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Análise: Bury me, my Love (Android/iOS) mostra que mobiles podem ser mais do que caça-níqueis

O game conta a história de uma refugiada da Guerra Civil Síria em sua jornada pela liberdade.

Se você me perguntar por que eu amo videogames, não irei responder que é pelos gráficos, nem pelos efeitos especiais ou personagens excêntricos. Também não é pelos PvPs, nem pelas pontuações ou leaderboards. Eu amo os games pelas experiências que eles são capazes de nos proporcionar. Por me colocarem na pele de um caçador de monstros gigantes ou de um herói lendário com todo um mundo novo e empolgante a ser explorado.


Mas quando os jogos me colocam de cara com problemas pessoais e psicológicos, que todos enfrentamos na vida, eu realmente vejo que nosso mundo virtual é muito mais do que mera fantasia, mas também uma das formas mais sensíveis de se passar sentimentos e emoções. Desenvolvido por The Pixel Hunt e Figs, e publicado pela Playdius Entertainment, Bury me, my Love (Android) nos traz uma incrível história de sobrevivência, riscos e amor (baseada em eventos reais), em uma busca simplesmente por segurança.


Na tela, uma notificação. Seu nome é Nour

Bury me, my Love te coloca no papel de Majd: sírio, muçulmano e marido de Nour, que por sua vez é a real protagonista: uma mulher, também síria, que já perdeu toda a família para a guerra e decidiu sair do país antes que algo pior acontecesse. Rumo à Alemanha, ela parte para se arriscar nas travessias de fronteiras, levando dinheiro, alguns suprimentos e seu celular, com o qual mantém contato com seu amor.

Todo o jogo se passa em uma interface que lembra um chat de WhatsApp e, sem muitas delongas, o jogador recebe sua primeira mensagem, a qual traz uma foto de sua esposa no ponto de ônibus à espera de um táxi. A partir daí, uma conversa em tempo real se desenrola, com Nour contando o que está fazendo, os locais pelos quais está passando e pessoas que está conhecendo. O game ainda possui um mapa, para dar uma noção da distância percorrida pela imigrante e trazer algumas informações dos pontos visitados.

Em vários momentos o jogo oferece opções de resposta, que podem ser textos, emojis ou mesmo uma foto com a câmera interna, para mostrar o rosto de Majd. E cada decisão conta. Tal qual em uma conversa real, você pode sugerir a Nour que faça algo e ela realizar o completo oposto simplesmente pelo tom no qual você pediu. Isto impede que sabichões façam escolhas baseadas em padrões já conhecidos de RPGs ou outros gêneros narrativos.

Todos os diálogos do game são extremamente naturais e não raramente o jogador vai se pegar lembrando de alguém com quem teve conversas semelhantes. Eu mesmo recordei por diversas vezes de uma amiga muito querida com quem falo quase todos os dias pelo celular e pude ver na relação de Nour e Majd o mesmo amor e preocupação que temos um pelo outro. Durante toda a minha primeira jornada pela narrativa minhas decisões foram feitas com o coração. Sempre escolhendo o caminho que parecia mais seguro para ela seguir, evitando riscos desnecessários e priorizando o seu bem-estar acima de tudo.

Extremamente imersivo, incrivelmente tocante

É simplesmente lindo como o jogo te prende mesmo sem nenhuma sequência cinematográfica e somente efeitos sonoros da tela de chat (apesar de não dispensar uma trilha em momentos de tensão). A naturalidade dos diálogos, somada ao pano de fundo realista, te despertam uma forte empatia pela protagonista e um sincero desejo de que tudo dê certo.

Todo o jogo foi construído com base em histórias reais de imigrantes sírios. A ideia, de acordo com o game designer Florent Maurin em entrevista à Forbes, era mostrar os refugiados como indivíduos:

“Nós percebemos que imigrantes são mostrados como um grupo. Você só vê os números. Nós quisemos destacar que cada imigrante tem família, amigos e pessoas que se preocupam com eles. A espera e a preocupação (representados no jogo) é o medo que pessoas sentem por imigrantes todos os dias.”

E que espera… Por diversas vezes ao longo do game Nour simplesmente some. O jogador fica horas sem receber mensagens. O status dela fixo em “offline”. Cruzamos os dedos para que não venha com péssimas notícias, ou pior, que ela sequer volte.

Existe a opção de jogar direto, sem nunca parar o diálogo, mas acredito que muito da imersão se perde com essa função e recomendo fortemente que joguem em tempo real pelo menos na primeira vez. Depois realmente se torna interessante acelerar para chegar em pontos de divergência na história e tomar decisões diferentes.


Uma pérola em meio às bolinhas de gacha

Em um mercado cheio de títulos free-to-play, que só limitam seu progresso em uma tentativa constante de fazer o usuário gastar dinheiro real, este game surge honesto e completo, cobrando um preço justo e que vale cada centavo pela experiência incrível que proporciona. Sua interface simples é de fácil acesso a qualquer um que já tenha conversado pelo celular algumas vezes na vida, e essa escolha transforma todo o game em algo muito íntimo e imersivo.

O jogo é uma experiência de conhecimento das situações que um imigrante tem que sofrer e também de forte empatia, pois apesar das diferenças culturais perceptíveis nos diálogos, é impossível não se identificar com a forma carinhosa como Nour e Majd se tratam, mesmo em momentos de discordância. Com 19 finais diferentes, Bury me, my Love vai te emocionar e tocar profundamente, nesta que é uma grande história sobre a busca de algo tão simples: paz.

Prós

  • Uma experiência imersiva e empática;
  • Diálogos naturais e realistas;
  • Sistema de opções que impede a previsão das consequências de cada escolha;
  • Traz uma nova perspectiva sobre a vida dos refugiados de guerra;
  • Preço justo e acessível.

Contras

  • Não possui português como opção de idioma;
Bury me, my Love — Android, iOS — Nota: 10.0
Versão utilizada para análise: Android 
Revisão: Ana Krishna Peixoto

Mestre Pokémon de longa data, salvador de Hyrule em todas as encarnações do herói e ocasionalmente um encanador de bigode grosso.
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