Analógico

Analógico: Imersão e Ludonarrativa - a importância da coesão interna entre os elementos de jogo

A cada ano que passa, vemos desenvolvedores entusiasmados comentando sobre uma nova era de jogos imersivos. Durante eventos como a E3 e a ... (por Unknown em 09/03/2013, via GameBlast)

A cada ano que passa, vemos desenvolvedores entusiasmados comentando sobre uma nova era de jogos imersivos. Durante eventos como a E3 e a TGS (Tokyo Game Show), somos bombardeados por imagens e vídeos exibindo novos conceitos e tecnologias - tudo para demonstrar “experiências nunca antes possíveis”. Garantir uma experiência mais imersiva costuma servir como um jargão de justificativa para toda sorte de investimentos em produções megalomaníacas, sendo que alguns desenvolvedores chegam a citar a contagem de polígonos como raiz da falta de emoção nos games. Será?

O conceito de imersão

A grosso modo, imersão é a capacidade de uma obra de fazer com que o expectador mergulhe mentalmente em seu universo. Quase como um superpoder, obras imersivas são capazes de produzir efeitos sinestésicos, fazendo com que o público perca momentaneamente o chão da realidade, prendendo então sua atenção.

Embora o termo seja repetido como um verdadeiro mantra a cada jogo apresentado, tal conceito jamais foi exclusividade dos jogos digitais. Dos mais antigos escritores, aos modernos cineastas de Hollywood, a possibilidade de absorver intelectualmente alguém sempre foi o Santo Graal dos produtores de entretenimento.

O discurso

Para alguns desenvolvedores, entretanto, a parte gráfica seria a grande responsável pela imersão do jogador. Nas palavras de David Cage – designer de títulos como Heavy Rain e Indigo Prophecy, a capacidade de trabalhar com mais polígonos, na prática, se traduziria em melhores expressões faciais e, portanto, uma melhor representação da emoção. Assim, a ideia por trás de todo jogo seria trazer experiências cinematográficas interativas para sua sala de estar.


Entretanto, se só essa alta contagem de pixels na tela definisse nossa capacidade de empatizar com toda obra, como conseguíamos isso antigamente? Teríamos nós experimentado falsas ou inferiores sensações de imersão com os grandes títulos dos consoles de 8 e 16 bits, ou ainda com um bom livro? Certamente que não.

Não é preciso ir longe para perceber que o conceito de imersão em uma obra está associado a muito mais do que sua apresentação visual. Não é raro pegarmos jogos com um altíssimo investimento na parte gráfica, pelos quais tudo que sentimos é tão somente uma contemplação apática. Artisticamente, nosso senso de apreciação está diretamente relacionado a diversos elementos que são parte da composição... Na prática, é só comparar uma péssima foto como uma boa pintura impressionista, e percebemos que o valor não está no foto realismo.

Dissonância Ludonarrativa

Você já deve ter visto obras que, por mais visualmente impactantes que sejam, acabam por não despertar nenhuma aspiração sincera por parte do jogador. Jogos em que o investimento em texturas e modelos supera em muito o trabalho feito em programação, design ou narrativa. Estas experiências aparentemente desconexas, são o que chamamos de dissonância ludonarrativa.

O termo, cunhado por Clint Hocking – ex-diretor criativo da LucasArts e da Ubisoft, descreve a situação onde nosso cérebro percebe uma incompatibilidade entre os elementos narrativos, visuais e mecânicos que estão sendo apresentados.  Traduzindo: quando a jogabilidade contraria a história e ambientação do título.

Liberdade enjaulada

Sendo uma das mais criticadas encarnações da série, Final Fantasy XIII é um dos grandes exemplos dessa inconsistência entre elementos internos. Durante a introdução, somos apresentados a um mundo caótico, repleto de eventos e termos complexos. Ao jogarmos, entretanto, somos obrigados a seguir em linhas retas, quase sem explicações, apenas enfrentando inimigos dispostos de modo conveniente no meio do caminho.

Reparou no mapinha ali em cima?
Ao restringinir os mapas à uma única rota, e meramente colocar no caminho inimigos que, supostamente, deveriam estar te caçando, os elementos internos do jogo destoam do tema proposto. Somando-se a isso, é negada ao jogador quase qualquer possibilidade de interação, exploração e mesmo compreensão do mundo, visto que vários dos fatos e temas comentados na introdução demoram a ser explicados. Na prática, mesmo com belos gráficos de alta definição, essa inconsistência, além de contradizer toda ambientação do título, bloqueia o jogador de compreender e simpatizar com a causa dos personagens, dificultando assim a imersão no jogo.

O fim do mundo pode esperar

Vale lembrar que esta dissonância está presente em todos os títulos, em maior ou menor escala, e, por mais que obtenhamos experiências definitivamente imersivas, o realismo absoluto nos jogos é um tanto utópico. Ainda que não pequem em suas mecânicas fundamentais, mesmo os melhores games apresentam pequenas falhas de consistência entre as reações do mundo para com os atos do personagem, entretanto, estas podem até abrir um sorriso sincero do jogador ao escalar montanhas com um cavalo, ou ignorar solenemente a erupção de trevas na cidade vizinha enquanto se diverte em uma taverna.

Cavalos não ligam para a física.
Sabendo isso, a próxima vez que você ouvir alguém comentando sobre como a nova tecnologia de iluminação de solas de sapato deve garantir experiências nunca antes possíveis, duvide. Explorar uma aventura é uma atividade muito maior do que contemplar polígonos em uma tela, é deixar-se encantar pelos mistérios de um conto, e sentir, mesmo que sem perceber, como os elementos apresentados constroem um universo imaginário interessante.

Por mais que todos gostemos de ver belas imagens em alta definição, é inegável que estas têm sido utilizadas para esconder o grande vazio de muitas obras, recauchutadas anualmente com novas texturas para serem vendidas como novos jogos. Assim sendo, não devemos esquecer dos pequenos detalhes que fazem de muitas obras verdadeiramente inesquecíveis. Eventos que acontecem dentro do game, as vezes sem chamar a atenção, de simples trejeitos linguísticos, a coesão entre elementos visuais e narrativos - a verdade é que estes detalhes são muito mais determinantes, do que a frágil camada de verniz que é a apresentação visual.

Revisão: Leandro Freire

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


  1. Final Fantasy VII foi bom (muito bom), mas para mim, não chega aos pés de FF VI! E todos os outros que vieram depois apresentam gráficos incríveis para as suas respectivas épocas, mas eu não consigo gostar deles como gosto dos clássicos, simplesmente por esconderem os enredos não tão bons assim com gráficos e animações espetaculares em CG.

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