Analógico

A geração atual que vive do passado

De uns tempos para cá, diversas produtoras resolveram lançar conteúdos antigos em novos formatos, e tem muita gente animada com isso.


A primeira vez que joguei videogames ocorreu há tantos anos que é praticamente impossível que eu consiga me lembrar. Mas, a primeira lembrança que tenho é de algo no começo dos anos 1990, jogando o Atari 2600 que meu irmão mais velho tinha comprado, tentando me aventurar em jogos como Frogger e Pitfall, me fazendo descobrir ali um novo universo. O meu tempo livre, durante a infância, era dividido entre fazer a lição de casa, brincar com bonecos de luta e jogar algo na televisão da sala. Mas a minha verdadeira paixão começou alguns anos depois.


Chegando com tudo no mercado brasileiro (e na minha casa), o Super Nintendo mostrou uma capacidade enorme de criar mundos e histórias incontáveis em outros tipos de mídia. O cinema começava a receber efeitos especiais de ponta, com Jurassic Park dando o pontapé inicial em tantas tecnologias que ainda temos. Os animes chegavam com tudo, fazendo de Pokémon um sucesso instantâneo no mundo inteiro. Juntando tudo à popularização da internet, o que ocorreu foi uma verdadeira revolução nos gostos e maneiras de diversão.

Na época que Jurassic Park foi lançado, os efeitos especiais eram tão realistas que fui ao cinema com meus pais várias vezes (e sempre saímos empolgados).

Ao observarmos a história da tecnologia e compararmos com a da indústria do entretenimento, é fácil perceber a relação direta que uma tem com a outra. Com a chegada da televisão, a maneira de passar os fins de tarde em família mudou, colocando todos em uma pequena sala para acompanhar os principais lançamentos do mundo. Com os computadores, antigos trabalhos manuais foram substituídos e até mesmo tornados obsoletos, dando espaço a novas profissões e carreiras antes inimagináveis. Os videogames têm papel fundamental nisso tudo, unindo tecnologias existentes e transformando-as em novas. Tudo isso teve grande força durante os anos 1980 e 1990, com a chegada dos jogos em três dimensões.

Quando os anos 2000 chegaram e a geração do PlayStation 2, GameCube e Xbox estava instaurada na sociedade, a sensação era a de que havíamos alcançado um limite: a tecnologia deixou de mudar a maneira como vivíamos. Mesmo com melhorias e adaptações para a melhor utilização, o que temos hoje não representa evoluções tão grandes quanto as que vimos duas décadas atrás — o que tornou-se um período marcante na vida de todos que puderam aproveitá-las.
Mesmo que poucos tenham tido o Xbox no Brasil, ele era o mais potente da geração.

Um segundo, milhares de informações

Basta uma pequena conversa com as crianças de hoje para conseguir reações de surpresa e incredulidade quando contamos que crescemos sem a internet em nossas vidas. Durante muitos anos, trabalhos escolares eram feitos utilizando enormes enciclopédias e dicionários, enquanto as notícias sobre o mundo chegavam até nós por meio da televisão ou rádio. Havia um ritmo muito mais calmo em torno de uma população menos alienada e que conseguia se afastar de tudo e todos quando quisesse.

Vivemos uma época em que a informação nos torna obsoletos em questão de segundos. Basta que entremos em redes sociais para saber sobre a vida de todos os que nos rodeiam, e também sobre tudo o que ocorre no mundo. Passar um dia longe de tudo deixa muitos em desespero, por não poderem opinar e participar dos pequenos movimentos sociais digitais, principalmente para aqueles que acompanham ou trabalham com o mercado do entretenimento.
Enquanto não havia internet, muitos trabalhos escolares eram feitos com essas enciclopédias. Ainda tenho todos os CDs guardados.

