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Análise: Civilization: Beyond Earth (PC) sai do passado da humanidade e explora nosso futuro

Híbridos humanoides, alienígenas do passado e miasma para todos os lados. Uma odisseia em busca de um novo lar para a humanidade.



Contar nossa história é algo simples: pegue alguns livros, acesse algumas páginas e em algum tempo você saberá porquê estamos aqui. Uma sequência de erros e acertos que nos tiraram das cavernas e nos botaram em apartamentos. Animais hostis e selvagens hoje nos servem de comida, companhia e proteção, e vez ou outra caímos na pancadaria por algum motivo estúpido.

Civilization: Beyond Earth conta a mesma história que passamos quando Colombo chegou nestas bandas, com a diferença que as “caravelas” levaram alguns anos a mais para gritarem “Terra à vista!”. Também há alienígenas ao invés de indígenas, mas mesmo assim, se não tratarmos bem as criaturas destes novos planetas, as consequências serão sentidas a longo prazo.

Sai desse miasma, menino!

As primeiras coisas que seus colonos encontrarão em um novo planeta serão uma neblina verde e tóxica, alguns alienígenas bestiais e muito lugar para trabalhar. A premissa de Beyond Earth é a chegada da humanidade em um mundo parecido com o nosso, longe da Terra já desgastada e destruída pelo Grande Engano, uma sequência de deslizes que deixou nosso mundo inabitável.



Adaptando o novo lar para as necessidades de seus novos habitantes, lentamente o planeta vai ganhando nossa marca. O ar não é o mesmo, a água pode ter gosto de suco de maçã verde, e duvido que aquelas pulgas gigantes sejam digeríveis. Tudo deve ser mudado para que continuemos a existir, seja o ambiente ou nós mesmos.

Se na série Civilization o maior problema no início de uma partida eram os bárbaros, agora há monstruosidades curiosas que não sabem se atacam ou se fogem. Tínhamos certeza que um bárbaro atacaria sua cidade e destruiria suas plantações. Mas agora temos que pensar se as criaturas nativas do planeta merecem seu espaço, ou se devem ter o mesmo destino que muitas espécies de nosso antigo lar tiveram.

As diferenças com os jogos anteriores da série são sentidas em todos os cantos, o tempo todo. Meu maior terror foi o miasma. Pense nesse pesadelo em gás como uma enorme Chernobyl, com detritos radioativos por toda parte, deixando a terra infértil para quase tudo. Leva um tempo até os novos colonos aprenderem a lidar com o miasma, seja erradicando-o, seja se adaptando para coexistir com ele. O que torna a jogabilidade sempre mutável e inesperada, como todo título de Sid Meier deve ser.

As tecnologias agora são uma teia. Desta forma, a evolução de cada facção fica diferente a cada partida. 

Podemos ter uma estratégia inicial poderosa, mas é preciso adaptá-la caso queiramos ganhar. Depois de alguns poucos turnos explorando e adaptando seu novo mundo, outra facção desembarca e começa a expandir. E outras a seguem, até o número de jogadores ficar cheio.

O melhor amigo do kepleriano é o cachorro do espaço

Civ: BE é muito apegado aos pop-ups. A cada turno pelo menos três delas surgem em sua tela e mesmo com a informação sendo irrelevante, temos que vê-la. Já recebi notificações de chegada de novas Stations (uma versão mais irrelevante das cidades-estado em Civ), duas missões, dois avisos do conselheiro (uma versão robótica do conselho em Civilization V) e a descoberta de uma expedição. Algo que precisa ser revisto pelos desenvolvedores.

Com as missões o jogo se torna mais segmentado, com objetivos para se cumprir em troca de recompensas que vão moldando seu povo a um dos quatro objetivos finais: Transcendência (nos modificamos pelo planeta), Purificação (modificamos o planeta para nos manter como somos), Supremacia (porrada!), e Contato (sim, podemos encontrar vida inteligente lá fora).


Minha primeira partida com Rejinaldo (vai, Brasil!) teve uma história bizarra. Após o desembarque no planeta Kepler 186f, fiquei curioso com os alienígenas e fui me aventurando cada vez mais dentro de sua área. Quando cheguei perto de um ninho, fui literalmente zergado pela fauna local. Meu explorador (um substituto mais útil do Scout) teve o mesmo destino, e por pouco não perdi meu peão, que fugiu para a proteção da Cidadela, a capital da Organização dos Estados Sulamericanos.
Foi um aviso claro de que não era bem vindo ali. Montei um exército e limpei a região. Alguns turnos depois fui avisado que a Federação Eslava não gostou das minha ações com os aliens. Mandei ele cuidar de sua vida e continuei o massacre. Logo depois, fui condenado por eles, ao mesmo tempo que o Protetorado de Kavithan se aliou a Brasilia. Em pouco tempo haviam enormes alianças em guerra pela supremacia. Desisti quando meus níveis de Health (substituto mais cruel do Happiness) chegaram a -30 e não consegui mais manter o império estável.


