Discussão

A Nostalgia que nos edifica também nos trava

Como jogadores e jovens desenvolvedores, quais são os melhores parâmetros que podemos nos dar quanto os limites da nostalgia?

Ter uma dose de apreço ao passado é bom, mas por vezes esse apreço vai além dos limites do saudável. Sinto que, nos dias atuais, onde a criação de jogos está se tornando algo cada vez mais acessível, estamos a chocar contra um espelho. Enquanto é natural que a nova geração de desenvolvedores tente trazer de volta as emoções do seu passado, a massificação de novos produtores deu origem a uma onda Kitsch (arte massificada, imitando a beleza do velho sem entender o que o fez bom) no meio das novas produções.

Jogadores e desenvolvedores por vezes parecem estar, nos últimos quinze anos, presos em uma eterna década de 90, da mesma forma que o mercado dos quadrinhos parece suspenso na de 80, buscando o conforto do pixel art e o agradável abraço de um baixo sintético em MIDI. Mas antes que eu venha a parecer o espantalho do garoto de 12 anos que nunca encostou em um ‘Nintendinho’ e fala mal de tudo que é ‘retrô’ apenas por falar, vamos por partes.

Peneirando o Ouro da Areia

Quando estou a olhar de forma cética jogos com uma premissa inspirada nos velhos deuses, não estou a apontar dedos para a mera existência de Freedom Planet ou Axiom Verge. Minha vigília está para casos como o infame episódio de Mighty Nº 9 ou remasterizações que estão a surgir, como a de Crash. O problema está quando uma obra se baseia inteiramente em reviver o passado e nada mais, se aproveitando da credulidade dos jogadores com um simples agrado vazio, oferecendo apenas mais do mesmo, sem pensar que a mídia se desenvolveu ao longo dos anos.

Novos jogos de estilos mais ‘tradicionais’ hoje em dia precisam, por definição, buscar excelência e explorar os limites dos próprios conceitos dos seus gêneros, almejando assim se tornarem experiências únicas e fechadas em si mesmas. O que fez a série Bravely não ser apenas um clone de Final Fantasy? O que fez Azure Striker Gunvolt não tornar-se Megaman Zero/ZX com uma fantasia nova? Como Undertale escapou de ser simplesmente mais um fangame inspirado em EarthBound?

E falando em fangames, aqui entra outra questão: o como esse saudosismo pode nos levar a nos apropriarmos de uma obra de forma emocionalmente indevida. Ver trabalhos amadores feitos por anos sendo desfeitos em processos legais, como os casos de Pokémon Uranium e AM2R, me são tristes de forma dupla. Primeiro em ver tanto fervor sendo desmanchado tão duramente - por mais que justa, afinal, a Nintendo legalmente procura proteger suas propriedades intelectuais - e segundo em ver tanto amor mal direcionado, amor ao ponto de querer as séries originais para si ao invés de transpor o que você amou em uma nova forma. Enquanto projetos pequenos, dedicados a seus amigos e próximos, um fangame é aceitável, mas quando ele chega ao ponto de rivalizar em magnitude com a presença dos originais, como temos visto acontecendo mais e mais, torná-lo algo próprio, algo mais que a antiga obra que você tanto ama, vira uma tarefa essencial.

A medida justa de pó

Como jogadores e jovens desenvolvedores, quais são os melhores parâmetros que podemos nos dar quanto os limites da nostalgia? Essa é uma pergunta que não sei responder ao certo e apenas posso imaginar a resposta como sendo mutável. Afinal essa é uma daquelas perguntas que flutuam junto do vago território filosófico de outras como “o que é o Belo?” e não é de se surpreender que tenhamos tantas respostas diferentes. Vamos tentar ser concretos nessa busca o tanto quanto possível.

Não posso apontar a questão gráfica e criticar de forma vazia o ainda forte apreço que temos em jogos que usem de sprites 2D pixelados como se estes fossem um visual ‘preguiçoso’ de fazer-se, uma vez que eles podem ser tanto uma escolha de estilo, um limite de custo de produção ou serem trabalhados de forma impecável. Tenha como exemplo Owlboy, onde cada frame de animação e cenários é tão rico em detalhes que é evidente que levou-se anos para dar vida a cada bloco feito a mão desse jogo que mais parece um quadro. O extremo oposto, apostando por um minimalismo intenso, provou-se a mim até mesmo mais poderoso que qualquer coisa menos abstrata quando dei chance a Thomas Was Alone, que poderia até estar em um Atari e é mais cheio de personalidade que muitos bestsellers recentes.

Sistemas considerados datados por uns como encontros aleatórios, platforming de precisão e combate por turnos quase sempre são tidos como como referência por serem bases sólidas e portos seguros, mas o que realmente importa não é o como estes são explorados ou alterados? Tenhamos como exemplos algumas obras já citadas aqui e observemos Bravely Default e Gunvolt.


