Resenha

“Videogame Locadora”: reviva os tempos áureos das locadoras de videogame

Conheça o livro que reúne histórias das locadoras de videogames da cidade de São José do Seridó/RN e reviva um mundo de nostalgia gamer dos anos 1990/2000.

Quem não se lembra das locadoras de videogames de seu bairro? Aquela época em que gastávamos nossa tão preciosa mesada, muitas vezes direcionados aos lanches escolares, para então ceder aos encantos das novidades presentes nas locadoras de videogames. Neste livro, intitulado Videogame Locadora: espaços de sociabilidade em São José do Seridó, escrito por Italo Chianca, vivemos esses momentos felizes que construíram os espaços, comportamentos e relacões daqueles que viveram os anos áureos e nostálgicos das décadas de 1990 e 2000.

Uma história daquelas que mais gostamos!

Espaço gamer: locadoras *.*
Italo Ramon Chianca e Silva, em seu livro, utiliza-se da história cultural, categorizando o tempo e as atividades de um dado período para construir o seu texto. Inicia contextualizando as fontes e como se deu sua incursão por esta pesquisa. Cabe notar aqui a rica esfera com que o autor enumera e caracteriza os diferentes meios consultados e o principal gerador de sua motivação: as locadoras de videogame.
As locadoras de videogames tinham como base o aluguel de jogos e consoles, além de cobrar por tempo de jogatina.
É construída uma base para falar do surgimento dos games, início e ascensão das locadoras, até o seu término, situando especificamente as de sua cidade, São José do Seridó. Ele utiliza, para isso, um extenso acervo que inclui livros, trabalhos acadêmicos, artigos, revistas de games, documentários audiovisuais, sites e entrevistas. Um trabalho completo, formado pela rica experiência do autor nos espaços por ele mencionados, além do amplo entrosamento com as pessoas e meios vividos por elas. Todos estes fatores propiciaram um rico resgate à memória das locadoras de videogame em sua cidade.
Fitas empilhadas: o que antes era normal, hoje são uma nostalgia à parte
O autor divide o seu livro em quatro capítulos, que contam:
  • Surgimento dos jogos até gerar a ideia das locadoras;
  • Início e desenvolvimento das locadoras em São José do Seridó;
  • Locadoras enquanto espaço de sociabilidade e ponto de encontro infanto-juvenil;
  • Causas do fim das locadoras e visão atual dos jogadores e donos sobre o que gerou estes espaços em suas vidas.
Algumas imagens podem causar sorrisos constantes e alegria inexplicável por quem estiver lendo.

O início das locadoras de videogames

Neste primeiro capítulo de seu livro, Italo Chianca descreve o surgimento das locadoras e do seu impulso no Brasil, através das dicas das revistas de games na área. Nomes como Blockbuster, EUA, Pró Games, dentre outros serão constantes. Este é o palco para contar os momentos históricos desta indústria, desde tempos mais remotos. O autor faz um breve relato do surgimento dos jogos como atividade lúdica entre os humanos, carregados de cultura e de estreitamento de relações sociais, considera o início do surgimento dos jogos eletrônicos e caminha na direção das primeiras máquinas de arcades que eram jogadas através de fichas, por um breve período ou de acordo com as regras do jogo. Até a fama dos consoles surgir (Nintendo x SEGA) e estes serem direcionados a espaços de locação, como as Blockbusters, também, mais popularmente no Brasil, de jogatina local, como a Pró Games, que possuía, inclusive, uma revista.
Mas, o maior motivador aqui é, sobretudo, o surgimento das locadoras na cidade vivida pelo autor, São José do Seridó. Este fenômeno surgido na cidade interiorana no Rio Grande do Norte pode causar um certo espanto, dada a quantidade de locadoras locais destinadas a esse fim (o autor historiciza cada uma, com riqueza de detalhes, experiências e até mesmo fotos). Mas, para aqueles que viveram os anos 1990, basta-nos lembrarmos dessa época, mesmo para quem morava longe do centro, de como era comum encontrar espaços de locação e jogatina eletrônica em cada esquina de rua, alguns incorporados às locadoras tradicionais, outras dedicadas exclusivamente a esse mercado. Posso dizer que tive o privilégio de também viver nestes espaços, o que fez identificar-me bastante com o livro.
Alugar ou sonhar? Eis a questão...

São José do Seridó, Rio Grande do Norte, um espaço gamer

Arcades, o início!
No segundo capítulo, o autor descreve um pouco sua cidade e os meios de entretenimento e espaços sociais nesta, antes mesmo das locadoras de videogames surgirem. Comenta sobre os pontos de socialização e destaca a quase inexistência de um local para jovens neste contexto em sua cidade. Coloca, então, de forma sucinta, a importância e necessidade de um espaço de socialização e interação voltado aos jovens e crianças.