A forma como lidamos com os alienígenas molda as formas de se desenvolver a humanidade. Uma das sacadas mais geniais em Beyond Earth foi a adaptação das espécies ao seu meio. Se conseguimos domesticar o cavalo para usá-lo como montaria, por que não fazer o mesmo com aquela coisa feiosa e cheia de dentes que não para de nos atacar? Aos poucos fui fazendo as pazes com os alienígenas, e os pontos em Harmonia subiram a ponto de tornar meus keplerianos irreconhecíveis frente aos terrestres. O humano se torna outro se o ambiente é outro.

Mudanças em seu corpo (e em suas unidades militares) o tornaram capaz de respirar o miasma e se beneficiar dele, adaptações nos alienígenas os deixaram passivos e os transformou em melhor companhia do homem depois do cão. Uma tropa de keplerianos montados em lobos insetóides do espaço fizeram a União Popular Africana se render, mesmo usando enormes maquinários e armas pesadas. Eles estavam seguindo o caminho da Supremacia.

A história evolui

Depois de uma guerra sangrenta, o mundo se polarizou e uma nova Guerra Fria estourou até um dos lados desistir. Recomecei uma partida com a Cooperativa Pan-Asiática (PAC), com ótimas habilidades em construção. Sabendo da hostilidade dos nativos, imprimi um ritmo muito agressivo. Não me importei ao ser condenado pelos hippies amantes de pulgas do espaço e logo os blocos se formaram. Não sei como confiei na Corporação da Recuperação Americana (ARC) por tanto tempo. A iniciativa norte-americana lembra muito uma diabólica corporação capitalista, que apenas busca alianças se elas lhe derem lucro.

A ótima trilha sonora tem nuances de diversos filmes de ficção científica. 

Depois de algum tempo ajudando a ARC a se desenvolver, deixei de mandar recursos e energia (a nova moeda vigente) para me concentrar em uma guerra com os Polistralianos, os australianos do espaço. Depois de algum tempo, os ARCianos me condenaram e deixei que apanhassem dos eslavos, os verdadeiros vilões em Civ: BE. Fui obrigado a tomar a capital da Polistrália, depois de uma agressão deles aos norte-americanos.

Basicamente, com exceção dos novos mundos, viagens espaciais e inovações tecnológicas que acenam aos mais famosos autores de ficção científica, nada mudou, mesmo no século XXIV. As diversas facções representam conglomerados que os diferenciam por sua abordagem econômica, social ou até mesmo étnica, como o PAC representando os países asiáticos e a Federação Eslava e sua mania russa de lidar com as coisas.

O upgrade de suas unidades se dá pela progressão de suas Afinidades. Esses são os soldados da progressão em Harmonia. 

Mas é incrível que existam outras formas de se conquistar a vitória. Alterando nosso corpo para se manter em harmonia com o planeta acena uma forma diferente de se lidar com os nativos, o que não aconteceu nas Américas. Alterar o ambiente para seu benefício poderia causar mudanças permanentes, mas ao menos teríamos uma segunda Terra, que poderia receber mais colonos vindos da primeira Terra, já devastada. Ou então podemos encontrar outras espécies inteligentes, o que, segundo a concepção da 2K e da Firaxis, já contaria como uma vitória, já que não se sabe o que acontecerá quando (e se) encontrarmos alienígenas desenvolvidos por aí.

Civilization: Beyond Earth sai de sua zona de conforto histórica e parte para a criação, uma jornada espacial épica que dá acenos a grandes ícones de nossa bibliografia cultural, como Wonders fazendo referências a projetos teóricos de grandes autores (o Panapticon de Foucault), citações de Alan Dean (da série Alien) e Isaac Asimov (Eu, Robô), além de tantos outros autores de nosso possível passado de nosso possível futuro, como o Tio Inclonado e as anotações estratégicas de Rejinaldo Alencar, o novo Carl von Clausewitz.

E reiterando: fique longe do miasma.

Prós

  • Trilha sonora apaixonante;
  • Inteligência artificial mais robusta e menos vacilante se comparada aos sucessores da série Civilization;
  • Ótima abordagem de nosso possível futuro, com várias alternativas de vitórias disponíveis;
  • Rejinaldo tem +10% de ataque.

Contras

  • A interface precisa de uma polida, principalmente na questão das janelas pop-up;
  • As novas cidade-estado precisam ter mais importância, sendo apenas locais que ficam no caminho de sua expansão;
  • Não confie nos eslavos. Nem nos alienígenas.
Civilization: Beyond Earth — PC— Nota: 9.0
Revisão: José Carlos Alves
Capa: Felipe Araújo

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
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