai para Fi e Arauto da Morte para Demise.

A crítica não é, de fato, infundada. Para muitos, há um grande impacto ao ouvir esses termos pela primeira vez. Mas o que me preocupa, como tradutor, é que muitos não fazem questão de entender a motivação por trás dessas escolhas. E isso é o que mais me incomoda. Parece que o público brasileiro reclama primeiro para perguntar ou entender depois, quando deveria ser exatamente o oposto.

Skyloft... ou Celéstia?
"Ah, mas eu prefiro a versão original!". Se você pensa assim, caro hyruleano, tenho uma péssima nóticia para você. Sabia que a Nintendo of America é famosa pelas suas péssimas adaptações até meados desse século? Pior, sabia que a NOA modifica, e muito, o sentido original do seu jogo?

Vamos tomar, por exemplo, A Link to the Past, de SNES. Em todos os casos, o termo utilizado para os calabouços foi "Palace" (Palácio) enquanto que no Ocarina of Time foi traduzido como "Temple" (Templo). Mas, na versão original, em ambos os jogos, o termo utilizado é 神殿 (Shinden - Templo). O que ocorreu em seguida? Na versão para GBA de A Link to the Past, a NOA corrigiu o termo e todos os calabouços viraram "Templo".

Um Elo com o Passado (esquerda) e Triforça das Deusas (direita)
Mais exemplos práticos: Antes, eram os Seven Wise Men, que no OoT virou Seven Sages. Sabe a "Flute" (Flauta) de ALttP, que na verdade é uma ocarina? Na versão japonesa se chama Ocarina mesmo, mas a NOA adaptou para Flute. E, por fim... a Titan's Mitt na verdade é a Powerful Glove na versão original. Não existe menção alguma a Titans!

E para piorar: A Link to the Past não é o nome japonês! O termo original é Kamigami no Toraifōsu (神々のトライフォース), que seria traduzido como Triforça das Deusas, que é de fato o tema central da história, a busca pela Triforça. Muito do manual americano foi inventado para justificar o nome em inglês, por exemplo. Não acredita? Confira aqui uma tabela comparativa do manual e aqui do jogo inteiro. Na versão do GBA, vários erros e termos foram corrigidos no jogo, mas alguns como a Titan's Mitt e Flute não foram modificados, provavelmente por causa de guias e detonados... Que pena.

E aqui estamos falando de jogos de SNES. Os dois primeiros Zelda de NES são uma tremenda bagunça em termos de tradução, ilustrando até a capa de artigo. Erros como Gannon (com dois "n"), Molblin (em vez de Moblin) são exemplos de como a tradução da época era amadora. Até mesmo Zora foi traduzido como Zola no início e a NOA, para manter os dois termos, trata um como de rio e o outro como de água salgada, fato que não existe na versão japonesa (referência). Situações como essa geraram até o movimento Gannon-Banned, que visava "banir" aqueles que escreviam com dois "n" por causa do primeiro jogo. A GlitterBerri (que trabalhou no Hyrule Historia americano) inclusive fez um "redux" da tradução dos dois primeiros jogos, que você pode conferir aqui e aqui.

Pelas deusas de Hyrule!
Mas, e se existisse uma versão em português que, não só corrigisse esses erros da versão americana, mas seguisse fielmente a versão japonesa? Aposto que os fãs de Hyrule estão com os olhos brilhando. Quem sabe em breve? (Clique para conferir uma tradução).

Mas alguém pode argumentar que esses exemplos não servem, que é uma tradução da década de 90 e que a NOA era fraca na época. Está bem então, sigamos em frente.

Talvez você não esteja familiarizado com o termo Kaze no Takuto (風のタクト), ou ainda Batuta do Vento. Esse seria o nome de The Wind Waker, se fosse traduzido seguindo a versão japonesa. Aliás, que raios é um Wind Waker? Aquele que desperta o vento, que o acorda? E The Wind Waker, assim como A Link to the Past, quebram as nomenclaturas originais dos jogos Zelda, que costumam ser baseadas no item ou pessoa foco do jogo (Triforça das Deusas, Ocarina of Time, Majora's Mask, Oracle of Ages/Seasons, Batuta do Vento, Phantom Hourglass, Spirit Tracks). Se o nome do jogo já não segue a nomenclatura japonesa, imagine o quanto do jogo foi adaptado.

Ainda há outros exemplos recentes que remetem à Skyward Sword. Temos o Milk Bar (Bar do Leite), famoso entre os fãs. Em Skyward Sword, fomos apresentados ao Lumpy Pumpkin, um bar que serve bebidas de abóbora. No japonês, o bar é chamado, assim como seu irmão, apenas de Bar da Abóbora. Nada desse nome estranho. Já o calabouço Ancient Cistern (Cisterna Antiga) se chama, na verdade, Antiga Caverna de Pedra (em uma tradução direta). Não há, em lugar algum, menção de que aquilo seja uma cisterna.

O que eu quero dizer é que a NOA é famosa pelas adaptações livres que faz, muitas vezes inventando termos ou conceitos que não estão presentes ou não tem embasamento nenhum em qualquer material oficial, a não ser eles próprios. Você pode ver mais exemplos na série em jogos recentes aqui, aqui e aqui.

Agora, uma coisa correta: no japonês, o espírito da espada se chama Fai. A versão americana adaptou para Fi porque a pronúncia de Fi é... Fai. Além disso, Fai significa a nota musical Fá, mantendo a tradição da série em ter ligações com a música. Seria tão ruim se a versão brasileira se chamasse Fai ou até mesmo Fá? E não vou nem citar Kakariko Village ser traduzido como Vila Cocoricó (o que ocorre em algumas línguas) para não sofrer ameaças de morte.

