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Análise: The Sea Will Claim Everything (PC) é uma aventura textual e pessoal

Jogo pode ser considerado um livro interativo.


Pelo menos uma vez na vida, todo mundo já ouviu ou falou algum ditado popular. As pequenas frases, de autores desconhecidos, são reflexos culturais de cada sociedade. Entretanto, por mais conhecidos que sejam, nem sempre esses provérbios são verdadeiros. Exemplo é: “a primeira impressão é a que fica”, facilmente desmentido por The Sea Will Claim Everything, lançado para PC. Quando fiz o download do título e o abri, levei um susto com o que apareceu na tela. Os desenhos de traços simples e cores fortes me passaram a sensação de estar folheando um livro infantil. Esse detalhe, somado à trilha sonora lenta e à grande quantidade de textos, funcionou como poderoso sonífero.


A primeira impressão não foi a que ficou e a obra acabou se revelando bem mais profunda e interessante do que eu imaginava. Fazendo um inteligente uso de jogos de palavras, a aventura no formato point and click é capaz de causar sentimentos diferentes em quem a experimenta. A produção é daquelas que podem ser consideradas extremamente tediosas por alguns, mas que mexem com a imaginação e divertem outros. Quem gosta de uma boa história deve considerar The Sea Will Claim Everything como opção para passar algumas horas.

Uma pitada de emoção grega

O projeto é resultado do trabalho dos gregos Jonas Kyratzes, responsável pelo enredo, e Verena Kyratzes, criadora de todas as ilustrações. O título é o primeiro lançado comercialmente pela dupla, mas faz parte da série Lands of Dream — composta por outros quatro jogos gratuitos com narrativas que se misturam. Apesar de estar inserido em universo maior, mesmo quem não conhece nada da franquia pode aproveitar tranquilamente seu mais recente capítulo. O episódio se passa em Fortunate Isles, cenário que está em crise econômica graças ao sinistro Lord Urizen, que usa o mau momento financeiro para impor na sociedade suas cruéis politicas — qualquer relação com um certo país sul-americano é mera coincidência.
Verena e Jonas.

Enquanto isso, no local conhecido como Underhome, um misterioso druida clama por ajuda para mudar a situação. O ancião é capaz de criar portais mágicos que transportam qualquer um para a Terra dos Sonhos. Cabe a você, jogador, viajar entre os dois mundos para salvá-los. A partir desse prólogo, toda a fábula se desenrola. Não mencionarei mais nenhum detalhe da história, pois a menor informação pode atrapalhar completamente a experiência. Só vale a pena ressaltar que o enredo é cheio de referências e elementos políticos, filosóficos e acadêmicos, sendo que muitas das situações fazem alusões a acontecimentos do mundo real.

Mouse como controle

O movimento do mouse e seus dois botões são mais do que suficientes para avançar em The Sea Will Claim Everything. Na verdade, é exigido bem mais do cérebro do que qualquer movimento com as mãos. Os puzzles são a base da aventura e é necessário pensar muito para solucionar grande parte deles. Se não empacar em algum dos quebra-cabeças, é possível terminar o título em cerca de cinco horas e meia. O progresso depende de análises dos cenários, interpretação de textos e diálogos, além do julgamento cuidadoso de todas as possibilidades antes de dar o próximo passo.

Os textos podem ser o principal problema para nós brasileiros, já que tudo é em inglês. Quem não conseguir compreender muito bem a leitura da língua estrangeira, deve passar bem longe do jogo. Às vezes, um clique no objeto correto do cenário faz com que o jogador receba pequenas frases que precisam ser estudadas e encaixadas em algum detalhe que já foi visto anteriormente. Quem não conseguir realizar essa ligação, acaba ficando travado sem saber o que fazer na sequência. Por outro lado, aqueles que entendem bem o inglês perceberão o caprichoso toque de criatividade em grande parte dos textos, que podem ser cômicos, emotivos, criar rimas, dentre diversas outras possibilidades.
Gostar de ler é requisito fundamental.

Obra de arte interativa

Para aproveitar o máximo de The Sea Will Claim Everything é preciso ver a obra como um tipo de arte. Outra maneira de definir o título, talvez ainda mais apropriada, seria como um livro interativo. O jogador é um personagem ativo da história e suas ações são responsáveis pelo desenrolar a trama.  O maior atrativo é o próprio enredo e, em muitos momentos, o sentimento realmente é aquele de estar com uma produção literária em mãos, só que ao invés do famoso “só vou ler mais um capítulo”, aqui o certo seria “só irei jogar mais alguns minutinhos”.

A aventura pode parecer monótona, com seus cenários estáticos e trilha sonora lenta. Mas, na realidade, todos os elementos têm papel importante na criação de um universo totalmente lúdico e na imersão do jogador dentro desse mundo. Quando o mar reivindicar tudo, aproveite para usar as ondas como meio de transporte rumo à terra dos sonhos.
O mar reivindicará tudo.

Prós

  • Enredo profundo e envolvente;
  • Puzzles desafiadores;
  • Inteligentes referências ao mundo real.

Contras

  • Os textos em inglês podem estragar a experiência;
  • Trilha sonora é enjoativa em certos momentos;
  • Traços dos desenhos podem afastar alguns jogadores que os considerarem infantis.
The Sea Will Claim Everything — PC — Nota: 6.0
Revisão: Robson Júnior

É jornalista e obcecado por games (não necessariamente nessa ordem). Seu vício começou com uma primeira dose de Super Mario World e, desde então, não consegue mais ficar muito tempo sem se aventurar em um bom jogo. Diretor de Redação do Nintendo Blast.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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