Resenha

Geração Brasil: como a novela "tech" da Globo está tratando os videogames

Muitas referências ou falar de desenvolvimento? Geração Brasil trouxe os jogos eletrônicos aos holofotes como nenhuma novela fez.

Você assiste a novela. Perceba que isto é uma afirmação e não uma pergunta. Direta ou indiretamente, por causa da sua mãe ou porque é no horário do jantar, gostando ou não, você acaba sabendo o que está acontecendo naquela trama que passa todo dia na Globo, na Record ou em qualquer outra emissora que tenha novela na programação (menos as mexicanas do SBT que todo mundo já sabe o que acontece, né). Eu assisto a novela e a minha desculpa se encaixa na última opção da hora do janta. Mas, lá no fundo, depois de algumas semanas, você acaba querendo saber o que vai acontecer e começa a acompanhar. Funciona comigo para jogos, filmes, desenhos, séries e, claro, para estes folhetins da TV em cores.


A questão é que você veio ao GameBlast para ler um artigo sobre videogames e não sobre produções nacionais divididas em episódios diários. E a ligação entre as palavras “jogos eletrônicos” e “novela” são materializadas em outras duas: “Geração Brasil”. Isso, aquele negócio que passa todo dia antes do Jornal Nacional e que tem MC Guimê na abertura falando do flow.

Já que não somos especialistas em analisar se aquele ator está trabalhando bem ou se a trama se compara àquele clássico dos anos 1980, é hora de mostrar que, quando se fala em videogames, “por onde a gente passa é show”. Geração Brasil trouxe-os para a grande massa de uma forma bem relevante, realmente fazendo parte da história, que já traz uma alta dose de modernidade, com seu Steve Jobs brazuca como protagonista. É hora de vermos se a Globo finalmente conseguiu mostrar os jogos, pelo menos, com um pouco do respeito e realidade que eles merecem.

Antes de tudo, um retrospecto

Vamos pegar uma de nossas máquinas do tempo e voltar para agosto de 1965, quando foi exibida “Rosinha do Sobrado”, a primeira novela das sete da emissora. Se você não sabe, este horário é conhecido atualmente por ter as produções mais cômicas da Globo, com tramas leves e sem muito suspense. Pessoalmente, as mais legais. Um ambiente assim possibilita que novos mundos sejam explorados, como a tecnologia de Geração Brasil, a ideia “meio Lost” de Além do Horizonte e o mundo dos famosos de Cheias de Charme.
Levo vida de empreguete, eu levo as se- certo, eu já sei que você cansou dessa música.
Aliás, esta última dá várias pistas sobre o porquê de Geração Brasil ter várias abordagens que, agora, são utilizadas para falar dos videogames. Cheias de Charme, escrita pelos mesmos autores de Geração, trazia uma trama baseada nas celebridades da música, um universo pouco explorado aqui no Brasil de forma fictícia. Aliás, ambas as tramas apresentaram um reality show com os personagens e uma interação com os telespectadores por meio da internet: Cheias de Charme com clipes musicais que realmente foram disponibilizados na rede e Geração Brasil com aplicativos mobile que existem de fato.

Davi e Manu ou Golias e Maya?

Esqueça a ideia de que o casal vai se encontrar pela primeira vez em um campo florido, com toda a emoção do momento. Ou então vão se esbarrar na rua e nunca mais esquecer o rosto um do outro. Talvez trabalharem juntos e a paixão surgir entre a labuta do dia a dia? Para Davi e Manu, protagonistas interpretados por Humberto Carrão e Chandelly Braz, é dentro de um MOBA que o “primeiro encontro” acontece.

Manu sempre foi apresentada, desde as chamadas da pré-estreia, como uma garota gamer, o que não deixa de ser verdade. Além de ótima jogadora, a personagem é uma excelente programadora, atributos também equivalentes ao seu par romântico Davi. Embalados pelas alcunhas Golias e Maya, os dois se encontraram pela primeira vez enquanto jogavam algo bem semelhante à League of Legends.

A ideia de trazer o primeiro contato por meio de um videogame - e o melhor, sem desmerecê-lo - é algo que não vemos todo dia por aí, confesso. Aliás, não só eles, mas vários outros, como o garoto Vicente (Max Lima), são conhecidos por terem um apreço muito grande pelos jogos eletrônicos. Pela primeira vez em uma novela, temos personagens que jogam videogames, nós sabemos disso e o melhor: isto é completamente normal.

Quer desafiar Maya e Golias? Ou quase isso

Sim, o MOBA que eles jogam existe de verdade! Legendary Heroes, disponível para iOS e Android, traz elementos de Action RTS voltados à tela de toque e é gratuito em ambas lojas de aplicativo com suporte a microtransações para compra de personagens e itens. A Globo teve um pouco de licença poética, colocando os personagens jogando o título em computadores e aproximando a câmera, mas tudo bem.

Bem-vindo à festa de Galáxia Andrômeda

Se você estava esperando o momento “vergonha alheia” do texto, chegamos a ele. Ou melhor, chegamos à Galáxia Andrômeda. Vamos contextualizar: Jonas Marra (Murilo Benício), o tal “Steve Jobs brasileiro”, veio ao Brasil para escolher seu sucessor por meio de um reality show/concurso chamado Geração Brasil - que dá nome à novela. Como todo bom reality show nos padrões Globo, precisam haver festas com temas que você nunca pensou em fazer (e com fantasias que você nunca usaria).

