Analógico

Obesidade e sedentarismo: os jogos são o veneno ou a cura?

Amanhã, dia 3 de Junho, é o Dia da Conscientização Contra a Obesidade Mórbida Infantil . Com a conscientização, vem à luta contra as caus... (por Fellipe Camarossi em 02/06/2013, via GameBlast)

Amanhã, dia 3 de Junho, é o Dia da Conscientização Contra a Obesidade Mórbida Infantil. Com a conscientização, vem à luta contra as causas deste mal que assola crianças e jovens ao redor do mundo, como a má alimentação e o sedentarismo. Atualmente, é impossível pensar em jovens e sedentarismo e não pensar em videogames, devido à má fama formada por anos de mídia unindo os fatos e propagando que os jogos são os inimigos de uma vida menos sedentária, mas será que realmente os games são os inimigos nessa história? Com os avanços tecnológicos e as inúmeras novas formas de se jogar, até onde o virtual está atrapalhando a vida saudável?

A preocupação com a saúde do jogador se tornou assunto em pauta na última década. Cada vez mais empresas se focam no bem estar do consumidor e tenta lutar contra esse preconceito de que os jogos são a causa predominante do sedentarismo e da obesidade. Mas por que este vínculo entre a jogatina e a falta de atividades físicas? Para compreender esse preconceito, talvez devamos fazer uma pequena viagem no tempo.

“Sai da frente dessa TV, moleque!”

"Espera eu achar
um save point mãe!"
Quem nunca ouviu isso antes? Leitoras, troquem o título para o mais apropriado para vocês. O senso comum forjado de que jogos eram prejudiciais para a saúde física e mental de jovens e crianças é algo que assola a humanidade faz algumas décadas, talvez como uma medida de evitar o vício em videojogos, ou talvez como um método de dar aos pais uma forma de controlar o tempo de seus filhos enquanto estão jogando.

Não sejamos hipócritas também de dizer que eles estavam de todo errados de dar essa ferramenta aos pais. Quando os primeiros videogames chegaram às casas da população, não demoraram a se tornar a sensação e a principal fonte de entretenimento da criançada. Jogar bola? Por que eu faria isso se posso jogar bola virtualmente? As atividades no mundo dos jogos pareciam ser ainda mais divertidas e viciantes, o que iniciou um catastrófico efeito bola de neve.

Vejam bem: se as crianças param de “sair de casa”, pelo fato de os jogos serem bons, mais jogos são comprados. Com mais compras, as produtoras criam mais jogos, que também são adquiridos e mantém as crianças em casa. Esse ciclo evolutivo que capturou quase que uma geração inteira é a provável causadora do preconceito que ainda hoje persiste em nossa sociedade e não podemos dizer que é infundado. O efeito bola de neve ainda acontece, mas hoje com uma abordagem completamente diferente.

Não, só segurar essa bola de futebol americano não vai queimar calorias.

O veneno e a cura

Segundo estudos, a taxa de obesidade infantil triplicou nas últimas três décadas, e isso se deve principalmente a explosão tecnológica. Os jovens passaram a ocupar a maior parte de seu tempo livre em jogos eletrônicos, televisão e em mídias sociais, deixando de lado atividades físicas. Com a ascensão das comidas rápidas, como salgadinhos e lanches, a situação piora ainda mais; pessoas tendem a comer quando estão jogando ou assistindo TV, sejam com lanches sutis ou mesmo refeições. Elas absorvem mais calorias e queimam menos. O ciclo vicioso prossegue.

Entretanto, com a onda do ecológica e biologicamente correto, as pessoas entraram em uma fase de lutar contra os males que a própria cultura estava infligindo à população. Alimentação saudável, zero açúcar, redução de gordura, incentivos aos exercícios... E como todo e qualquer mercado capitalista, o mercado de games não podia se negar a entrar em uma nova fase que a população estava entrando. Assim nascem os jogos com sensor de movimento.

Brandir uma espada nunca
foi tão cansativo divertido.
Nintendo Wii, o primeiro a ingressar nesse ousado mercado, arriscou ao introduzir um novo estilo de jogabilidade que exigia que o jogador fizesse movimentos com os braços para guiar o jogo. Ao mesmo tempo que isso dava uma imersividade nova para certos jogos (como The Legend of Zelda: Twilight Princess, Skyward Sword e Red Steel 2), fazer o jogador se exercitar enquanto joga quebrava todos os argumentos sobre como os games tornavam o consumidor sedentário.

A Nintendo ousou mais uma vez e lançou Wii Fit (seguido de Wii Fit Plus e, mais recentemente, Wii Fit U), agora declaradamente visando o bem estar do consumidor. O jogo que acompanhava o Balance Board, um periférico a se usar no chão para melhor medição do equilíbrio do corpo e até mesmo o índice de massa corporal do jogador, envolvia atividades aeróbicas, yoga, treinamento muscular e até alguns minijogos de equilíbrio. O sucesso foi tão estrondoso que o título se tornou um dos jogos mais vendidos de todos os tempos.