Há séries, jogos, filmes, livros e muitos outros tipos de diversão que são lançados e noticiados em todos os meios tecnológicos e analógicos, deixando sempre a sensação de que é preciso conhecer um pouco de tudo. O próprio ato de jogar videogame foi influenciado por isso, já que os jogadores fazem questão de colocar fotos e troféus conquistados para que todos possam vê-los e comentá-los, inflando o ego e alimentando o exibicionismo virtual que nos assombra diariamente. Aqueles que ainda preferem jogar desconectados parecem viver em outra era, esquecendo de evoluir e de compartilhar seus momentos com o resto do mundo.

Tendo dito tudo isso, tentemos propor um exercício: imaginemos os anos 1980 e 1990 com a internet e os meios de comunicação atuais. Poucas certezas podem ser concluídas, mas algo é certo: seria muito difícil acompanhar tudo. A maior fonte de informação sobre os videogames na época eram as revistas e as videolocadoras, que nos mostravam jogos que sequer sabíamos da existência e já disponíveis para compra. Com a internet, tudo viria de uma vez só, aumentando ainda mais o consumismo e o lucro das empresas e desenvolvedoras, popularizando ainda mais o mercado. Talvez isso indique o grande sucesso que o PlayStation 2 fez, já que sabíamos sobre tudo o que seria lançado com apenas alguns cliques.
São os pequenos momentos que trazem a nostalgia nos jogos do Mario, como a pequena dança ao ficar pressionando para cima e para baixo.

Quando vejo meus sobrinhos, ainda pequenos, brincando com os novos consoles e usando tablets para tudo, tenho um certo desespero. Eles sabem quem é o Mario, mas o conheceram com jogos do Wii, deixando de lado tudo o que vivi com o Super Nintendo, sem conseguir entender o seu papel no mercado e até mesmo na sociedade. Colocá-los para jogar tudo é uma tarefa extremamente difícil, já que tudo existente antes deles é considerado “velho e chato”. Como fazer as novas gerações compreenderem o que foi esse período tão consagrado na vida de tantos jogadores e espectadores? Aparentemente, estamos vivendo a resposta neste exato momento.

 A chegada das novas gerações

Nos últimos anos, muitas séries, desenhos e filmes antigos receberam continuações e até mesmo novas versões. Posso, agora mesmo, assistir um novo episódio de Dragon Ball ou Cavaleiros do Zodíaco, ou me preparar para jogar um novo Final Fantasy VII, anunciado na última E3. Os super-heróis dominaram as salas de cinema, jogos de tabuleiro voltaram a encher lojas pelo mundo todo. Eis a volta de uma geração que pensamos ter acabado.
Tantos anos se passaram e ainda considero Yoshi's Island um dos jogos mais bonitos que já joguei.

É claro que tudo isso não substituirá os produtos originais. A graça de jogar o novo Yoshi's Wooly World (Wii U) está também na nostalgia do antigo Yoshi’s Island (Snes), que ainda é um dos meus jogos favoritos. Mas, ao menos ao reciclar antigos nomes e franquias, as crianças que estão chegando podem acabar interessando-se pelo mercado, indo atrás dos clássicos por conta da curiosidade (e também da necessidade de estarem sempre informadas, como já discutido). Enquanto isso, os que viveram e experimentaram tudo na época em que foram lançados também aproveitam o momento para relembrar e reviver sentimentos. Todos saem ganhando.

Um dos assuntos que está causando muita polêmica entre os jogadores é a nova estratégia de muitas empresas — principalmente a Sony — de lançar jogos remasterizados de outras gerações para a atual, com preços altos e poucas novidades em torno dos originais. Seria isso falta de novos conteúdos? Sim e não.
Quando o jogo Ducktales foi remasterizado, muitos se empolgaram, mas o resultado final deixou a desejar.

Como as informações e novidades passam rápido demais, é bastante provável que não tenhamos conseguido jogar tudo o que foi aclamado pela crítica e jogadores nas gerações passadas. Chegamos ao ponto de comprar jogos e colocá-los na estante, sem sequer experimentá-los por vários anos. Nos cerca de sete anos que o PlayStation 3 lançava jogos frequentemente, muitos não puderam comprar o console (principalmente no Brasil, com o preço excessivamente alto) ou, o pouco tempo livre que tinham usavam para platinar um título que tanto gostavam. Como resultado: a nova geração chegou e você ainda não jogou God of War 3 (PS3). Eis a sua chance!