A que aconteceu em Geração Brasil foi baseada em Galáxia Andrômeda, uma série de ficção científica criada pela ParkerTV, a emissora fictícia que transmitiu o reality, e estrelada por Pamela Parker-Marra (Cláudia Abreu), esposa de Jonas. O que acontece é que, obviamente, esse seriado nunca existiu e ele, na verdade, é uma verdadeira mistura de personagens e referências a vários clássicos tanto do cinema e TV, quanto dos videogames.
Agora a pergunta: "onde está o Wally"?
Pamela, estrela do show, era conhecida como a Princesa Shelda (perceba que não é o Link), mas se vestiu como uma digna Princesa Leia, acompanhada por Jonas, vestido de “Centaurian Jaspar” que mais parecia um personagem de Game of Thrones. Davi foi de Sunny Spaceboy, o que é apenas um nome sem sal para um Jedi. Manu, uma “Guerreira Delfas”, estava a cara da She-Ra. Vicente veio com uma robótica fantasia de K3P4 (sim, estamos falando do C3PO aqui), Zac Vírus (Thiago de Los Reyes) como um verdadeiro Darth Vader para combinar com seu papel de vilão e Murphy (Arlindo Lopes) como mestre Yoda (ou seria Yakonga)?
Princesa Shelda e Centaurian Jaspar
Trazer tantas referências assim foi legal, temos que admitir. Foi um fan service interessante para aqueles que, muitas vezes, renegam as novelas. Estas referências não param por aqui e aparecem em várias cenas, por meio das falas dos personagens: até mesmo um fora dado por “a minha princesa está em outro castelo” já aconteceu. É um humor bem sutil, mas que sempre faz soltar um sorriso.

Eu sei que você está achando Princesa Shelda ridículo e está dando risada até agora. Não adianta disfarçar.

Desenvolver jogos fictícios ou apps reais?

Os personagens do
jogo de Davi e Manu.
Um dos últimos desafios do reality criado por Jonas Marra era desenvolver um jogo (ou “game”, como estranhamente eles gostam de falar toda hora, marginalizando o termo em português). Os participantes que sobraram se dividiram em duplas (Manu e Davi, Vicente e Ernesto, este interpretado por Felipe Abib) e tiveram 48 horas confinados para planejar o design de seus títulos, que teriam a parte gráfica feita pelas equipes da Marra Brasil, empresa de Jonas.

Devo dizer que esta parte da trama me deixou decepcionado. Eu esperava que fossem retratar mais a dificuldade de se planejar um jogo. Algo que mostrasse o valor que se deve dar a estas produções, principalmente feito por equipes pequenas, como era o caso das duplas. Tudo que foi apresentado, na verdade, foi o grande amor entre Davi e Manu (afinal, eles estavam confinados, sozinhos…). Era importante para a trama sim, até entendo, mas faltou mostrar a importância dos videogames na vida do casal, como foi feito com o MOBA no começo da novela.

Aliás, nem na final da etapa do reality, conseguimos ver com detalhes quais eram os jogos. A única coisa que vimos de concreto foram pequenos “trailers de gameplay”, que, na verdade, não davam nem pra pensar como seria a jogabilidade daquilo, mesmo com o contexto que os personagens inseriam.

Talvez, para compensar a falta de realidade dos games e a parada da novela para os jogos da primeira fase da Copa, tiveram a ideia do app Filma-e. Criado como o desafio final para Manu e Davi assumirem, agora juntos, a diretoria da Marra Brasil. A premissa do aplicativo eram desafios, que deveriam ser respondidos com pequenos vídeos, quase um “duvido que você faça isso” misturado com o Vine.


O mais legal é que - assim como houve em Cheias de Charme - esse app existe e você pode baixá-lo para iOS e Android. Durante o hiato da novela, boletins com os protagonistas foram transmitidos para estimular as pessoas a usarem o Filma-e. Podemos dizer que isto é um “jogo”, já que você pode se divertir bastante e, há poucos dias, criar seus próprios desafios, mas o que devemos perceber é outra coisa: o mundo fictício da novela e o mundo real dos espectadores se misturam. É como se a Marra realmente existisse, como se o reality realmente acontecesse. Vamos considerar que isso é genial.

Você faz parte da G3R4Ç4O BR4S1L?

Não sou um expert, mas como espectador devo dizer que Geração Brasil é uma boa novela. Como amante de videogames, entretanto, devo dizer que estão fazendo um ótimo trabalho. Finalmente, os jogos estão dentro da vida das pessoas, naturalmente, assim como a própria tecnologia (que, finalmente, não está sendo mostrada de uma forma figurada demais ao ponto de parecer ridícula).

Além disso, mesmo fora do escopo do texto, é digno de honra mostrar o foco que dão para o ensinamento de programação para as crianças e a convicção de Davi para levar isto para dentro da Marra. É uma dica para empresários do ramo de tecnologia: levar o ensino tecnológico básico para dentro das grandes empresas, que devem apoiar estas iniciativas.

Continuarei assistindo a Geração Brasil, esperando mais referências, mais videogames, mais risadas e mais de uma trama divertida e gostosa de se assistir. Se você não gosta muito de assistir a novelas, tudo bem. Mas se quiser dar uma chance, por que não dar uma olhada em Davi e Manu entre os seus Start Game?

Revisão: Catarine Aurora
Capa: Daniel Silva

sempre com projetos criativos, estranhos ou os dois ao mesmo tempo. desenvolvedor de software, game designer e escritor sobre as coisas que eu gosto.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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