O começo de uma nova era.
Inspirados no sucesso da Big N, não tardou para que tanto a Sony como a Microsoft inventassem suas próprias maneiras de jogar com o sensor de movimentos e quebrar o paradigma do sedentarismo. PlayStation Move, a resposta da Sony para o Wii, é o controle por movimentos do PlayStation 3. Não vingou muito devido a grande carga de críticas por ser uma cópia descarada do Wii Remote, mas isso não torna a tentativa de entrar no mundo da boa condição física menos válida.

Por fim, chegou Kinect, o trunfo do Xbox 360. Com uma câmera que detectava movimentação corporal sem precisar de controles, o periférico lançado em 2010 foi um divisor de águas para a geração fitness dos jogos. A chegada do aparelho que permitia toda a interface do console da Microsoft ser manipulada por gestos passou a reduzir ainda mais o sedentarismo do jogador, com uma gama de jogos que realmente faziam o consumidor suar para jogar. Títulos como Just Dance, Dance Central e Kinect Sports faziam o jogador ter de simular coreografias e gestos para variados esportes, fazendo todo o trabalho de uma vida lá fora.

O sedentarismo mandou aquele abraço!
É claro que nada disso substitui a experiência real, mas para um povo que estava beirando a parada total, a prática de simulação de atividades físicas já é algo notável. Essa nova leva de aparelhos mostrou-se responsável por uma redução na taxa de obesidade em jovens e até adultos nos últimos anos e a tendência é que esse valor melhore. Mas, é claro, tudo depende da iniciativa.

Uma questão de opção

Desde o princípio o sedentarismo foi uma questão de querer ou não ser sedentário. Sempre há a oportunidade de se fazer alguma atividade física, algo que tire a pessoa de seu ciclo rotineiro sem condicionamento físico adequado, mas por vezes a preguiça ou a falta de vontade se mostra superior ao ímpeto de melhorar a própria qualidade de vida.

Usando os mesmos exemplos previamente citados, temos o Kinect. Ele permite ao jogador manipular toda a interface do Xbox 360 com gestos, okay, mas o que garante que o jogador o fará? Ele pode muito bem continuar usando o controle e ficar no seu sofá. O mesmo pode ser feito em muitos jogos do Wii, fazendo movimentos leves com a mão sem a menor imersividade com a proposta dos títulos.

Mesmo que os aparelhos não existissem, voltando trinta anos no tempo, foi uma opção das crianças ficarem dentro de suas casas e dispensarem as brincadeiras na rua. Os corpos são nossos e não podemos atribuir a qualquer lazer ou luxo a culpa por não termos o condicionamento que esperamos. É tudo uma questão de gerenciamento de tempo, rotina, alimentação e prioridades.

Mas é claro que certos conceitos vão demorar para serem quebrados.

E a mídia não ajuda

Em Julho do ano passado, um caso trágico aconteceu em uma lan house de Taiwan: um jovem de dezoito anos faleceu... após jogar Diablo III por quarenta horas consecutivas! Segundo a autópsia, a causa da morte foi um coágulo que se formou devido o jogador ficar por tanto tempo na mesma posição. Com isto podemos nos perguntar: o jogo foi derradeiro causador da morte do jovem?

Pode-se afirmar que foi parte do problema, afinal, ele não estaria parado ali se não estivesse jogando. Entretanto, basta um pouco de raciocínio para ver que há certa manipulação da mídia neste título; a matéria não seria tão impactante se dissesse “rapaz morre por ficar muito tempo parado”. Ele podia estar fazendo qualquer coisa para se manter na mesma posição, podia até estar estudando por quarenta horas consecutivas e o resultado muito provavelmente seria o mesmo. A questão é que determinados títulos são melhores pela sua polêmica.

Calma rapaz, largue o Game Boy Advance pra-- espera, isso aí é Pokémon? Então tá perdoado.
Tudo que é exagerado é um problema, e isso inclui os jogos, mas não se pode agregar toda a culpa neles. O ser humano tem o péssimo hábito de não querer assumir a culpa de suas próprias responsabilidades então é natural jogarmos em outros lugares as consequências de nossos atos. Bom, errar é humano, ao menos estamos aprendendo. Já até nos exercitamos enquanto jogamos!

Sem abstinência, sem overdose

Os jogos são uma droga, mas não no sentido pejorativo da palavra. Eles aliviam a tensão, distraem a mente, ajudam o jogador a aprender novas culturas e ganhar novas perspectivas, mas sem a dosagem correta, podem deixar o jogador viciado, sedentário, alienado e isolado da sociedade. Pode sim prejudicar sua saúde de várias maneiras e não somente com a obesidade. O segredo do sucesso é a moderação.

Como todas as drogas que estão no mercado, existe a dosagem correta para se apreciar corretamente seus efeitos. Jogue, mas o faça da maneira correta. A única pessoa que pode tirá-lo do sedentarismo e livrá-lo da obesidade é você mesmo, e não vai ser jogo algum que vai impedir isso se tiver força de vontade. No fim das contas, se os jogos serão o seu veneno ou a sua cura, só depende de você.

Revisão: Ramon Oliveira de Souza
Capa: Felipe Araujo

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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