Blast from the Past

Caesar III (PC) mostrou que Roma não foi feita em um dia

Retorne mais uma vez ao jogo que consolidou a franquia e pavimentou o caminho para outros simuladores de cidades.


Seja bem-vindo, cidadão! O próprio Imperador lhe concedeu a honra de se tornar um governador em nome de Roma. Honre esse posto e leve o nome da cidade aos mais longínquos cantos, espalhando nossa cultura e civilizando os bárbaros nos nossos arredores! Seja bem-sucedido e terás a chance de provar suas habilidades em regiões cada vez mais difíceis e assim ascender para senador, cônsul e quem sabe até um dia suceder César. Falhe e, bem, estamos precisando de novos gladiadores para servir aos leões no Coliseu.



O parágrafo anterior poderia ser uma ótima descrição do que lhe esperava em Caesar III. Lançado em 1998, foi um enorme aprimoramento se comparado a seu antecessor lançado três anos antes. Interface gráfica mais bonita, missões mais difíceis e uma complexa cadeia econômica eram alguns dos motivos que fizeram este simulador de cidades romanas alcançar cerca de 2,5 milhões de cópias vendidas durante seu tempo nas prateleiras de lojas ao redor do mundo.
As propagandas na época de lançamento do jogo mostravam várias de suas características

Todas as estradas levam a Roma

O jogo abandonou a divisão entre províncias e cidades que configurava Caesar II, já que aqui você administra apenas a cidade. Mas isso não quer dizer que ignorava totalmente a região além de suas fronteiras. Uma das principais mudanças com isso foi o sistema de recursos e indústrias. Antes, esses recursos eram explorados no mapa da província e industrializados na cidade em troca de impostos. Já aqui, você precisava construir as estruturas conforme os recursos disponíveis em seu mapa e industrializá-los para usar em sua cidade e, eventualmente, exportar os sobressalentes. Por exemplo, você criava um poço de coleta de argila e indústrias de cerâmica usavam esse recurso para criação de potes e porcelanas.

Outra diferença é que o sistema de trabalhadores foi integrado à população da cidade. Não existe mais o fato de você separar uma verba para contratar trabalhadores que não tenham nada a ver com seus moradores. Parte da população de cada casa é convertida em mão de obra ativa e precisam ser empregados por você. O restante seriam idosos e crianças não aptos para trabalho. Os salários saíam dos cofres da cidade, e quando comparados aos que eram pagos em Roma, podiam incentivar pessoas a imigrarem para sua cidade ou emigrar para outras.

Por último e mais importante, as construções geravam pessoas, que você via caminhando nas ruas em sua volta. O local por onde elas passavam recebiam o efeito da construção. Por exemplo, um clérigo prestava serviços religiosos ao passar na frente de uma casa, uma mercadora vendia seus bens. Esses caminhantes possuíam uma lógica difícil de se entender para determinar quando deveriam parar de caminhar e voltar, ou então se virariam ou não em uma esquina. Portanto, planejar ruas e simplificar caminhos ao máximo era um grande desafio por aqui.
Criar blocos residenciais com os serviços a volta era um dos modos de construir a cidade perfeita

Natureza a seu favor

Recursos como cerâmica, mobília, óleo e vinho eram necessários para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, que requeriam uma quantidade cada vez maior de recursos ou serviços para melhorar suas residências. Residências melhores possuíam maior capacidade de moradores, assim como pagavam mais impostos, então normalmente compensava prover esses recursos, mesmo tendo que pagar para serem importados. Cada cidade possuía uma lista pré-definida de recursos que podia produzir, e muitas vezes dependiam de importações até mesmo de matéria-prima. Exportá-los também era vantajoso, já que significava uma fonte interessante de recursos para sua cidade.

E tudo isso era potencializado ao prover vinho aos cidadãos, já que eles alteravam suas insulaes (uma espécie de apartamento romano) para villas (enormes mansões). Nesse ponto, seus plebeus viravam patrícios, que faziam parte da nobreza romana. E como todo bom nobre, eles não trabalhavam e exigiam ainda mais bens e serviço, já que gostavam de viver com mordomia. Isso incluía vários tipos diferentes de alimentos, acesso a templos de vários deuses e até mesmo um vinho importado de outra região. Em compensação, pagavam enormes quantias de impostos conforme melhoravam suas villas até virarem palácios.
Belos palácios faziam sua cidade mais bela e rica

Legionários no campo

Combates dentro da cidade mudaram bastante a necessidade de planejamento prévio. Entender caminhos de movimentação de inimigos para bloqueá-los com muralhas e torres eram atitudes inteligentes para sua defesa. E isso ficava ainda mais difícil quando envolvia mapas muito pequenos ou montanhosos ou terremotos alterando o local disponível. Muitas vezes você se via em conflito se deveria aproveitar aquele terreno para recursos ou defesa. Caso os invasores não encontrassem resistência, iriam destruir toda sua cidade até não sobrar mais nada em pé.
O terreno também ajudava a planejar defesas, já que invasores não cruzavam montanhas, pedras, florestas e rios. Aqui só restava defender a estrada.