As remasterizações não fazem com que o PlayStation 4 sobreviva, porque há jogos muito bons para a geração atual vendendo muito. Eles estão lá, principalmente, para os que não tiveram a oportunidade de jogar, e que agora poderão fazer isso com uma qualidade muito maior e todos os conteúdos extra desbloqueados. Obviamente, os grandes fãs podem comprar de novo, seja para colecionar ou jogar aquilo que tanto amam. Enquanto isso, a maior parte dos que já jogaram os originais não comprarão o jogo remasterizado, e deveriam simplesmente deixá-lo de lado ao invés de tanto criticá-lo.
A trilogia Uncharted, de PlayStation 3, receberá remasterização para o PlayStation 4 em breve. Os poucos que puderam experimentar a demonstração gostaram bastante.

Os problemas de viver no passado

A Nintendo é uma empresa esperta. Sendo a única grande empresa que sobreviveu aos anos 1980 e 1990, ela ainda carrega seus títulos em novos lançamentos, mantendo jogadores e fãs desde então. Mas, ela também passa a viver do mesmo problema de todo o resto: a nova geração de jogadores não carrega a mesma nostalgia e não entende a sua premissa. Como vender um jogo novo de Zelda para alguém que não teve um Nintendo 64, GameCube e Wii? Isso também se extende em outras mídias: como vou fazer minha sobrinha entender o que foi o filme Space Jam, agora que uma continuação deve chegar às telonas?

O maior problema, entretanto, é a crítica em massa que os usuários dos antigos-novos produtos consegue fazer por meio da internet. Com o grande número de conteúdos antigos sendo reutilizados, a sensação de que falta conteúdo inédito parece dominar a todos. Jogos como The Last of Us (PS3/PS4), que deixou muitos de boca aberta, perdem-se no meio de tantas reclamações, tornando-se “velhos” instantaneamente. Na E3 deste ano, enquanto o belo e promissor Horizon: Zero Dawn (PS4) havia sido anunciado, muitos ainda comemoravam a nova versão de Final Fantasy VII, sem sequer saber a data de lançamento. Tudo deixa a entender que o novo está se perdendo em meio ao velho, quando basta abrir os olhos e perceber que há novidades e conteúdos criativos por todos os lados.
Em Horizon: Zero Dawn a personagem principal deve derrotar dinossauros robóticos em um mundo onde os humanos não dominam mais.

Há também o medo de estragarem uma franquia tão amada. Kingdom Hearts teve o seu último grande lançamento para o PlayStation 2 há aproximadamente uma década. Com o anúncio do terceiro jogo da história original para a geração atual, muitos se empolgam, mas temem que não atendam suas expectativas. Não é à toa, já que Duke Nukem Forever (Multi) demorou tanto e recebeu péssimas crítica ao redor do mundo. As outras mídias sofrem do mesmo problema, com filmes clássicos sendo refeitos e perdendo o encanto dos originais. Mas precisamos lembrar que há mentes criativas em todas as áreas, capazes de transformar o Batman de George Clooney no de Christian Bale.

Precisamos diminuir o ritmo. Quando conseguirmos filtrar as milhares de opiniões alheias, conseguiremos ver que entre tantos lançamentos baseados em franquias antigas há muitas coisas novas e de qualidade. Assim, iremos entender que não sairemos perdendo em nada com o momento atual: novas gerações conhecerão franquias antigas e as antigas poderão reviver sentimentos e momentos da infância. Se nada disso chamar a sua atenção, basta não consumir o produto — reclamação é o que mais existe na internet, a sua será somente mais uma. Afinal, existe mercado para todos.
Sem nem mesmo ver o filme, muitos criticaram a imagem de Jared Leto como Coringa. Após o trailer, todos "milagrosamente" mudaram de ideia.


Revisão: Jaime Ninice
Capa: Ana Carolina

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
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