Este é certamente o capítulo mais rico e autoral do livro. Cada locadora de sua cidade é exemplificada. Das sete descritas pelo autor (as locadoras de Júnior de Davi e Rafael de Bosco, de Jorge, de Chico Toco, de Raquel, de Toinho, de Tadeu e de Eliel), podemos tirar boas histórias e identificações a partir das nuanças comuns a estes espaços. O autor vai além, e cita até mesmo segredos e curiosidades dentro deste universo, que parecia escondido aos adultos, dentro do mundo dos jovens antenados àquele lugar com tamanha significação; e dentro do qual o fator "sentir-se compreendido" gerava um dos momentos mais prazerosos e felizes pelos quais os que por ali passaram, e que carregam ainda muitas lembranças. Pode dizer que, de vez em quando, bate aquela nostalgia e saudade daquela época, não é mesmo?
Espaço onde o autor convivia: locadora do Senhor Tadeu. Fonte: Italo Chianca in Acervo Pessoal do Senhor Tadeu.

É muito sucinta e interessante a maneira como o autor resgata cada um dos ambientes, detalhando aspectos do espaço, formas e modelos de comércio – incluindo valores e itens vendidos nas mesmas –, além de descrever bem cada dono e cada história dos jogadores que passaram por lá. Ponto este que foi conseguido através de entrevistas e baseado em lembranças dos jogadores e dos donos que viveram nestes espaços. Um lugar, como o autor escreve: "(...) de aproveitar o tempo livre entre a escola e as atividades domésticas, um passatempo diário, contínuo e intenso (...) que consumia não só as economias, como também muito do tempo livre destinado a outras atividades". E o jovem fazia deste "(...) o seu território, a sua zona de conforto e seu espaço de sociabilidade" (página 99).
“Era comum ver a senhora Raquel esquecer os horários de saída dos clientes da locadora, devido algumas distrações. Muitas vezes ela ficava na calçada da locadora, sentada em sua tradicional cadeira de balanço, conversando com as pessoas que passavam em frente ao estabelecimento e simplesmente esquecia-se da criançada. Isso causava euforia pela sua falta de atenção, fazendo com que todos jogassem, pelo menos, uns minutos a mais, enquanto ela estava sentada, dedicando-se ao crochet, seu passatempo favorito.” (página 78).
Mais minutos para acirrar a competitividade em Mario Kart? Sim ou claro?
A locadora seguiria regras de conduta, além de ser um local onde o jovem aprendia valores importantes para sua formação, como a administração do tempo e dinheiro, e possibilitava-o a encontrar companhia para encarar as transformações da adolescência. Em suma, como espaço de aprendizagem e boa convivência, o local também ajudava a soltar os jovens dos vícios prejudiciais à sua saúde, como as drogas, e ainda dava a oportunidade de integrá-lo junto a outros jovens de mesma idade e realidade (página 100-4).
“Era na locadora que o jovem via sua imaginação tomar forma através dos jogos eletrônicos. Se antes a única maneira para viajar por outros mundos, enfrentar dragões e salvar princesas num castelo eram através da leitura de um livro, com a utilização dos jogos eletrônicos, dentro das locadoras, essas aventuras imaginárias tornaram-se muito mais interativas e atrativas, pois tinha-se total controle sobre o personagem e capacidade de liberdade de escolha, inclusive para alterar a própria narrativa dessa história.” (página 99).
Mais um espaço do que eram as aconchegantes locadoras de videogames

Locadoras de videogames: espaços de sociabilidade e diversão

No terceiro capítulo, o autor mostra a relevância das locadoras da maneira como elas foram construídas, o auxílio da Pró Games, cujo estabelecimento de sucesso era molde para futuras locadoras, e cujo periódico era base atual para muitos dos empreendedores deste novo negócio. Não parando aí, Italo Chianca continua dissertando sobre as características e modelos que agradavam mais cada lugar, desde o início dos primeiros moldes, até aos que se firmaram como espaços consolidados em diferentes regiões, sejam capitais ou mesmo no interior.
É interessante citar que exemplares das revistas de games, como a Revista Pró Games, ajudavam os comerciantes com faqs para montar o seu negócio, e as características de novos frequentadores e regras daqueles espaços. Muitas delas estavam disponíveis nas “salas de espera” para aquela jogatina.
Locadora de jogos ProGames
No início do capítulo, um artigo sobre os espaços de sociabilidade em si é feito. Nele, o autor sintetiza os espaços lúdicos, desde suas primeiras formações, como na Grécia antiga, até os dias mais atuais, como modelo de capitalismo. Para ele, as locadoras seriam o lugar de autoafirmação de um jovem, onde este encontraria pessoas do mesmo nível de pensamento, que tornaria sua interação mais imediata. Afinal, são nestes espaços de sociabilidade que o jovem faz suas atividades e busca novas “formas de se afirmar diante do mundo adulto, criando assim um ‘eu’ e um ‘nós’ distintos, constituindo o espelho de sua própria identidade" (Revista Pró Games Nº 1, 1993, p. 94 apud SILVA, 2014, p. 122).