As tropas disponíveis para sua defesa podiam ser legionários, arremessadores de lanças e cavalaria, recrutados após a construção de um forte. Os legionários eram os mais poderosos soldados, porém requeriam um carregamento de armamento antes de serem treinados. Armamentos por sua vez precisavam ser manufaturados a partir de ferro ou então importados a um alto custo. E caso você construísse e mantivesse uma academia militar em sua cidade, eles podiam assumir a famosa formação de tartaruga, na qual os soldados se juntavam e bloqueavam com seus longos escudos em todas as direções. Com isso, ganhavam um enorme bônus contra todos os tipos de ataques.

Os arremessadores não requeriam armamentos, e se destacavam por sua movimentação rápida e ataques de longo alcance. Porém, possuíam baixa resistência no combate corpo a corpo. Já a cavalaria possuía a maior velocidade de movimentação, mas não chegava nem perto do estrago causado por legionários ou sua resistência. Assim como os arremessadores, não requeria entregas de suprimentos de armamentos.
Um exército invasor ia sofrer para passar no meio de tantas tropas e torres.

Como aqui não tínhamos tropas mercenárias disponíveis para recrutamento imediato, era necessário criar estruturas de recrutamento o quanto antes para se defender de invasores em curto período de tempo. Ou então depender de cidadãos que lutavam caso cruzassem com um inimigo. Praefects — que eram uma combinação entre bombeiros e policiais — gladiadores e domadores de leões lutariam até a morte contra invasores. E normalmente morreriam no processo, já que soldados inimigos costumavam ser bem mais fortes. Nesse caso tudo que lhe restava era rezar a Marte, o deus da guerra.

Deuses e homens

A parte mais irreal aqui se refere aos deuses romanos. As cidades do jogo cultuavam cinco entidades famosas do panteão romano: Vênus, deusa do amor, Marte, deus da guerra, Netuno, deus dos mares, Mercúrio, deus do comércio, e Ceres, deusa da agricultura. Conforme sua população crescia, você precisava construir mais templos para saciar a necessidade dos cidadãos de visitar os templos e dos próprios deuses de serem cultuados. Ou então organizar festivais de tempos em tempos dedicados a cada um deles.
Festivais eram úteis para melhorar temporariamente o que um dos deuses pensava de sua cidade, assim como alegrar a população.

Caso não cumprisse o grau mínimo de cada deus, eles lhe puniam cada um da sua maneira. Ceres destruía parte de grãos em alguma de suas fazendas. Marte organizava um grupo rebelde para atacar sua cidade. Mercúrio destruía rotas de comércio, atrasando a chegada de mercadores via terra. Netuno fazia o mesmo com o comércio marítimo. E Vênus fazia sua população ficar mais triste no geral. Fora os efeitos negativos de cada um, sua população ficava receosa com o temor de sofrimento e ficava com um moral negativo por ter algum deus desaprovando a cidade.

Por outro lado, cultuar acima do mínimo necessário trazia benesses temporárias. Ceres gerava uma produção adicional em suas fazendas. Marte invocava um espírito protetor em sua cidade, que matava boa parte dos próximos invasores que ousassem lhe atacar. Mercúrio enchia um estoque de alimentos com todos os tipos disponíveis. Netuno fazia todos os mercadores que visitassem sua cidade a pagar mais por seus bens. E Vênus fazia as pessoas esquecerem-se dos problemas e ver a cidade com bons olhos.

Arquitetura do futuro

O sucesso de Caesar III fez a distribuidora Sierra abrir os olhos para o que viu ser um ótimo nicho de mercado para ser explorado. Com isso, instruiu a desenvolvedora Impressions Games a focar em moldar novos simuladores de cidades. Foram quatro jogos em sequência.

O ciclo iniciou com Pharaoh em 1999, que recebeu a expansão Queen of the Nile: Cleopatra no ano seguinte; Master of Olympus — Zeus em 2000 e a expansão Master of Olympus — Atlantis no ano seguinte; Emperor: Rise of the Middle Kingdom em 2002 e terminou com Caesar IV em 2006. Esse último foi criado pela Tilted Mill Entertainment, empresa criada por ex-funcionários da Impressions após o estúdio ter sido encerrado em 2004.
Posteriormente todos foram lançados sob a coleção The Great Empires Collection II

Infelizmente, o último título da franquia Caesar não obteve o mesmo retorno dos anteriores, e a série atualmente segue esquecida pela Activision Blizzard, atual proprietária da Sierra. O que é uma pena, pois podia voltar em grande estilo e brigar com o sucesso de Cities: Skylines. Quem sabe isso já não está nos planos, já que a empresa resolveu reviver a Sierra para relançar franquias antigas como King’s Quest (Multi) de 2015. Mas enquanto isso não acontecer, só nos resta reviver esse clássico simulador de cidades via GOG.com ou encontrando aquele velho CD encostado na gaveta. O meu eu nunca perdi.



Revisão: Vitor Tibério
Capa: Felipe Araujo


é formado em Administração de Empresas pela USP, e mestre em cultura inútil pelas experiências de vida. Desde 1993 gosta de explorar o mundo dos games em seu tempo livre. Pode ser encontrado reclamando da vida no Facebook e Twitter.
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