Blast from the Past

X-COM: UFO Defense (PC), sua originalidade e seu legado

O grande clássico tático e estratégico brilhou em sua ambição e complexidade viciantes.

Eu acredito que um jogo deve ter vida própria, de modo que ele gere experiências que são novas, desafiadoras e engajadoras várias vezes.

Julian Gollop, game designer e criador de X-COM: UFO Defense

X-COM: UFO Defense (PC) é um jogo de simulação e estratégia. Não é um título de simulação com elementos de estratégia, nem um game estratégico com partes de simulação. Ele é um e outro, alternadamente — como se incluíssem dois jogos diferentes, um de cada gênero, no mesmo pacote.


Deixando mais claro: X-COM é composto por dois grandes sistemas, um macroscópico, outro microscópico. Por um lado, o jogador precisa lidar com o gerenciamento em tempo real de uma organização mundial, alocando recursos, escolhendo investimentos e cuidando de verbas mensais; por outro, é preciso comandar tropas locais, dar ordens individuais para soldados, pensar sobre que ações executar turno a turno e refletir se vale a pena ou não sacrificar alguma unidade.

Os dois sistemas são tão distintos que poderiam ser obras diferentes. A estética de ficção científica reminiscente de alguns dos melhores episódios de Arquivo X deixa bem claro que você ainda está jogando o mesmo game, mas a sensação passada por cada parte é extremamente diferente, com suas regras particulares e objetivos locais.

Ambos sistemas dariam bons jogos, mesmo se usados sozinhos. Mas o que realmente faz X-COM brilhar é a forma como ele os integra. Há um objetivo maior guiando o jogo, sendo necessário entender como suas partes distintas se comunicam para vencê-lo.

Escopo geográfico

O jogo começa sob o viés macroscópico. Na primeira tela, o jogador tem o mundo diante de si — literalmente. “Escolha sua base”, anuncia o título, esperando que um lugar do globo seja escolhido. Basta clicar no local desejado e dar um nome ao quartel general para começar sua missão. Apropriadamente, este modo de jogo é chamado de Geoscape.

Apesar das aparências, o planeta não está em suas mãos. O objetivo não é comandar a Terra, é defendê-la. Suas bases estão sempre rastreando os continentes próximos, em busca de OVNIs e interferência alienígena. A escolha do local de sua base de operações é apenas a primeira de várias decisões estratégicas esperadas do líder de uma organização empenhada em combater uma ameaça desconhecida.

Uma organização, diga-se de passagem, que precisa provar seu valor como guardiã global diuturnamente. Seus recursos são limitados e sua verba depende de uma série de fatores. O Conselho das Nações está sempre atento às suas ações, podendo aumentar ou diminuir o orçamento disponível de acordo com seu desempenho.


Para complicar as coisas, os alienígenas estão anos-luz à frente na corrida armamentista. Mesmo com sua jurisdição global e tecnologia de ponta, as forças da X-COM estão em grande desvantagem contra os seres de outro planeta. Cabe a você alocar engenheiros e cientistas para tentar diminuir o vão tecnológico.

Tanta informação e decisões de uma vez só chegam a ser opressivas. O Geoscape realmente consegue dar o peso do que é estar à frente de uma organização responsável pela defesa de todo planeta. Mas, assim que se pega o jeito, a experiência se torna fascinante. Em pouco tempo, o jogador já começa a abater seus primeiros OVNIs. É então que a ação “de verdade” começa.

Escopo de batalha

Destruir discos voadores é importante para evitar ataques em grandes cidades. Mas há outra serventia nisto: só assim é possível resgatar tecnologia alienígena dos destroços, que pode ser adaptada, estudada ou até mesmo vendida. Isto é, se realmente houver apenas destroços no local de queda da nave. A possibilidade de alienígenas terem sobrevivido o ataque é quase certeira. É aí que entra o esquadrão X-COM.

O controle dos soldados se dá no chamado Battlescape. Aqui, a jogatina é baseada em turnos e as preocupações do jogador são muito mais imediatas e individuais. Sai o líder de uma organização mundial e entra em cena o comandante de um esquadrão de busca e extermínio. Um frágil, extremamente frágil esquadrão. Qualquer movimento em falso pode custar a vida dos membros de sua equipe.

Mas, como diz o velho ditado, “ao vencedor, as batatas”. Ou, neste caso, os artefatos extraterrestres. Seus soldados (os que sobreviverem, pelo menos) ganham experiência com as missões, ficando mais preparados para incursões futuras. Logo, os calouros inexperientes se tornam valiosos veteranos decisivos para as batalhas.

Escopo total

Tanto o Geoscape quanto o Battlescape podem ser subdividos em sistemas ainda menores e mais simples: construção de base, pesquisa, manufatura, finanças, batalhas… Se pegos individualmente, esses sistemas não são relativamente impressionantes nem causam muito engajamento.

A soma de suas partes, entretanto, é fantástica. Os vários sistemas se intercomunicam, com suas decisões no Geoscape afetando seu desempenho no Battlescape (e vice-versa), criando um viciante ciclo de recompensas e penalizações. Cada ação do jogador causa repercussões em inúmeras áreas. Um grande exemplo de complexidade emergente, com a junção de vários sistemas simples permitindo interações e resultados complexos.

Em retrospecto, chega a ser curioso. Há, em game design, um conceito chamado “integração”. Basicamente, no melhor dos cenários, todas as ações do jogador terão alguma importância na experiência — ou seja, são significativas. Este conceito não é seguido muito bem por alguns jogos modernos, lotados de recursos que fazem o jogador se perguntar: “mas pra que serve isso? Pra que eu quero isso?” Enquanto isso, um jogo de 1994 para MS-DOS conseguia fazer duas formas completamente distintas de se jogar se integrarem perfeitamente à gameplay, se fortalecendo durante o processo.

Único mesmo hoje em dia, o conceito era inédito em 1994. Julian Gollop, game designer responsável pela obra, apesar de te uma ideia muito clara do que queria fazer em sua mente, não conseguiu explicá-la de forma eficiente. Sem entender muito bem a proposta, a Micropose quase cancelou o projeto. Felizmente, confiavam na competência de Gollop, que já havia provado seu valor com o desenvolvimento dos excelentes Rebelstar (PC) e Laser Squad (PC), e decidiram investir nele. Ainda bem. Se não tivessem aprovado, o mundo teria perdido um dos jogos mais originais e bem feitos da história.

Legado resgatado

O resultado final é tão singular que provavelmente nem a Micropose nem Gallop se deram conta do que tinham em mãos. Só isso pode explicar o fato de o jogo não ter recebido uma sequência verdadeira. X-COM: Terror From the Deep (PC), apesar de divertido, era só o jogo original com uma roupagem submarina. X-COM: Apocalypse (PC), apesar de seus méritos, seguiu uma direção diferente. Os outros dois jogos da série, X-COM: Interceptor (PC) e X-COM: Enforcer (PC), eram X-Com em nome apenas.

Somente nos anos 2010 o legado do clássico começou a ser resgatado. Alguns fãs fizeram seus próprios remakes, na forma de Aliens versus Humans (Android/iOS) e Xenonauts (PC), que emulam perfeitamente e com muito carinho as decisões do clássico. 

Mas foi a Fireaxis, veterana em jogos estratégicos, que realmente trouxe o conceito para a era moderna. Seu reboot da série, o magistral XCOM: Enemy Unknown (Multi), trouxe a fórmula mágica de X-COM para uma nova geração de gamers. Agora, com o anúncio de XCOM 2 (PC), só podemos esperar que essa fórmula não caia no esquecimento de novo.

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
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