Esse será o local onde, no tempo livre, ideias serão tidas, histórias serão construídas e amizades serão formadas, respondendo às diversas necessidades dos jovens, como “de comunicação, de solidariedade, de democracia, de autonomia, de trocas afetivas e, principalmente, de identidade” (DAYRELL, 2007, p. 11 apud SILVA, 2014, p. 123). O jovem teria o local perfeito para adquirir uma nova e maior liberdade, ser mais entendido, e, como ele escreve, passar o tempo livre.
"Na realidade local que estamos abordando, os valores e comportamentos apreendidos no âmbito da família, por exemplo, são confrontados com outros signos e modos de vida percebidos no âmbito dos grupos de pares, nas escolas e até mesmo nas locadoras, ampliando, com isso o universo de possibilidades do jovem citadino que jogava videogame em seu tempo livre." (página 125).
Diversos games em diversas prateleiras saborosíssimas. Quem não se anima?
São explicitados ainda mais características sobre as locadoras da cidade-objeto, em geral, como locais de sociabilidade. Um apanhado dos problemas e características das locadoras de São José do Seridó como espaços de sociabilidade nos mostra:
  • Os ritos de iniciação, destacando os ensinamentos e contrução de amizades;
  • O surgimento das locadoras em bairros pobres, incluindo assuntos como descriminação e paz;
  • Rivalidades e preferências dos usuários e donos, incluindo características e disposições de cada locadora como locais identitários, além de mostrar a lealdade dos amigos perante aos donos e apego aos saves dos cartuchos;
  • A locadora como espaço de trabalho, sendo escolhidos os usuários mais experientes para revezar os turnos de funcionamento dos estabelecimentos.
As locadoras de videogames viram temas de eventos focados em videogame, como o Vila Anime: Gamer Edition!

O fim das locadoras de games, realidade ou tempo de mudanças?

Triste realidade, o fim estava próximo
No último capítulo e conclusão do livro, Chianca nos mostra os três fatores que poderiam ter gerado o término das locadoras de videogames: a internet e ascenção da pirataria; o preço mais acessível dos consoles e jogos e as lan-houses como novo espaço social (mesmo que para possibilidade de interação virtual). Para muitos, resta a esperança de voltar, ao menos um pouco, o sistema das locadoras, assim como alguns modelos ainda existem (venda, filmes, lanchonete, lan-house).

Os meios de interação mais atuais acabaram por tornar o antigo sistema das locadoras inustentável e menos atrativo para os clientes, fazendo-a perder a sua significância. Muitos consideram este fator a uma grande perda sócio-cultural, dadas as possibilidades que estes ambientes, construídos a partir das locadoras, geravam meios de aprendizado e convívio, formação de novas amizades e entrosamentos, além de belas histórias compartilhadas entre os que permaneciam no lugar.
Era das lan-houses: seriam estas as maiores responsáveis pelo fim das locadoras de games?
O livro nos introduz a este espaço mágico que foi o das locadoras de videogame, com um conteúdo rico e apoiado em locais e nomes reais de jogadores, de donos, ainda com a inclusão de depoimentos e fatos. Uma nostalgia penetra nestas páginas e absorve o seu rico e interessante conteúdo, só possível graças ao extenso trabalho e pesquisa do caríssimo autor e amigo, Italo Chianca.

Monografia que virou livro

Busca por orientadores, descobrimentos acerca do seu tema e a luta para tornar realidade um sonho são contados nesta crônica escrita pelo autor aqui no GameBlast. São contadas suas batalhas acerca do acervo de livros, revistas e amigos que ajudaram na realização deste projeto de fôlego.

Onde comprar

Para aqueles que se interessarem, o livro está disponível para venda em versão impressa e digital pelo portal Clube de Autores

Revisão: José Carlos Alves
Capa: Hugo Henriques Pereira e Jaime Ninice (foto)

Jaime Ninice é cravista, formado pela UFRJ, e mestre em música na mesma instituição. Sua paixão por games, eventos e revistas o levou a escrever e revisar artigos desde 2010 no @Blast. Hoje é redator das publicações impressas sobre retrogames WarpZone.me
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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