Resenha

A série de Castlevania reconstrói a vilania de Drácula

Entre vampiros e demônios, o verdadeiro vilão pode ser inesperado.


Quando eu soube, no começo deste ano, que a Netflix estaria produzindo uma série baseada em Castlevania, minha reação inicial foi naturalmente de terror. Adaptações ocidentais de jogos parecem nunca funcionar e, se tratando da Konami, parecia difícil que seria algo além de uma forma de conseguir dinheiro rápido com uma das lendárias propriedades abandonadas pela empresa. Aos poucos, meu interesse cresceu ao saber da equipe por trás e que se trataria de uma série animada, não live-action, então parecia haver chances de ser algo de qualidade. Para minha satisfação, realmente é.

Nesta semana, a Netflix colocou no ar a primeira temporada de Castlevania. Ou melhor, a primeira parte da primeira temporada, pois trata-se apenas de quatro episódios de 20 minutos cada. No conceito tradicional de temporadas, cada uma deveria contar uma história relativamente fechada, que não é o que acontece aqui: claramente, os quatro episódios servem como prólogo de eventos maiores e mais interessantes por vir. Ainda assim, podemos ter uma boa ideia das motivações e intenções por trás dessa produção.

O texto a seguir contém leves spoilers da série.




Um dos maiores desafios em adaptar videogames para filmes e séries é que… Bem, videogames geralmente têm roteiros fracos que só servem como motivação básica para matar um monte de inimigos. Às vezes temos personagens interessantes e mal-explorados, às vezes temos narrativas que tentam circumventer essas expectativas, mas são raras exceções.

Castlevania é uma das séries com premissa incrivelmente simples: você é um caçador de vampiros com um chicote mágico, e você vai entrar no castelo para matar o Drácula, porque é isso que caçadores de vampiros fazem. Precisa de motivação maior para querer matar o Drácula além dele ser o Drácula, um vampiro com poderes satânicos em um castelo que poderia bem ser uma Estrela da Morte medieval? Você é um Belmont, e Belmonts se livram de criaturas do mal sem questionamentos.

É aí que entra a primeira surpresa da série: Drácula não é apenas mau por ser mau. O personagem é humanizado e as motivações que o levaram a querer vingança contra a humanidade são explicadas. Sem querer dar spoilers mais sérios, digo que a motivação não é particularmente original, mas funciona bem dentro do contexto da história e para dar grande vilão uma personalidade. Chegamos a sentir empatia com o bichão; na mesma situação dele, muitas pessoas possivelmente agiriam de maneira similar.

Em seguida, Castlevania parte para abordar o que vem a ser o principal tema desses quatro primeiros episódios: a ignorância da população comum guiada por líderes corruptos. Se passando no século XV, a série coloca a Igreja como uma vilã tão grande quanto Drácula. Uma caça às bruxas é considerada por um bispo megalomaníaco a solução para os problemas da população, que, segundo ele, está sendo punida por Deus. Suas ações colocam em risco pessoas que usam ciência e magia para boas causas e, por fim, apenas pioram a situação.



O protagonista, Trevor Belmont, demora para aparecer, até que toda a situação ao redor de Drácula seja bem estabelecida. Quando ele finalmente aparece, esperamos alguém forte e heróico, mas recebemos um bêbado em uma briga de bar. Trevor é grosso e egoísta, tornando-o um personagem quase detestável. Seu único problema parece a própria sobrevivência, pouco se importando com o sofrimento da população como um todo. No fundo, contudo, há sinais de bondade no personagem que o motivam a fazer o que é, no fim das contas, certo.

Não há muito progresso narrativo nesses primeiros episódios, servindo principalmente como fundação para histórias mais interessantes. Há reclamações técnicas que podem ser feitas, como a animação e a dublagem muitas vezes ficando aquém das expectativas (mas às vezes as superando), mas, para mim, isso foi perfeitamente tolerável considerando que temos uma adaptação de videogame tentando fazer algo legitimamente interessante. Não há forças claramente boas nesse mundo, tampouco puramente más, o que torna a dinâmica entre Drácula, Igreja e Belmont particularmente interessante e notavelmente diferente da relação herói-vilão dos videogames.

Muitas adaptações de videogames parecem ser feitas por pessoas que apenas leram uma sinopse da narrativa, sem de fato entender os detalhes que podem tornar uma história simples em algo mais robusto. Castlevania demonstra que seus criadores realmente se interessam por mostrar e expandir o conteúdo da mídia original. Ela não é a melhor adaptação de videogame que já vi, mas com certeza está próxima do topo e tem bastante potencial para crescer em episódios futuros.


Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
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