Veja como Default e Second se esquivam da fórmula de Final Fantasy V oferecendo maior controle sobre elementos de jogabilidade: ajuste fino da taxa de encontros aleatórios a todo momento, dinamismo intenso ao alterar o fluxo de turnos com os comandos Brave e Default, combate automático inteligente eliminando todo o tedioso processo de manualmente coreografar suas decisões contra chefes demorados ou inimigos comuns. Bravely também integra mecanismos do sistema com a história de forma magistral, no caso conectando realidades alternativas com a possibilidade de ajudar amigos via StreetPass e, apontando um pequeno spoiler de forma vaga, com a forma que lidam com a ideia de NewGame+.


Em Gunvolt, note o como a simples mudança da arma principal de nosso herói passar de uma de dano direto (os clássicos canhões de braço, pistolas e sabres) para uma de dano indireto (suas armas apenas marcam oponentes, todo dano sendo causado por seu campo de força defensivo, o Flashfield) desaceleram o combate, tornando-o mais tático na medida em que agora recompensa manobras evasivas de precisão acompanhadas de abates múltiplos em vez do mero “bater-e-correr” tradicional dos seus antepassados.

Outro argumento comum está na questão de dificuldade entre jogos antigos e mais novos, mas tanto o nicho de experiências mais punitivas ao jogador sempre se manteve vivo quanto a ‘facilitação’ gradual dos jogos se deu por uma mudança de realidades: o declínio dos fliperamas e ascensão dos consoles pessoais. A tão famigerada dificuldade de Dark Souls, por exemplo, esconde uma cornucópia de elementos modernos e até mesmo facilitadores no que posso chamar de “um Monster Hunter que tem PvP caso queiramos”. Quase toda a brutalidade da série pode ser facilmente evitada com escolhas simples como não recobrar sua Humanidade, pois só quando detendo-a você pode receber invasões, e optando por magia e combate a distância para ter uma vantagem defensiva poderosa, reduzindo ou eliminando questões como manejar ritmo de esquiva e espaçamento, tão essenciais para o icônico combate corpo-a-corpo da franquia.

Talvez seja apenas uma questão de não nos basearmos (e ansiarmos) em demasia por uma franquia e seus elementos mais marcantes. Essa pode ser uma medida justa, por mais que imprecisa. Afinal, anos jogando MMOs e acompanhando o Steam Greenlight e campanhas no Kickstarter me ensinaram a ter medo de qualquer coisa que se compara demais com World of Warcraft, Minecraft e EarthBound. Quase nunca estas experiências valem a pena e quase sempre elas só existem para atrair curiosos que querem comparar com os títulos citados e não muito mais que isso, ganhando algo nesse efêmero momento. Esses casos em geral repetem até mesmo os erros dos seus ídolos: Mighty Nº 9 uniu a jogabilidade travada e repetitiva da série clássica de Megaman com a incapacidade de deixar os personagens calados sem mastigar informação ao jogador do fim da saga X. Yooka & Laylee, dizem playtesters, revela ter os problemas de câmera que tanto infestavam o gênero de Aventura. Por fim, praticamente qualquer coisa como Ark, Rust e Conan: Exiles tem um estranho mesmo sabor de socar árvores e pedras enquanto nada acontece a sua volta e o mundo não tem vida.

Talvez sequer haja uma medida possível e esse texto seja majoritariamente um devaneio de um um ex-graduando de filosofia levando entretenimento a sério demais, querendo encontrar a Mona Lisa no código-fonte de Pokémon Yellow, incomodando aqueles que só querem lembrar dos velhos tempos e ficar contentes. Mas sendo jogos experiências, contentamento deveria realmente suplantar a curiosidade, a descoberta ou até mesmo o incômodo do estranho? Hoje não é incomum vermos opiniões negativas contra qualquer coisa meramente por quebrar moldes, como as reações a princípio confusas ao combate de Final Fantasy XII e até o desdém inicial que Splatoon sofreu ao ser anunciado. Mas foi essa coragem em mudar que os fez marcos em seus gêneros e, no passado, nos deu origem a outros grandes títulos como Wild ARMs e a série Tales.



Relendo os tomos com novos olhos


Creio que por enquanto basta, pois temos muito para ruminar. Quais os limites que vocês dão para suas saudades ao montar suas expectativas em novos jogos? Até onde vocês se permitem comparar os novos com os velhos? O que lhes atraem aos clássicos? Talvez procurando entender essas perguntas, consigamos ver com clareza quais são os aspecto “bons” que tanto nos cativaram e assim enxergá-lo nas obras do futuro.
Revisão: Pedro Vicente

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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