E se... nesse caso, melhor nem pensar!
E, em um assunto relacionado mas que não tem a ver com Zelda... Outro dia estava imaginando como seria a reação hoje, em tempos de internet, se Santa Claus virasse Papai Noel, em vez de São Nicolau. E Cavaleiros do Zodíaco que vem de Saint Seiya (Santo Seiya)? Se já não conhecêssemos, iríamos estranhar, e muito.

Mas isso quer dizer que a versão dos fãs é melhor do que a americana? Não! Quer dizer que a versão americana então é melhor? Também não. O que quero demonstrar é que é preciso entender o que foi feito antes de criticar apenas porque está em português. Dá uma tristeza ver pessoas que fizeram um cursinho de inglês e que nunca tiraram um IELTS ou TOEFL (certificado de proficiência em inglês) preferirem uma versão em inglês (tenha ela a qualidade que tiver), do que uma versão caprichada em português, sua língua materna na qual, com certeza, ele vai entender tudo, em vez de apenas pegar (mal) o sentido em inglês. É preciso quebrar esse paradigma que, porque está em português, não presta.

E de quem é a culpa por esse paradigma? Parte dessa culpa é daqueles que traduzem. Infelizmente, a "classe" tradutora é desorganizada. Qualquer um com cursinho de inglês começa a traduzir coisas na internet (feito digno e honroso) e falha na execução, perpetuando o estigma que traduções são uma porcaria. A outra parte é daqueles que leem e ficam passivos e omissos, não apontando os erros e apenas rindo do trabalho "mal feito". E, por fim, há a parcela daqueles que torcem o nariz, e perdem a chance de curtir um material bonito e bacana, feito de fã para fã, porque acha que português não presta.

Quer jogar a versão original? Não se engane e aprenda japonês, beba direto da fonte. Senão, só nos resta ter ciência que toda tradução e localização é uma adaptação do texto original e que, por vezes, sentidos novos são dados, outros se perdem, e outros são impossíveis de se traduzir. Tudo o que peço é que entenda, compreenda e pergunte antes de sair xingando e difamando algo em português (seja ele oficial ou não) sem entender o porquê das modificações.

O mercado de jogos traduzidos e a profissionalização daqueles que a integram agradecem, e muito!

O melhor dos memes


Revisão: Lucas Oliveira

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


  1. Realmente, gosto de pokémon e alguns nomes "traduzido" são de da dó, alguns lugares e personagens deveriam manter seu nome original que é bem melhor, nem digo também o nome dos pokémons que de uns tempos pra cá parece que juntam vogais e consoantes ao acaso e pronto

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  2. Eu acredito que se tiver legendas já é suficiente, pois assim, estaria a história original ali presente, mas com uma legenda para os não nativos como eu, que tenho grande dificuldade de jogar skyrim no PS3, se tivesse uma legenda seria perfeito. Então, para esse problema acabar bastaria deixar o titulo no original e apenas colocar legendas em diversas línguas.

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  3. O tradutor tem que ter bom senso pra saber o que funciona ou não em português. Afinal, você prefere jogar com o Solid Snake ou com o Cobra Sólida?

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  4. Boa matéria! Com certeza, se alguém quer a fonte original tem que ser a japonesa. E contudo, prefiro mil vezes uma tradução em português.
    Atualmente estou jogando Wind Waker em português e é muito prazeroso, facilita o progresso e torna a hitória mais conhecida, mesmo que contenha alguns erros.
    Sempre procuro jogos traduzidos, mesmo aqueles que joguei na infância e até jogos que já terminei. O prazer de jogá-los em minha língua é incomparável.
    Espero que a Nintendo olhe mais para o Brasil e a tradução dos jogos (no mínimo contendo legendas em português) venha de fábrica e não só dependa do trabalho árduo dos fãs.

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  5. Bela matéria! Eu geralmente fujo de traduções para o português simplesmente porque eu já vi muitas horríveis, principalmente em relação a games. Entretanto, já vi várias traduções feitas por fãs (seja de jogos, mangás ou animes) muito melhores do que as oficiais (apesar de que sempre tem trabalhos porcos feitos por fãs, também).

    Já faz um bom tempo que venho estudando japonês, e fico feliz de jogar da fonte original (mais por preferência pelo idioma do que qualquer outra coisa). O problema é que com a trava de região, isso está ficando caa vez mais impossível. No meu Wii ainda consigo jogar os games de GC em japonês, mas os jogos de Wii só rodam se forem na versão americana. Uma pena, porque minha Elincia maximizou 5 dos oito status, incluindo força e magia, mas não posso utilizar o data transfer ara a versão americana.

    Também já não é de hoje que eu fico sabendo das traduções livres da NoA, principalmente em relação à série Zelda, e devo dizer que existe muita coisa que faz muito mais sentido se deixada no original (ou pelo menos em um termo semelhante ao original).Em Twilight Princess, o pesquisador do grupo diz acreditar que foram os Tenjin (povo dos céus) que criaram Hyrule. Na versão americana, o povo dos céus recebeu o nome de Oocca, que também serve para se referir às aves com rosto humano. A versão original forma uma conexão entre TP e SS, dizendo que o povo dos céus desceu à superfície e criou o reino de hyrule, enquanto a tradução da NoA dá a entender que os pássaros são os ascendentes dos elfos (na versão original, eles são só uma raça que habita as ruínas do que deve ser Skyloft).

    Enfim, trabalho de localização é um assunto muito polêmico em alguns casos. Às vezes, mudar um único termo, ou palavra, mesmo que para algo semelhante, pode gerar descrepâncias no decorrer do tpitulo ou da série se não forem corrigidos quando possível.

    Take off every zig!

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